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sexta-feira, 3 maio, 2024

Entrevista: Waldemar Rocha Júnior

“Sou otimista, mas não sei fazer previsões. Espero que as mudanças e as reformas necessárias sejam implementadas para que haja liberdade econômica e, consequentemente, mais empregos”

Na lista de personalidades influentes no universo de decisões relacionadas aos transportes aquaviários, não apenas no cenário brasileiro, mas também em âmbito global, o nome de Waldemar Rocha Júnior está lá.

Depois de presidir o Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Espírito Santo (Sindamares) por seis anos, ele assumiu o comando da Federação Nacional das Agências de Navegação Marítima (Fenamar) por dois mandatos e entregou a presidência da entidade no último dia 30 de agosto.

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Mas mantém dois cargos representando a instituição. Um deles é na Confederação Nacional do Transporte (CNT), com sede em Brasília, onde preside a Seção III, dos Transportes Aquaviários de Cargas e Passageiros. O outro é o de chairman do Shipping Agents Committee na Fonasba (The Federation of National Associations of Ship Brokers and Agents), a Federação Internacional de Agentes Marítimos, com sede em Londres, no Reino Unido, onde se discutem questões de interesse do agenciamento marítimo em nível mundial.

“O Porto de Vitória deverá ser o primeiro a ser privatizado. Ainda não sabemos qual o modelo de privatização, a ser seguido também pelo maior porto do país, que é o de Santos”

A experiência que adquiriu em dezenas de países, nos quais teve oportunidade de conhecer os mais variados planejamentos de mobilidade e de transporte e projetos políticos de desenvolvimento integrado, qualificam-no para declarar com muita propriedade que as possibilidades de avanço do Espírito Santo estão ainda subaproveitadas.

Nesta entrevista, conversamos sobre melhorias possíveis e esperadas para o Espírito Santo que podem representar uma grande virada na economia local, mesmo em um cenário de dificuldade que, segundo os economistas, deve reagir de forma significativa a partir de 2020. Mas é preciso estar preparado para essa melhoria.

Como hoje se posiciona o Espírito Santo no comércio exterior?

Os portos de Vitória aguardaram a conclusão das obras de dragagem que se arrastaram por vários anos e, somente em 28 de dezembro de 2018, foi emitida uma nova resolução com os ganhos de calado (a profundidade do canal de acesso, a área de giro e o cais), que podem possibilitar a movimentação de mais mercadorias. Porém, a profundidade de 12,5 metros ainda não foi alcançada devido a muitas restrições. Há limitações geográficas que reduzem as possibilidades, como o canal, a parte estreita entre o Penedo e a Avenida Beira-Mar. A área de giro fica bem em frente à Rua Alberto de Oliveira Santos. As pessoas que passam pelo Centro de Vitória, muitas vezes, têm a impressão de que o navio vai subir na Beira-Mar.

O que fazer diante dessas limitações?

O maior navio que pode entrar no Porto de Vitória é aquele que tem 244,99 metros de comprimento e 32,49 metros de boca (largura). Diante dessas limitações, não se pode pensar em grandes navios de cruzeiro ou containers, alguns que já passam de 300m de comprimento. Entendo que devemos adequar as operações dentro das condições que temos e aproveita-lás ao máximo.

E quanto aos cruzeiros maiores, há possibilidade de intensificar movimentações turísticas com a proposta de ancoragem diferenciada?

Certa vez ouvi sobre um projeto para receber navios de cruzeiros, que poderiam ancorar logo após a 3ª Ponte. Como faria isso? O canal ficaria interditado durante todo o tempo que esse navio estivesse ali? Os passageiros desceriam nas lanchas (tenders) que os conduziriam até o píer na Cruz do Papa. Como esse navio faria o giro para sair? A vontade de viabilizar esses projetos é grande, mas carece de parecer técnico que mostre se isso é possível.

Entrevista: Waldemar Rocha JúniorEntão, qual é a natureza do Porto de Vitória? De que forma podemos melhor aproveitar nossa localização privilegiada?

As cargas de celulose, hoje movimentadas em Portocel, e de produtos siderúrgicos, movimentadas em Praia Mole, tiveram o início de embarque nos anos 1970 e 1980 nos portos de Vitória (Cais Comercial e Capuaba). Eram outros navios, que tinham estadia prolongada no cais. Os tempos são outros; os navios maiores, mais equipados, ficam poucos dias ou mesmo horas atracados. Trabalhadores portuários, estivadores e tripulantes também aprimoram conhecimento e capacidade. O governo federal tem um importante projeto chamado pelo Ministério da Infraestrutura de “BR do Mar”, que busca desenvolver a cabotagem (escalas de navios em portos nacionais). Uma proposta que seria apresentada como medida provisória, mas os planos mudaram e deverá ser apresentada como projeto de lei, permitindo um amplo debate, principalmente, sobre o emprego de navios de bandeiras estrangeiras e sobre a mão de obra de marítimos brasileiros.
Estamos discutindo esse tema na Seção III da CNT (composta pela Fenavega e pela Fenamar, filiadas da CNT, e associadas como ABTP – Associação Brasileira de Terminais Privados, e CNNT – Centro Nacional de Navegação Transatlântica).

Os grandes gargalos da logística podem ser solucionados com a abertura de concessões e privatizações?

Com as privatizações, sim. O governo não tem dinheiro. O Brasil é tão carente de recursos para coisas fundamentais, como saúde, educação e segurança, que pensar no governo investindo em infraestrutura, sem a participação da iniciativa privada, até mesmo investimento estrangeiro, é quase impossível. O Aeroporto de Vitória, por exemplo, é administrado por um grupo da Suíça. O Porto de Vitória deverá ser o primeiro a ser privatizado. Ainda não sabemos qual será o modelo de privatização, a ser seguido também pelo maior porto do país, que é o de Santos.

