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quarta-feira, 1 maio, 2024

Paletó curto

Lula envelheceu. Continua eloquente, mas trajando o paletó de um discurso frágil, condenado por qualquer estilista da retórica moderna

Por Fernando Carreiro

O defunto era maior. A expressão molda a cultura popular para simbolizar aqueles que trajam figurinos maiores que seus números. Depois de ter voltado à Presidência, Lula parece ter constatado que hoje usa um terno uns números menor que o seu manequim. O discurso é velho. O presidente também envelheceu: basta olhar o comparativo de fotos oficiais de seus três mandatos, publicado pela imprensa recentemente. É da vida, todos nós envelhecemos um dia, e a política costuma acelerar esse processo gradual de todo ser humano. O discurso, por não ter sido forjado na biogênese, não deveria seguir esse mesmo curso.

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Duas décadas depois de tomar posse de seu primeiro mandato como presidente, ainda no primeiro mês Lula foi confrontado pelos novos contornos que o país assumiu nesse interstício. O poder presidencial mudou. Os arranjos institucionais, também. A forma de fazer política continua quase a mesma, salvo o poder que as redes sociais conferem hoje a quem estava acostumado a assistir à entourage oficial passar sem muitos reclames. E as reações do novo-velho presidente a esse diferente modelo podem ser interpretadas como cálculo político a fim de abrir brechas para sua atuação antiga nesse terreno arenoso e desconhecido. Lula envelheceu.

Vinte anos atrás não havia Banco Central independente. Muito menos durante os governos do PT, habituado a trocar seus comandantes ao sabor da conveniência política. Duas décadas atrás, a direita era o PSDB com alma, espírito e corpo de centro-esquerda, outro que não cabia em seu próprio dresscode esculpido pelo PT, que carecia de um inimigo em polo oposto para duelar. Os tucanos aceitaram essa vestimenta desmedida porque enxergavam nela uma oportunidade – que nunca voltou, desde Fernando Henrique Cardoso – a direita conservadora havia ficado presa no passado da ditadura militar.

Há 20 anos, Lula desconhecia a Fake News. Ninguém conhecia. Hoje, não sabe lidar com elas, ao contrário da direita, que conhece tão bem seus mecanismos, que as produz com imensa facilidade – e todos sabemos que quem sabe fabricar veneno também conhece a fórmula do remédio. A voz poderosa e portentosa da Internet era rouca e sem timbre. Ninguém falava, e não havia caixa de ressonância. Hoje, o PT ainda patina no ambiente digital e o presidente, só há bem pouco tempo, descobriu o advento das redes sociais.

Há vinte anos, as Forças Armadas já haviam, há algum tempo, deixado o poder, junto com o último general João Batista Figueiredo, que apagou a luz do regime. Hoje, os militares são quase onipresença cinzenta da política brasileira e dela se servem.

Lula se rendeu a Arthur Lira na Câmara dos Deputados… e também ao PL de Valdemar Costa Neto. Muitos dirão que é a postura de um estadista que defende uma frente ampla para governar. A verdade, mesmo, é que nesses tempos em que vivemos não há lugar para imperadores. O império foi dissolvido e diluído em dois lados bem distintos.

O governo de Lula diverge do Cade, órgão que trata do combate aos monopólios e está debaixo do guarda-chuva de sua gestão. O ministro da Fazenda não fala a mesma língua do presidente na área econômica: defendeu a reoneração dos combustíveis enquanto as vozes políticas do Planalto queriam, por puro populismo, manter os baixos preços dos poluentes às custas do erário. E o discurso continua velho, caquético, numa defesa insistente de pautas antigas, enquanto o Brasil e o mundo dialogam com a inovação, o futuro e a inteligência artificial: a besta apocalíptica que promete sucumbir com os empregos formais que o presidente tanto defende.

Lula envelheceu. Continua eloquente, mas trajando um discurso frágil, condenado por qualquer estilista da retórica moderna.

Chamem um bom alfaiate! O terno presidencial encolheu bastante.

Fernando Carreiro é jornalista e consultor especializado em gestão e crises de imagem, marketing político e comportamento humano

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