Especialista comenta decisão do TRT-ES a favor do motorista e no que ela implica para o mercado de trabalho
Por Amanda Amaral
Um motorista de aplicativo no Espírito Santo teve reconhecido o vínculo de emprego por meio de contrato intermitente com a Uber, que foi condenada ao pagamento de férias mais um terço, 13º salário e FGTS. Mas o que implica essa decisão para o mercado de trabalho atual?
O reconhecimento foi feito pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17 ª da Região (TRT-17) e pode gerar repercussões segundo o especialista em Direito do Trabalho, o advogado Guilherme Machado.
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Vínculo trabalhista
A primeira delas é de que a decisão no Espírito Santo pode vir a ser acolhida futuramente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa é uma decisão que pode ser acolhida pelo STF, até porque, talvez, essa seja uma decisão mais adequada, porque adequa a atividade ao contrato intermitente, porém devemos lembrar que cada caso é uma sentença. Nem todos os trabalhadores terão o vínculo reconhecido. O dia a dia de cada um deles vai ser considerado”, explicou.
Guilherme Machado relembra de outros casos semelhantes. Em 2020, a Justiça do Trabalho do Espírito Santo também reconheceu vínculo de emprego na categoria autônomo ou empreendedor entre um motorista e o um aplicativo de transporte.
A empresa foi condenada a anotar a carteira de trabalho e pagar verbas rescisórias e demais direitos trabalhistas. Foi deferida, também, indenização por danos morais.
Na época, a juíza Andrea Carla Zani, citou em sua decisão, trecho da tese de doutorado do juiz do TRT-ES Fausto Siqueira Gaia, sobre as novas formas de trabalho no mundo dos aplicativos.
De acordo com a tese, a presença dos elementos habitualidade, pessoalidade, onerosidade, subordinação jurídica e alheabilidade permite concluir que a relação de trabalho é, de fato, uma relação de emprego. “Os dados da realidade prevalecem sobre os instrumentos formalmente elaborados pela plataforma tecnológica para dar a aparência de autonomia à relação jurídica de trabalho.”
Judicialização
Outra consequência a respeito das decisões em favor dos motoristas, na opinião do especialista, é o aumento da judicialização. “A tendência é aumentar, pois a decisão favorável incentiva outros trabalhadores a entrarem contra os aplicativos”, comenta.
Guilherme Machado explica que para o reconhecimento do vínculo empregatício quatro critérios são levados em consideração. São eles: pessoalidade – prestação do serviço pelo próprio trabalhador; não-eventualidade – trabalho habitual e vinculado às atividades normais do empregador; onerosidade – remuneração do serviço prestado; e subordinação – direção exercida pelo empregador na condução da prestação dos serviços.
“Esta última relação é a mais complexa. Por exemplo, no caso do Uber, eu não preciso nem se quer comunicar se eu interromper o serviço e resolver viajar. O motorista não deve satisfação à empresa. Ele segue as regras do aplicativo, mas não há uma subordinação direta. Os casos que são perdidos, em geral, ocorrem por causa desse fator”, afirma o advogado trabalhista.
Polêmica
“A decisão do TRT-ES é polêmica”, afirma Guilherme Machado. Para o especialista, ainda há muita divergência sobre o tema, tanto que alguns pedidos são revogados na primeira instância e o motorista precisa recorrer. Inclusive, a Uber poderá recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT-17.
“Existem divergências em todo o país sobre essa questão, não há uma sumula no STF que diga que é necessário o reconhecimento do vínculo de trabalho nessa modalidade, então os juízes julgam conforme suas convicções. Contudo, a corrente majoritária dos magistrados ainda nega o vínculo empregatício”, finalizou o especialista.
Confira na íntegra o posicionamento da Uber
“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT-17, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados por diversos Tribunais Regionais e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – um dos mais recentes em novembro de 2021.
Os desembargadores da 3ª Turma aparentemente descartaram as provas apresentadas no processo e basearam a decisão exclusivamente em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil.
Como destacou a sentença original da 5ª Vara do Trabalho de Vitória, no processo foi definida uma lista de 12 fatos “incontroversos” que atestaram a inexistência do vínculo de emprego entre o motorista e a Uber, como apenas ele decidir “o início e término do horário de utilização da plataforma” e poder usar aplicativos concorrentes ao mesmo tempo.
De acordo com a sentença, os 12 fatos listados “são suficientes para afastar toda e qualquer subordinação, ainda que por programação ou algorítmica, uma vez que restou clara a autonomia para o desenvolvimento de suas atividades”.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 2.500 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em cinco julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em novembro de 2021, a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham “sem habitualidade e de forma autônoma” e que não existe “subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador”. Em maio, a 5ª Turma já havia afastado a hipótese de subordinação de um motorista com a empresa porque ele podia “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.
Outro julgamento de 2021, em março, decidiu que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla” do parceiro para escolher “dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.
Esse entendimento vem sendo adotado pelo TST desde 2020, com decisões em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício” – a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro de 2021.”
Com informações do TRT-ES.