E quanto à segurança jurídica necessária para trazer dinheiro do exterior para o Brasil e para Espírito Santo?

Está se trabalhando nisso, porque é fundamental saber a regra do jogo e ter a certeza de que se manterá a mesma daqui a muitos anos. Se não houver essa segurança, grandes investidores não irão  arriscar. Investimento de grande porte precisa de anos para retorno.  Sei que Emirados Árabes são um caso à parte, mas lá os sheiks atraíram investidores com isenção de impostos e câmbio fixo. Não acredito ser viável esse modelo por aqui.

“Com planejamento e boa vontade, podemos encontrar as melhores soluções. O ES tem grandes nomes atuando no transporte de passageiros e em mobilidade urbana. Exemplos no mundo há muitos, e podemos encontrar um que melhor se adeque à nossa realidade e cultura”

Ainda na esfera federal, quais as medidas que avalia como positivas neste período e o que ainda precisa avançar?

Os planos de concessão e de privatizações são positivos, embora muitos, para que possam ser concretizados, dependam do Congresso. Muitas vezes não adianta um gestor ter boas ideias. O economista Paulo Guedes, ainda que alguém possa discordar de algumas ideias econômicas, o que é normal, é um craque, é preciso admitir isso. Mas reformas estruturantes precisam de aprovação do Congresso, e isso demanda discussão e tempo. Não é tão simples quebrar costumes arraigados por longos anos.

Mas o presidente, que estava lá havia 30 anos, sabe bem como é esse jogo, não?

Sim, ele sabe que jogo é esse. Mas agora está vendo que a coisa é mais complicada. O governo atual não tem usado a nomeação de ministros e outros cargos para negociação política. Isso torna tudo um pouco mais difícil. Ainda assim, foi aprovada a reforma da Previdência, que governos anteriores haviam tentado. Mesmo sendo desidratada, é boa. Agora se discute a reforma tributária e, logo depois, a administrativa. Sou otimista e acredito que teremos crescimento.

Entrevista: Waldemar Rocha JúniorO quanto todo esse processo prejudica o desenvolvimento do país?

Embora o amplo debate seja bom e necessário, não ocorre na velocidade necessária. Os prazos regimentares das comissões e a aprovação em plenário nas duas Casas tornam as decisões mais lentas, e temos pressa para tirar o país da recessão, para poder gerar empregos e distribuir renda. Já há sinais positivos que indicam melhora, mas é possível melhorar ainda mais.

Outro dia estava conversando com um amigo e lembramos o processo de ampliação da Avenida Fernando Ferrari. Uma única casa ficou travando as obras por muito tempo. O mesmo aconteceu na Praia do Canto. Claro que entendo que não gostaria de ter que cortar um quintal da minha casa para passar uma avenida, mas é um bem comum a todos, muito maior que o meu interesse pessoal. E o que é mais importante para todo mundo, vai me beneficiar também, mesmo que não seja num primeiro momento. Estive com um grande empresário numa reunião no Ministério da Infraestrutura para tratar de alguns pontos do BR do MAR. Pela primeira vez, ouvi alguém dizer: “Esse projeto tem coisas que não são muito boas para mim, mas é bom para o Brasil”.

Então, voltando ao Espírito Santo, por que não conseguimos viabilizar projetos como o aquaviário?

Houve um debate da ES Brasil sobre logística em que atuei como moderador e fiz essa mesma pergunta. Olhe a Beira-Mar. Temos uma estrada pronta (o mar), que necessita de pequenas intervenções, como atracadouros. Será que as pessoas que moram, por exemplo, em Porto de Santana, não viriam de barco para descer no Shopping Vitória? Por que em outros locais é tão viável e aqui não conseguimos viabilizar?

“Não basta construir escolas. É preciso investir na qualificação de professores e, lógico, melhorar muito a remuneração”

E o que impede é resultado de falta de vontade política?

Nao existe um único motivo. Creio que existem interesses que precisam ser harmonizados. O táxi (ou Uber) convive bem nas cidades que têm uma grande malha de metrô (Nova York, Londres e Paris são exemplos). Londres tem um excelente serviço de transporte marítimo, assim como Amsterdã. Ou o uso turístico, como o Rio Senna, em Paris. Os modais se harmonizam. Acredito que, com planejamento e boa vontade, podemos encontrar as melhores soluções. O Espírito Santo tem grandes nomes atuando no transporte de passageiros e em mobilidade urbana. Exemplos no mundo, há muitos, e podemos encontrar um modelo que melhor se adeque à nossa realidade e cultura.

O que esperar para 2020?

Sou otimista, mas não sei fazer previsões. Espero que as mudanças e as reformas necessárias sejam implementadas para que haja liberdade econômica, consequentemente mais empregos. O Brasil é grande, muito maior do que tudo que fizeram de ruim.  É preciso uma revolução da educação. Japão e Coreia do Sul investiram forte na educação e hoje são referências de crescimento. O Japão e agora a Coreia produzem produtos de alta tecnologia e inovação. A China, que não é uma democracia, é um sistema capitalista, apresenta crescimento e desenvolvimento que provocam atenção e admiração em todo o mundo. Por investimento na educação, não me refiro somente a financeiro, mas também em valorizar professores. Não basta construir escolas, é preciso investir na qualificação de professores e, lógico, melhorar muito a remuneração.

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