Nessa segunda fase da reforma tributária, não espere nada além de um sistema denominado “simplificador”, cuja notável complexidade caberá ao contribuinte lidar
Por Ives Gandra
Partindo do princípio de que o sistema atual é complexo, inseguro e oneroso, buscou a EC 132/2023 criar um sistema “simples, transparente e justo tributariamente”. A fim de conseguir os três desideratos, instituiu, ironicamente, um sistema com três vezes mais disposições constitucionais do que temos no atual.
Não bastasse isso, a nova legislação complementar, para dois tributos apenas, tem 499 artigos no primeiro PLC e 197 no segundo PL 108/2024, faltando ainda entregar o Governo ao Congresso o terceiro projeto. Por outro lado, o Código Tributário Nacional, que tem eficácia de legislação complementar, possui 218 artigos para todos os tributos brasileiros das 3 esferas da Federação.
Significa dizer que todos aqueles que interpretarão esta legislação simplificadora, terão pela frente um imenso número de dispositivos.
E minha perplexidade com as propostas só aumentou porque tais projetos não são apenas de normas gerais, mas também – e principalmente – de normas de aplicação impositiva, pois criam os regimes a serem obrigatoriamente seguidos pela União, Estados e Municípios.
Acresce-se que todo o sistema basear-se-á na contribuição sobre bens e serviços a partir de 2026 de competência da União, cujo regime jurídico será necessariamente o mesmo do IBS de Estados e Municípios que entrará em vigor no ano de 2029, não com administração de Estados e Municípios, mas de um Comitê Gestor de 54 cidadãos.
Como se percebe, 26 Estados e Distrito Federal e 5.570 municípios abrem mão de gerir seus tributos (ICMS e ISS) para que tal Comitê Gestor, com sede em Brasília, o faça. Nele, teremos 27 delegados dos 26 Estados e DF e 27 delegados dos 5.570 Municípios, sendo 13 deles escolhidos por critério populacional e 14 nominal.
À evidência, como o ISS representa a arrecadação de 43% dos Municípios e o ICMS 88% dos Estados, percebe-se que a autonomia financeira dos Estados e Municípios fica consideravelmente reduzida.
Para complicar a reforma simplificadora, desde 2025 até 2032, todas as empresas terão que manter sua equipe tradicional para pagamento do ISS e ICMS, e uma nova equipe para estudar o novo sistema que entrará em vigor no dia 01/01/2026 para a CBS e em 2029 para o IBS. É que os dois sistemas coexistirão até dezembro de 2032 se não houver prorrogação. Assim, o custo das empresas para ser contribuinte, será consideravelmente acrescido por 8 anos!
Por fim, todos os estados e municípios que são “exportadores líquidos” de produtos e serviços perderão receita. Os Estados, no diferencial entre “exportação de produtos” 2/3 do ICMS e os Municípios a totalidade do ISS, nos serviços, pois tudo ficará com os estados e municípios “importadores”. Para compensar, a União destinará 60 bilhões de reais para tais perdas e outras. Quem sofrerá com este acréscimo de recursos a serem disponibilizados?
Portanto, nessa segunda fase da reforma tributária, não espero nada além do que já se apresentou na primeira: um sistema denominado “simplificador”, cuja notável complexidade caberá ao contribuinte lidar.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito da Universidade Mackenzie, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército