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terça-feira, 23 abril, 2024

Entre a cautela e a esperança

Empresários da construção civil buscam se adequar ao momento de crise e esperam melhorias a médio prazo

 

* Por Vitor Taveira

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“Todas as crises financeiras começam com crises imobiliárias, e não adianta dizer que desta vez é diferente”, afirmava pelo início de 2014 o professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas, Luís Carlos Ewald, mais conhecido como “Sr. Dinheiro” por seu quadro no programa “Fantástico”. Ewald diz que foi muito criticado porque anos atrás, no auge da euforia desta área específica, já alertava para a formação de uma “bolha”, ainda que diferente da norte-americana, mas que logo estouraria e levaria o setor a tempos de vacas magras. Um motor de crescimento em anos não muito distantes, a construção civil e o mercado imobiliário agora sofrem do outro lado da moeda,
a desaceleração do segmento.

Pode-se discutir se a turbulência nesse campo é causa ou consequência da crise política e econômica do país, sob o risco de tornar a questão semelhante à que debate se veio antes o ovo ou a galinha. Dependendo da perspectiva adotada, chega-se a uma ou outra análise. O fato é que a economia vai mal, a política também, e tudo isso se relaciona e entrelaça com a construção. “Chegamos em termos econômicos à pior fase porque não vivemos uma crise só econômica, estamos passando por uma crise política, ética, moral, de extrema gravidade”, afirma André Meneghelli, diretor comercial da Kemp Engenharia.

O setor de obras públicas, por exemplo, tem sido afetado diretamente pelo encolhimento dos investimentos. “Há queda nos últimos anos. Apesar de todo o discurso, nem metade dos recursos anunciados pelo Governo Federal foi realmente liberada”, diz Paulo Baraona, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Espírito Santo (Sinduscon-ES), lembrando as promessas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do projeto Minha Casa Minha Vida. A isso soma-se a complicada situação fiscal da maioria dos estados e dos municípios brasileiros, deixando-os muito mais preocupados com ajustes fiscais, que muitas vezes prezam pelos cortes de investimentos, inclusive em infraestrutura e obras.

Só o Governo capixaba reduziu 64,4% dos aportes nos quatro primeiros meses do ano. A situação de incerteza no cenário macroeconômico também afeta diretamente as aplicações na atividade industrial. No Espírito Santo, durante os anos de bonança, choviam anúncios de megaprojetos em diversas regiões. Na prática, diante da falta de confiança dos financiadores e de outros fatores, muitos desses empreendimentos não saíram do papel, sendo adiados ou cancelados. A Petrobras diminuiu drasticamente seus investimentos por conta dos maus resultados, que se devem, entre outras causas, à corrupção e à baixa da cotação do petróleo. Sendo o Espírito Santo a segunda maior reserva petrolífera e de gás e responsável por uma parte considerável dos campos do pré-sal, o impacto é dos mais significativos por aqui. A ele agrega-se a retração de injeção de recursos de outras grandes empresas como a Vale, também afetada pela queda do preço internacional de commodities.

Entre a cautela e a esperança
Por outro lado, a Operação Lava Jato jogou luzes a práticas enraizadas de corrupção entre poder público e esfera privada no setor de construções. A magnitude desse efeito foi imensa. Além dos políticos e dos diretores de organizações públicas, mais de 20 grandes empreiteiras estão sendo investigadas, incluindo as sete maiores do país. Presidentes e diretores das organizações foram para a prisão. Apenas essas sete maiores companhias averiguadas somaram receita de R$ 36 bilhões em 2013.
O impacto econômico, obviamente, não foi pequeno: obras paralisadas, atrasadas por falta de recursos, e construtoras investigadas, muitas delas campeãs de expertise, e impedidas de participar de novas licitações. “O envolvimento dessas grandes empresas na Lava Jato também abre um cenário diferente para esse setor de obras públicas. Provavelmente haverá outro formato de licitações, lotes de obras menores, empresas de médio porte formando consórcios para suprir o vácuo deixado por essas grandes companhias”, ressalta Paulo Baraona.

Mercado imobiliário

No Espírito Santo, os dados do Sinduscon indicam que o total de unidades em edificação era superior a  36 mil em 2011 na Grande Vitória e caiu para 21 mil em 2014, regredindo a números de sete anos atrás. Brasil afora, são variadas as notícias sobre construtoras de renome em situação delicada. Um exemplo é a Rossi, de São Paulo. Outra empresa, a PDG Reality, resolveu renegociar um montante de R$ 3,7 bilhões, cerca de 60% de sua dívida bruta com diversos bancos. O aumento do distrato é outro problema frequente.

