Medida prevista na Lei 14.973/24 traz consigo uma série de desafios e riscos que podem acabar prejudicando mais do que ajudando os contribuintes
Por Sandro Ronaldo Rizzato
Entre as medidas estabelecidas pela Lei 14.973/24, uma das mais controversas é a possibilidade de atualizar o valor dos bens imóveis para refletir o preço de mercado. Embora essa atualização seja apresentada como uma medida de transparência e justiça fiscal, há diversos fatores que sugerem que essa mudança pode se transformar em uma armadilha para contribuintes, para pessoas físicas e sobretudo para pessoas jurídicas.
A proposta em si, de ajustar os valores dos imóveis para acompanhar o mercado, tem um apelo teórico positivo. Afinal, permitir que o valor patrimonial reflita o valor de mercado pode trazer mais precisão na arrecadação de impostos, reduzindo a subvalorização e a sonegação. No entanto, essa atualização não vem sem custos. Alíquotas consideravelmente altas, especialmente para pessoas jurídicas, podem transformar essa medida em um fardo pesado demais para ser absorvido por muitos contribuintes.
Um dos principais problemas é que essa atualização patrimonial pode gerar um aumento expressivo na carga tributária de empresas que detêm imóveis em seu ativo. Para algumas empresas, a atualização de valores imobiliários pode resultar em uma tributação que inviabiliza a adesão a essa medida, limitando os benefícios de longo prazo. Em vez de incentivar as empresas a aderirem a uma maior transparência fiscal, a alta tributação pode desincentivar o uso dessa opção.
Outro aspecto crítico é que a atualização dos imóveis por pessoas físicas, pode decorrer de recolhimento antecipado de operação que poderia estar isenta do Imposto de Renda. Existem várias isenções denominadas orgânicas que podem ser utilizadas pelo contribuinte, com a exemplo, a venda de um imóvel com nova aquisição dentro do prazo de 180 dias. Não obstante, a atualização também afeta não apenas o imposto de renda, mas também gera impactos sobre outros tributos, como o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). Esses impostos, que são de competência estadual e municipal, respectivamente, incidem quando há transferência de imóveis, seja por venda, herança ou doação. Ao atualizar o valor dos imóveis, os proprietários podem se ver surpreendidos com uma carga tributária adicional sobre esses impostos, especialmente em estados e municípios que já praticam alíquotas elevadas.
Esse cenário cria uma situação de dupla tributação, em que o contribuinte é onerado tanto no âmbito federal quanto no âmbito estadual e municipal e uma antecipação de tributos que pode não ser devida. Para muitas pessoas jurídicas, o custo dessa atualização se torna proibitivo, levando-as a optar por não realizar a atualização, perpetuando o descompasso entre os valores de mercado e os valores patrimoniais. Da mesma forma para pessoa física, pois dependendo da operação, o imposto não será devido, em nenhuma alíquota.
Além disso, o mercado imobiliário brasileiro já enfrenta uma série de desafios, como a alta burocracia e a morosidade em processos de regularização. A introdução de mais uma camada de complexidade fiscal pode aumentar ainda mais os custos de transação no setor imobiliário, prejudicando o dinamismo desse mercado. Investidores, tanto nacionais quanto internacionais, podem ser desencorajados a investir em imóveis no Brasil, agravando ainda mais o cenário de retração econômica.
Outro ponto preocupante é que, ao incentivar a atualização dos valores imobiliários, o governo antecipa o pagamento de um imposto que não teve o fato gerador ocorrido, ou seja, poderá ocorrer que a pessoa não venha a vender a alienar o imóvel nunca, ou até mesmo falecendo com a propriedade. Isso cria um risco adicional para os contribuintes, que podem vir a pagar algo que sequer seria devido.
Em conclusão, a atualização do valor dos imóveis, embora apresentada como uma medida de justiça fiscal, traz consigo uma série de desafios e riscos que podem acabar prejudicando mais do que ajudando os contribuintes. Sem uma redução nas alíquotas e uma maior simplificação do sistema tributário, essa medida corre o risco de se tornar mais uma fonte de distorções no já complexo cenário fiscal brasileiro.
Sandro Ronaldo Rizzato é advogado, sócio da PRL Advogados, Vitória (ES)