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sexta-feira, 3 maio, 2024

A caverna de Platão

Por Fernando Carreiro

Em sua obra mais complexa, ‘A República’, Platão narra uma história alegórica chamada por ele de “O Mito da Caverna”. O diálogo, travado entre Sócrates, o personagem principal, e Glauco, seu interlocutor, visa a apresentar ao leitor a teoria platônica sobre o conhecimento da verdade, que, como se sabe, não é absoluta, sobretudo em tempos de pós-verdade.

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No texto, Sócrates fala para Glauco imaginar a existência de uma caverna onde prisioneiros vivessem desde a infância. Com as mãos amarradas em uma parede, eles podem avistar somente as sombras que são projetadas na parede situada à frente. As sombras são ocasionadas por uma fogueira que projeta a imagem de homens e seus gestos, formando sombras que, de maneira distorcida, eram todo o conhecimento que os prisioneiros tinham do mundo.

Liberto repentinamente, um dos prisioneiros percebe o real para além da verdade utópica que havia criado em sua mente: na caverna havia pessoas e uma fogueira projetando as sombras. Ao encontrar a saída, ele se depara com o mundo exterior. A luz solar ofusca a sua visão, mas, aos poucos, ele começa a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora daquela caverna. E passa a entender que aquelas sombras, que ele julgava ser a realidade, na verdade são cópias imperfeitas de uma pequena parcela da realidade.

Nos últimos anos, o mundo político tem encontrado nas fake news um lugar tão obscuro e de inverdades quanto na caverna de Platão. Há que se entender que, psiquicamente, o ser humano não tem capacidade de acreditar em absolutamente nada que não faça o mínimo sentido e que não esteja de acordo com suas crenças e valores individuais. Por isso é tão oneroso fazer com que nossos avós aceitem determinadas mudanças sociais ou que culturas distintas compartilhem espontaneamente de seus ethos sem qualquer resistência.

Neste mundo de pós-verdade em que Terra já passou de redonda para plana e tornou a ser redonda tantas vezes e em que a vacina transitou entre os títulos de heroína e vilã em questão de poucas horas, sair da caverna e encarar a luz do sol – “o melhor detergente”, segundo o juiz Loius Brandeis, da Suprema Corte norte-americana –, pode ser nocivo para as crenças limitantes de cada um de nós.

O que a psicologia chama de “viés de confirmação”, nestes tempos oblíquos nada mais é senão a tradução da desinformação com ares de verdade absoluta na boca de gente que só enxerga a sombra na parede como bem deseja. Isso é imagem: a percepção individual que temos sobre coisas, pessoas e situações.

A relação entre a verdade e o poder é algo inextricável. É um axioma. Quem detém a verdade exerce privilégio sobre os demais, discorreu Friedrich Nietzche certa vez. As redes sociais e seu enorme poder de dar voz a todas as categorias de pessoas – sobretudo àquelas que sempre estiveram à margem da sociedade mais elitizada – criaram um território perfeito para coalhar verdades em que não queremos acreditar, mas que sempre existiram nas mentes de quem as propaga.

Platão ensina que a realidade é muito mais ampla que nossos singulares cubículos mentais. As redes sociais querem nos fazer acreditar que somos a própria verdade.

Fernando Carreiro é jornalista, consultor de marketing político especializado em gestão de crises de imagem e comportamento humano.

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