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domingo, 16 DE fevereiro DE 2025

Terceirização – portas abertas para mudanças no mercado de trabalho

Lei 4.302/1998, que permite a terceirização de todas as atividades de uma empresa, deve mudar o comportamento de patrões e trabalhadores e abrir caminho para a redução do desemprego no país. Mas ainda há pontos que merecem atenção

A aprovação da lei da terceirização não pôs fim às discussões sobre as consequências da permissão para que empresas terceirizem todas as suas atividades, inclusive as atividades-fim, aquelas que são tarefas centrais na produção de bens e serviços. Enquanto boa parte dos advogados, empresários e especialistas veem essa mudança como um avanço capaz de valorizar os funcionários mais eficientes, aumentar a competitividade da indústria brasileira e até gerar novos empregos, outros ainda apontam falhas na lei e temem por um prejuízo para os trabalhadores.

O que parece certo é que a lei vai transformar as relações de trabalho e modificar o comportamento tanto de empregadores como de empregados. “A lei é importante para dar uma segurança jurídica às relações trabalhistas. Até então havia dificuldades de interpretação pelos diversos juízes do país, por não existir um padrão legal para ser julgado”, explica Lívio Giosa, presidente executivo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).

De fato, o Brasil não tinha uma legislação para o tema. A única referência jurídica era do Tribunal Superior do Trabalho (TST), através da súmula 331, de 1993, que permitia a terceirização da atividade-meio e proibia a da atividade-fim.

Terceirização - portas abertas para mudanças no mercado de trabalho

Para resolver essa situação, os deputados aprovaram, no fim de março, o Projeto de Lei 4.302/1998. Essa proposta, originalmente, fora encaminhada ao Congresso em 1998, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo sido aprovada no Senado. Enviado à Câmara, o texto aguardava desde 2002 pela análise final dos deputados.

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O ponto principal da lei é a permissão para as empresas terceirizarem quaisquer atividades, e não apenas aquelas consideradas acessórias. Assim, uma escola agora poderá contratar professores terceirizados. Antes isso só era possível para atividades-meio, ou seja, para serviços como limpeza, segurança e contabilidade.
A prestadora de serviços terceirizados, entretanto, deverá continuar contratando os funcionários com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“As relações trabalhistas vão ficar mais flexíveis. O empresário poderá buscar no mercado empresas que tenham profissionais especializados e com boa formação. A mão de obra já virá treinada, o que garantirá mais agilidade na contratação”, analisa Ilson Bozi, primeiro secretário da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Espírito Santo (Fecomércio-ES).

Professora da Fucape, a economista Arilda Teixeira também destaca a flexibilidade da nova lei: “É uma legislação atualizada, dentro do contexto de um mundo mais dinâmico, onde tudo muda a toda hora e onde há informações acessíveis para todos”.

Essa flexibilidade foi garantida, na lei, por meio da regulamentação do trabalho temporário, que teve ampliado de três para seis meses o tempo máximo de sua duração. Aos temporários, ficam assegurados o mesmo serviço de saúde e auxílio-alimentação dos funcionários regulares, além de igual jornada e salário.

“Muitos serviços específicos e sazonais serão contratados de terceiros, o que não ocorre quando temos só a primarização da mão de obra. Pequenas demandas e sazonalidades precisam de alternativas como a da terceirização”, adianta Haroldo Massa, presidente do Conselho Estadual do Trabalho e do Conselho Temático de Relações do Trabalho (Consurt) da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes).

“O empresário poderá contratar conforme a sua necessidade”, completa Arilda Teixeira, da Fucape.

A professora alerta que essa situação exigirá uma mudança de comportamento não só por parte do empregador, mas também do empregado, o que mexerá com uma questão cultural do país.

“O brasileiro é aficionado em estabilidade, mas esquece que isso é o resultado de um trabalho bem-feito. Então, haverá um choque inicial, principalmente diante da possibilidade de se trabalhar só temporariamente”, afirma Arilda.

Por outro lado, analisa a professora, o fato de o empregador ter mais liberdade para mudar a equipe, apostando em trabalhos temporários, fará com que os funcionários se empenhem mais. “Isso dará aos empregados uma estabilidade não por força de lei, mas pela eficiência. Melhorando o desempenho, o funcionário que seria temporário pode ser efetivado”, acredita Arilda. “Assim, a produtividade da mão de obra vai crescer, o que ajudará no aumento da competitividade das empresas e na recuperação da economia brasileira.”

Para ser competitiva, a empresa deve saber explorar os pilares básicos da terceirização, como Lívio Giosa aponta no seu livro “Terceirização: uma abordagem estratégica”.

“Os quatro pilares da terceirização no mundo estão baseados na qualidade, no cumprimento de prazos, no uso de inovações e no custo do serviço. Qualidade porque se contrata uma empresa que tenha profissionais especializados e dedicados a determinada atividade. Quanto mais capacitados, mais passíveis são de cumprir os prazos exigidos. Busca-se também parcerias que apliquem tecnologia, inovação e suporte e ofereçam um custo menor do que na própria empresa”, detalha o presidente da ADVB.

A expectativa é de que a terceirização ajude a reduzir os níveis recordes de desemprego no Brasil, que em abril atingiram a marca de 14,2 milhões de trabalhadores, segundo o IBGE.
“Novas empresas poderão surgir porque novos serviços precisarão ser executados. Há esse viés de crescimento econômico, propício para o potencial aumento de novas relações de trabalho”, aposta Giosa.

A lei, que já foi sancionada pelo presidente da República, Michel Temer, também cria a responsabilidade subsidiária. Dessa forma, no caso de não pagamento dos direitos trabalhistas, o empregado aciona na Justiça, num primeiro momento, a empresa prestadora de serviço. Se ela não comparecer, ele então pode acionar a companhia contratante.

