Concordância plena jamais haverá, mas as divergências devem ser tratadas de forma republicana
Por Sérgio Carlos de Souza
As pessoas podem divergir sobre origens e culpas das crises pelas quais passam os Poderes. Contudo, de fato, há ruídos e atitudes excessivas entre e nos Poderes que não deveriam ocorrer.
O Brasil, como qualquer país democrático, adotou a divisão tripartite entre os Poderes, como está no artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
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Ao escrever o “Princípio da separação de poderes na corrente tripartite”, Carlos Eduardo Vanin observou: “Todavia, é nítido na doutrina um consenso em atribuir a Montesquieu a consagração da tripartição de poderes com as devidas repartições de atribuições no modelo mais aceito atualmente por todos, em sua obra ‘O Espírito das Leis’, com a inclusão do Poder Judiciário entre os poderes fundamentais do Estado”.
Ou seja, um Poder legisla, outro executa e o terceiro julga. Simples, correto?
Ao contrário, muito longe de ser simples.
A complexidade deriva do fato de que, com a monstruosidade de leis e a abrangência da própria Constituição Federal, tudo acaba ficando sujeito a interpretações que, como temos visto, deságuam em crises e acusações de todos os lados.
No caso específico da Constituição Federal em vigor (1988), ela não ficou conhecida como “a Constituição cidadã” sem um motivo forte. A Carta Maior é cidadã porque foi resultado de muita luta do povo, buscou atender aos anseios dos brasileiros e confere totalmente aos cidadãos os destinos da nação.
Como assim os destinos do Brasil estão nas mãos dos seus cidadãos? Sim, por meio do voto! O voto é o mecanismo pelo qual os brasileiros colocam e retiram os seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo. No Judiciário, os cargos não são pelo voto popular, é verdade; a regra é o concurso público, sendo que, no caso dos tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal, a escolha é feita pelo presidente da República, e este é eleito pelo voto.
Estou convencido, por tudo aquilo que está à nossa vista, de que vários atores dos Poderes precisam refletir e repensar sobre determinadas posições, deixando emoções de lado, agindo com total fidelidade às leis e, furtando o título de Montesquieu, ao “espírito das leis”.
No espírito ou intenção da Constituição, e na literalidade do que está escrito, deve haver harmonia entre os Poderes. Concordância plena jamais haverá, com a ressalva de que as divergências são essenciais em qualquer âmbito, desde que tratadas de forma republicana.
Mas então o que fazer, na prática, diante de tudo o que vimos em 2022 e na ausência de harmonia entre Poderes? A única solução está em seguir os procedimentos estabelecidos na própria CF, descabendo qualquer interpretação marginal das leis ou atitudes que firam o Estado Democrático de Direito.
Preferências políticas à parte, justas ou injustas irresignações a alguma decisão judicial, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), que está no centro de muitos debates, o fato é que decisão judicial é para ser cumprida. Se alguém não concorda com a decisão judicial, que recorra.
Quando a decisão é do STF ou, conforme a situação, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mesmo que grande parte da população fique indignada e políticos esbravejem, é a palavra terminativa do Poder Judiciário, o qual, no final das contas, tem a supremacia para interpretar a Constituição e os mecanismos legais para fazer valer as suas deliberações.
Aos cidadãos, políticos incluídos, cabem submissão às decisões judiciais e o protesto civilizado com a arma do voto nos ciclos seguintes.
Sérgio Carlos de Souza é fundador e sócio de Carlos de Souza Advogados, autor dos livros “101 Respostas Sobre Direito Ambiental” e “Guia Jurídico de Marketing Multinível”, especializado em Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Ambiental.