Tal situação ocorre quando o cliente que comprou o imóvel na  planta devolve-o, recebendo a maior parte do já pago de volta. Isso tende a se elevar em caso de cenários de maior insegurança e alta do desemprego, como acontece atualmente. Com o valor da unidade em baixa, a empresa acaba tendo que negociá-la a preço menor do que o oferecido anteriormente. Numa pesquisa realizada no ano passado acompanhando nove grandes construtoras nacionais, a agência Fitch apontou que nelas houve um índice de devolução de 41% das opções vendidas em lançamentos. Nos anos anteriores, o percentual tinha sido de 29% e 24%.

A mudança de panorama com intensificação de desemprego, da inadimplência, dos distratos e da taxa de juros (que dobrou de 2007 para cá) também afetou o quadro do crédito. A Caixa, principal financiadora, assim como outros bancos, acabou colocando maiores restrições para empréstimos nessa modalidade. “O sonho da casa própria é de muitos brasileiros, que se preparam para esse momento. Na minha opinião, a pior fase da crise tem sido com o agente financiador, porque muitas vezes nós conseguimos comercializar a unidade, mas o próprio cliente não consegue a aprovação do crédito, porque o agente está mais criterioso para dá-lo. É uma grande frustração para quem se preparou para realizar este sonho”, lamenta Meneghelli.

Momento de cautela

O fato é que o momento de euforia passou, e hoje, para clientes e empresas, a cautela predomina. “Há uma desconfiança muito grande no Brasil no âmbito dos investimentos. A construção civil é o primeiro setor atingido numa crise econômica e de confiança, pois movimenta bens de consumo de médio e longo prazo, e as pessoas tendem a não comprometer sua renda quando a situação econômica está crítica”, lembra Paulo Baraona.

Os empreendimentos que estão sendo lançados e finalizados hoje foram planejados anos atrás, numa conjuntura diferente. Atualmente, na hora de pensar em novos investimentos, impera a precaução. “Estamos usando certa cautela no mercado, não adianta eu soltar vários empreendimentos se o mercado não absorver. Gostaria de estar lançando bem mais do que hoje, mas fico receoso com o mercado. Tudo que está no cronograma está sendo executado. Mas poderia estar executando um pouco a mais do que o previsto no cronograma. Esse ‘a mais’ eu tenho segurado”, pontua Meneghelli, da Kemp.

A Galwan, por exemplo, que tem trabalhado exclusivamente com condomínios fechados, pré-financiados pelos próprios compradores, três anos atrás tocava 18 empreendimentos anuais. Atualmente são seis unidades em obras, segundo seu diretor-presidente, José Luis Galvêas. Embora a situação seja difícil, ele e Meneghelli afirmam que as companhias estão se saindo bem do momento adverso, fazendo o “dever de casa”, mantendo fielmente a produção prevista e o compromisso de entrega com o cliente, com boa gestão e planejamento, cortando custos possíveis e esperando uma recuperação macroeconômica. Muitos analistas já consideram 2016 como ano perdido.
Entre a cautela e a esperança
Se a economia começa a voltar minimante aos trilhos até dezembro, o otimismo ainda fica guardado lá para 2017 ou talvez 2018. “Se não acontecer dentro de dois ou três anos, com certeza em algum momento isso vai ocorrer [o reaquecimento do setor]. Estamos no ponto mais baixo a que esse mercado poderia chegar”, considera Galvêas. Baraona, do Sinduscon, tem a expectativa de que em curto prazo haja uma recuperação pelo menos da confiança no Governo Federal, independentemente da política partidária, para que diminua o sentimento de que o investimento é um risco. “Quando a economia melhora, a construção também é um dos primeiros setores a se recuperar.”

André Meneghelli também crê numa retomada. “O Brasil é um país muito rico, tem recursos humanos e naturais. Vai sair dessa crise. Não com facilidade, porque mergulhamos fundo nela, mas vamos superá-la.” Galvêas lembra que já há pequenos sinais de retomada. Para ele, hoje já não se encontram as mesmas oportunidades de compra de seis meses ou um ano atrás, especialmente nos bairros mais nobres e na capital. “Em velocidade maior ou menor, o mercado segue consumindo. Na medida em que o setor diminui o ritmo de construção, a tendência é que diminua a oferta. Na Galwan, nos últimos três meses já pudemos sentir um cenário bem mais positivo.” Na sua avaliação, a construção civil retrocedeu a um patamar de 2012, porém a possibilidade de continuar em queda é muito pequena. “A tendência daqui para a frente é de crescimento. Quanto tempo demoraremos para retomar o patamar anterior, é difícil prever. Mas ousaria estimar que daqui a dois ou três anos muita gente estará comemorando os negócios que fizeram durante a crise”. 

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