Grande demanda por outorgas para utilização de água, aliada à escassez de chuvas, compromete disponibilidade de recursos hídricos da bacia do Rio Doce
Por Daniel Hirschmann
A bacia do rio Doce, uma das mais importantes do Brasil, está em cenário de alerta devido ao comprometimento dos recursos hídricos. A situação abrange o percurso do Doce em território capixaba, considerando a disponibilidade de água para outorgas – autorizações oficiais para utilização de recursos hídricos em atividades como indústria e agricultura, além do consumo humano e animal. “É um cenário que já passou da atenção. Estamos no cenário de alerta”, destaca o gerente de Planejamento, Pesquisa e Apoio ao Sigerh/ES da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Antônio Oliveira Júnior, citando conclusões do Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (PIRH Doce).
Ele explica que a situação abrange a gestão do Baixo Doce (trecho que vai da divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo até a foz do rio Doce, no Oceano Atlântico, abrangendo os municípios de Linhares, Colatina, Baixo Guando e Marilândia) e dos comitês de afluentes capixabas da bacia. “Tem uma sinalização em todo o Baixo Doce – que inclui as bacias das margens esquerda e direita do Doce capixaba – de percentuais de um padrão que já estão comprometidos para o uso da água”, destaca.
No caso do Espírito Santo, a irregularidade e insuficiência de chuvas na região, conjugada com a alta demanda pelo uso da água do Doce, pode resultar em conflitos pelo uso dos recursos hídricos, como já aconteceu em anos anteriores. “A situação não é muito boa, porque é uma região que já sofre com períodos de escassez”, explica a especialista em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos Mônica Amorim Gonçalves.
Atuação coordenada
A situação exige uma atuação integrada e coordenada entre diversos órgãos e comitês. Hoje, na bacia do rio Doce, há dois tipos de gestão. Uma é feita pela Fundação Renova, da mineradora Samarco, e pelo Comitê Inter Federativo (CIF), ligados à reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG); e outra, pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBHDoce).
“É sempre um colegiado, que engloba representações do poder público, da sociedade civil e dos usuários da água. Ele é acompanhado diretamente pelos órgãos gestores de recursos hídricos – no caso do rio Doce, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agerh)”, pontua Mônica Gonçalves, que integra o CBHDoce.
Com tantos atores envolvidos em diferentes áreas de atuação, o desafio é compatibilizar as decisões e ações. “Não se pode ter uma ação aqui para aumento de disponibilidade hídrica, por exemplo, que seja ‘descasada’ do que pensa o CBHDoce federal, que a gente chama de Comitê Inter Federativo”, acrescenta Antônio Oliveira Júnior, da Agerh.
PIRH
O PIRH Doce é um dos instrumentos utilizados para a definição de ações. Criado em 2010, ele foi revisado entre 2021 e 2023. Mônica Amorim diz que há “uma certa compatibilização” das ações do PIRH com as da Fundação Renova, mas algumas caminham em separado, porque são especificamente relacionadas ao desastre. “Então, são tocadas pela Fundação Renova, enquanto outras fazem parte do plano integrado. Podemos dizer que isso seria a governança que acontece ali naquela área”, explica.
Para Mônica, porém, a região ainda está muito desmobilizada, principalmente do lado capixaba. “Lá, os atores responsáveis pela gestão da água estão extremamente desmobilizados, apesar de terem passado por um processo de planejamento recente”, lamenta. De acordo com ela, é preciso estabelecer ações, no nível de governança, de mobilização, de capacitação e ações práticas para melhorar a qualidade e a disponibilidade da água e regular melhor o uso, já que a demanda é grande; É preciso também estabelecer acordos, principalmente para as situações de escassez. “E todas essas questões estão dispostas no Plano de Recursos Hídricos que foi aprovado”, destaca a especialista.
Riscos para o século 21
O estado de alerta atual na bacia do rio Doce é corroborado por um estudo publicado por pesquisadores no livro “Mudanças climáticas: efeitos sobre o Espírito Santo”, do Instituto de Estudos Climáticos do Espírito Santo (IEC-ES).
Avaliando dados específicos dessa bacia, os autores afirmam que a combinação de baixas precipitações e altas temperaturas irá, invariavelmente, “acarretar uma diminuição drástica da disponibilidade hídrica da bacia, significando um grande desafio para a gestão de recursos hídricos do estado”.
Segundo eles, os modelos climáticos e os cenários de clima futuros utilizados indicam que a bacia poderá sofrer graves problemas diante das reduções significativas das precipitações futuras nos períodos chuvoso e seco ao longo do século 21. “Os resultados desse estudo indicam que a bacia do rio Doce poderá ter problemas relacionados à redução das vazões”, alertam.
Fonte: livro “Mudanças climáticas: efeitos sobre o Espírito Santo”, do IEC-ES.
*A matéria foi publicada originalmente na revista ES Brasil 222, de julho de 2024. A edição especial do Anuário Verde pode ser conferida neste link