“Os trabalhadores vão ter muito mais segurança nas relações. A lei prevê que, em qualquer nível de insegurança trabalhista, a empresa contratante vai ter que pagar subsidiariamente.
Há um resguardo do contrato de trabalho”, garante Lívio Giosa.

Há quem discorde. Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maurício Godinho, a lei beneficia apenas empresas. “Ela não traz uma única garantia para os trabalhadores. A única garantia que ela traz é a que já existe: a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviço”, disse Godinho, em audiência pública na comissão da reforma trabalhista da Câmara dos Deputados.

Para Godinho, o projeto permitirá a ampliação da terceirização para todas as situações. “Isso significa o seguinte: a médio e longo prazo, no Brasil, nós não teremos mais bancários; salvo alguns trabalhadores estratégicos, todos serão terceirizados. Nós não teremos mais médicos; nós teremos médicos terceirizados”, citou.

Não é o que pensa o advogado trabalhista Leonardo Lage da Motta. Para ele, as empresas usarão a terceirização com alguns cuidados. “As empresas não vão sair terceirizando tudo e qualquer coisa porque precisam ter certas funções sob o seu controle”, acredita.

Lívio Giosa lembra que a terceirização é uma ferramenta que está à disposição do administrador, mas ninguém é obrigado a usá-la. “A empresa é minha e faço o que quiser com ela. Cada empresa assume o próprio risco. Se vai ter sucesso ou não, o problema é do empresário”, decreta o presidente da ADVB.

Na visão dele, a terceirização já pode ser adotada pelas empresas, pois a Lei 4.302/1998 garante segurança jurídica ao padronizar a regulamentação sobre o tema no país. “A lei é importante para dar segurança jurídica às relações capital x trabalho. Antes, havia dificuldade de interpretação pelos diversos juízes do país, por não haver um padrão legal na hora do julgamento. Assim, cada um pensava de um jeito. Agora, com a norma, situações desse tipo não se repetirão”, comenta Lívio Giosa.

Porém, o advogado trabalhista Vitor Passos recomenda cautela, neste momento, aos empresários. Para ele, ainda há pontos na lei que merecem atenção e precisarão ser esclarecidos pelo TST.

“Uma preocupação que tenho é que algumas empresas e empresários estão entendendo que a lei veio para autorizar a ‘pejotização’, que seria a contratação de todos os funcionários como pessoas jurídicas, ou seja, PJs. Isso não me parece correto”, afirma Vitor Passos. “A lei diz que, em alguma fase da cadeia de terceirização, uma empresa precisará ter o controle, ou seja, o vínculo empregatício com seus funcionários. Qual vai ser esse momento e em que parte da cadeia, não se sabe ainda. Isso está confuso e precisa de uma avaliação do TST.”

Diante disso, o advogado opta por dar três conselhos aos empresários que já estão em busca de informações para adotar a terceirização. “Primeiro, tenha calma e não saia terceirizando irrestritamente todos os funcionários, porque ainda não está tão seguro. Depois, não faça ‘pejotização’, porque, com certeza, a lei não autoriza: demitir funcionários para contratar através de empresas está ilegal. E, caso queira terceirizar, busque um especialista para se aconselhar”, orienta Vitor Passos.

Conselhos que também podem ser resumidos em uma única palavra: respeito. “A empresa deve respeitar fielmente o autorizado em lei. Respeitar o trabalhador e seus direitos. Respeitar as normas contratuais das empresas contratantes. Assim, teremos ganhos e respeito dos contratantes, dos trabalhadores, dos sindicatos e da fiscalização trabalhista”, assegura Haroldo Massa, da Findes.

Contratação sem restrições em outros países

Enquanto no Brasil a discussão sobre a lei da terceirização foi cercada de polêmicas, em várias partes do mundo não há qualquer distinção entre atividade-meio e atividade-fim nesse sistema de trabalho. A contratação de serviços ou do fornecimento de bens especializados de uma empresa por outra é prática corriqueira no mundo em mercados como Alemanha, Japão e China.

Levantamento realizado pela Deloitte, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), constatou que em nenhum dos 17 países pesquisados – Alemanha, Austrália, Bélgica, Bulgária, China, Chipre, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Holanda, Hungria, Japão, Lituânia, Noruega, Peru, República Tcheca e Suécia – há restrição sobre que etapas do processo produtivo podem ser delegadas a outras empresas.

“A dicotomia entre fim e meio, sem uma definição certeira do que é uma coisa ou outra, motiva conflitos e aumenta a distância entre o Brasil e outros países. No mais, a escolha do que terceirizar deve ser da própria empresa”, afirma Sylvia Lorena, gerente-executiva de Relações do Trabalho da CNI.

Em alguns países da Ásia, no entanto, são registrados casos de abuso, como fábricas terceirizadas operando em condições insalubres, fazendo uso de trabalho escravo e mão de obra infantil.

Em razão disso, no documento “A Experiência Internacional e a Perspectiva das Normas Internacionais do Trabalho Sobre Terceirização”, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende a regulamentação por parte das empresas e do governo desse sistema de contratação. “É preciso que as formas atípicas de emprego sejam regulamentadas com o objetivo de equilibrar as necessidades dos trabalhadores, das empresas e dos governos”, diz o documento, assinado pelo diretor do escritório da OIT no Brasil, Peter Poschen. Para a entidade, as políticas públicas dão mais proteção ao trabalho, lembrando que, em caso de crise, os terceirizados são mais sujeitos à demissão.

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