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quinta-feira, 2 maio, 2024

Saneamento Básico: O Brasil a caminho de uma revolução

Quase 35 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável e cerca de 100 milhões não têm coleta de esgoto, hoje, no país.Objetivo é universalização dos serviços até 2033

Por DANIEL HIRSCHMANN

O Brasil deve viver uma revolução na área do saneamento básico nos próximos anos, com medidas que deverão ajudar a prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida, aumentar a produtividade e impulsionar a economia. Mas o caminho para essa revolução, que tem como destino a universalização dos serviços de saneamento em 2033, prevista pelo Novo Marco Legal do setor, ainda apresenta dificuldades que precisam ser tratadas para que o país produza as mudanças necessárias.

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A Constituição Federal diz que o saneamento básico é um direito, definido pela Lei nº 11.445/2007 como o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. O mais comum, porém, é o saneamento ser visto como os serviços de acesso à água potável, à coleta e ao tratamento dos esgotos.

Apesar de ser um direito constitucional, quase 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável e cerca de 100 milhões vivem sem coleta de esgoto no Brasil. Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades apontam que o somente 51,20% do volume de esgoto gerado é tratado.

De acordo com o SNIS, 84,2% dos brasileiros são atendidos com rede de água tratada, ou 177 milhões de pessoas, sendo 93,5% delas moradores de áreas urbanas. Em 2010, o atendimento com água tratada era de 81,1%, ou 147,7 milhões de brasileiros.

O SNIS aponta que o atendimento com rede de esgoto passou de 46,2% em 2010, com 82,7 milhões de pessoas, para 55,8% em 2021, alcançando 117,3 milhões de indivíduos. Mais uma vez, a maioria atendida está nas áreas urbanas (64,1%).

Baixos investimentos

Ainda segundo o SNIS, os investimentos em sistemas de água aumentaram de R$ 6,02 bilhões em 2020 para R$ 7,76 bilhões em 2021, enquanto os recursos para os sistemas de esgoto subiram de R$ 5,89 bilhões para R$ 7,35 bilhões no mesmo período.

Para a presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, o investimento é baixo. “O investimento médio é de R$ 82 por ano, por habitante, em saneamento básico. A gente deveria estar investindo R$ 200 por ano por habitante”, salienta. “A Região Norte, onde 60% da população têm acesso à água e 14% à coleta e tratamento de esgoto, investe R$ 50 por ano por habitante, enquanto São Paulo, no Sudeste, investiu R$ 200 por ano por habitante. Então, ainda vemos uma realidade em que aquele que está em melhor situação investe mais e tende a universalizar mais cedo, enquanto aquele que mais precisa e que deveria estar investindo muito mais, investe menos do que o necessário”, avalia.

No Espírito Santo, conforme o Trata Brasil, cerca de 96% da população têm acesso à água e 70% à coleta, o que está acima da média nacional de 55% na coleta. Já o tratamento chega a 44% para os capixabas, abaixo da média de 51%. O investimento por ano por habitante no estado é de R$ 100, também acima da média nacional. Já na comparação com a Região Sudeste, o Espírito Santo está abaixo da média, que é de 81% de coleta e de 58% de tratamento.

O Ranking do Saneamento 2023 do Trata Brasil, com dados do SNIS de 2021 e foco nos 100 maiores municípios do país, mostra as cidades de Vitória e Vila Velha entre as cinco com maiores variações positivas em um ano. Ambas tiveram melhora nos indicadores de abastecimento de água e de coleta de esgoto, apesar de piorarem no tratamento de esgoto. Vitória passou da 53ª para a 41ª posição. Entre os capixabas, o município seguinte é a Serra, que caiu da 50ª para a 51ª posição. Depois vem Vila Velha, que saltou do 71º para o 57º posto, e Cariacica, que foi do 86º para o 82º, mas ainda figurando entre os 20 piores no ranking.

Para a presidente da entidade, o grande desafio são as áreas mais críticas, como as Regiões Nordeste e Norte, que têm estados com investimento médio de R$ 20 por ano por habitante ou até de apenas R$ 5 por habitante. A preocupação se deve à distância entre esses números e os objetivos de universalização, que deve ser de 99% dos brasileiros com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033.

Para se chegar lá, entre outras medidas, foi criado o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que estabelece 29 metas com oito indicadores para o abastecimento de água, seis para esgotamento sanitário e oito para resíduos sólidos urbanos.

Poços, aquedutos e escravos-tigres

Essas metas são mais um capítulo de uma história iniciada em 1561, com a primeira obra de saneamento básico no País – um poço construído para abastecer a cidade do Rio de Janeiro. No período colonial, ainda se destaca a construção do primeiro aqueduto do país, hoje conhecido como Arcos da Lapa, entre 1673 e 1723. Nesse tempo se popularizaram os chamados “escravos tigres”, encarregados de levar as fezes dos senhores e dos próprios escravos para um local afastado. Eles ficavam com a pele queimada devido aos respingos dos excrementos sob o calor do sol, e as marcas deixadas originaram o apelido de “tigres”.

A partir da vinda da família real portuguesa, em 1808, a demanda por água aumentou, gerando mais obras de saneamento. Anos depois, ao final do Século XIX, os serviços de saneamento foram concedidos a empresas estrangeiras. Nessa fase, foram construídos sistemas de água encanada em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, e foi inaugurada no Rio a primeira Estação de Tratamento de Água (ETA) com seis filtros de pressão ar/água do mundo. Porém, a insatisfação com as empresas estrangeiras levou o governo a estatizar o setor no início do Século XX. Já a Constituição de 1930 responsabilizou os municípios pelos serviços de saneamento e abastecimento de água.

Planos e marcos de saneamento

Em 1971, no governo militar, foi instituído o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), baseado na autonomia e autossustentação, por meio de tarifas e financiamentos. O Planasa melhorou o abastecimento de água, mas deixou de lado o esgotamento sanitário. “Era um modelo baseado em companhias estaduais, no esquema de financiamento do Banco Nacional da Habitação (BNH), que foi extinto. Aí o saneamento ficou sem uma estrutura de financiamento e esse modelo veio ‘fazendo água’ com o tempo”, conta o diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), Percy Soares Neto.

Surgiu, então, o primeiro Marco do Saneamento no país, a Lei nº 11.445 de 2007, ou Lei Nacional do Saneamento Básico (LNSB), que aproximou o saneamento dos outros setores de infraestrutura no Brasil, com uma lógica de concessão do serviço. “O serviço, que era do município, seria concedido para uma companhia estadual ou para uma companhia privada. Mas ele precisava ser regulado”, explica Soares Neto. O problema é que essa regulação era feita com base em um poder concedente municipal e, hoje, o Brasil tem quase 80 agências reguladoras de saneamento, “o que é muito, porque precisa ter uma regra harmônica” para atrair investimentos. Também havia pouca competição, pois as companhias estaduais faziam contratos com as prefeituras sem concorrência. Questões assim levaram às discussões que originaram o Novo Marco Legal, aprovado em 2020.

Impactos positivos

Um estudo do Instituto Trata Brasil revela que a universalização do saneamento prevista no Novo Marco produzirá benefícios econômicos e sociais da ordem de R$ 1,4 trilhão. O estudo mostra que, quando se reduz doenças de veiculação hídrica, como esquistossomose, leptospirose, diarreia e hepatite, entre outras, as pessoas conseguem produzir mais, gerando um ganho de R$ 400 bilhões em produtividade.

Já as crianças ficam menos doentes e têm um desenvolvimento intelectual superior, com escolaridade média maior. Hoje no Brasil a escolaridade média é de cerca de 9 anos com saneamento básico e de 5,5 anos sem ele. Isso afeta a geração de renda futura, reduzindo a renda média da população sem acesso aos serviços. “E ainda são 128 mil internações por conta de doenças de veiculação hídrica. Não estamos nem falando daquela pessoa que não é internada, ou que tem que comprar remédio muitas vezes, porque fica doente com frequência”, destaca a presidente do Trata Brasil.
Outros R$ 80 bilhões são ganhos com turismo, pois “ninguém quer ir para uma praia onde vai ter que procurar o posto de atendimento por virose vinda da água de má qualidade”, acrescenta Luana Pretto. Soma-se a isso a valorização imobiliária, com estimativa de R$ 60 bilhões, e maior movimento na economia local, porque quando as obras de saneamento começam é necessário contratar pessoas da região, o que gera mais empregos e mais negócios no comércio local.

Novo PAC

Da parte do governo federal, foi lançado o Novo PAC, um programa de investimentos em parceria com o setor privado, estados, municípios e movimentos sociais. Por meio de nota, a Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades disse que “o objetivo desse esforço conjunto é acelerar o crescimento econômico e a inclusão social, gerando emprego e renda, e reduzindo desigualdades sociais e regionais”. Segundo a secretaria, o programa está organizado em Medidas Institucionais e nove Eixos de Investimento, dentre eles os que visam a atender as metas institucionais estabelecidas no Marco Legal do Saneamento para universalização dos serviços de saneamento básico.

Para representantes do setor, porém, o Novo PAC tem alcance limitado. “O PAC impacta pouco porque o volume de investimentos para os próximos cinco anos previsto para saneamento básico é de R$ 8 bilhões ao ano, quando a gente precisa de R$ 40 bilhões”, pondera Luana Pretto. Por outro lado, ela entende que o programa pode ser útil para regiões onde não haja uma modelagem que fique em pé para elaboração de Parcerias Público Privadas (PPPs) ou de concessões.

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