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sábado, 27 abril, 2024

Democracia e Democracia

Democracia e Democracia
As manifestações políticas passivas são um ato democrático. Foto: Freepik

Por Eustáquio Palhares 

No último dia 15 de setembro, sexta-feira, comemorou-se o Dia Internacional da Democracia, instituído pela ONU em 2007, como a data de afirmação de um valor universal. Quando o Poder cultiva mais salamaleques, mesuras e maneirismos para dissimular a falta da efetiva prevalência do valor que se propõe a cultuar, cabem algumas reflexões. No Brasil, a data nacional é festejada a 25 de outubro, homenageando o jornalista Vladimir Herzog, assassinado nesta data, em 1975.

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De que Democracia estamos falando? A da direita, da esquerda, do centro – este, aliás, uma instância que a Filosofia afirmaria como a posição de equilíbrio, e invectivado, xingado mesmo por ambos os extremos? À esquerda, o centro é neoliberal; à direita, o centro é uma democracia social que flerta com a esquerda. E o centro “raiz” desfigura-se com uma compulsão fisiológica que não interessa se à esquerda ou direita – o que interessa é o preço da sua adesão.

O discurso político, nutrido por paixões em que o sentimento nem sempre é amistoso à razão, revela que a Democracia é um valor relativizado pela posição do observador. A sua concepção original, do Poder exercido pelo Povo, certamente durou o breve tempo de sua adolescência, na Antiguidade grega.

Como formulação de poder, foi com certeza um avanço da civilização, despindo-se da irracionalidade de poderes divinos atribuídos a uma pessoa, o que o legitimava como detentor efetivo do tal poder. E aqui cabe uma curiosa ilação porque, normalmente, os monarcas se originavam de guerreiros campeões, vencedores, o que certamente se atribuiria aos desígnios divinos porque, afinal, “nada se move se Deus não o permitir”. Se o sujeito vencia seus adversários nos campos de batalha ou nas intrigas da Corte, tacitamente havia a permissão de Deus, o que legitimava – ou atestava –a chancela divina.

Toda Teologia não foi consistente para sustentar tal tese – e deve-se lembrar que sempre o poder maior era efetivamente detido pelo sacerdote, que atestava a origem divina da realeza – e o Iluminismo, a prevalência da razão sobre superstições e tradições, inspirou novas formas, dentre elas o experimento político da antiga Grécia, a República, que malogrou nas mãos de Péricles, o tirano ilustrado. Retomada a partir do fim da Idade Média com o advento dos Estados Nacionais, a Democracia experimentou uma fase áurea. A corruptibilidade, inerente à natureza humana, cuidou de relativiza-la.

Se nos seus primórdios era autêntica, por ser participativa, a impossibilidade numérica de exercê-la determinou o surgimento do modelo representativo. E desde aí a predisposição à corrupção se manifestou, por qualquer que fosse a moeda – mais poder, ouro, propriedades, títulos, ideais, sentimentos. Em nome dela se perpetraram crimes hediondos.

Embora manchada, toldada, tingida pelo óleo da corrupção, a água cristalina da Democracia não se mancha como um valor inefável. Só não se viabiliza pelas contradições inerentes às sociedades. A democracia representativa predominantemente protagoniza a farsa onde os representantes mais decidem por si do que consultando anseios, vontades e desejos dos representados. Obviamente, como já se definiu, é eivada de imperfeições, mas ainda o melhor modelo de Poder ou Governo que as alternativas ou constructos sociais já concebidos: o Absolutismo, o Monarquismo, o Oligarquismo, a Tirania. Por insuficiente que seja, porém, a Democracia é considerada o menos pior.

A mística da igualdade e do direito de participação camufla distorções que comprometem a isenção objetiva. Como pessoas em condições diferentes de percepção da realidade social podem ter opiniões do mesmo peso, quando em uns o nível de informação e conhecimento lhes faculta melhor avaliação do que outros, a quem historicamente se negam os elementos que poderiam instruir sua avaliação?

Aí emerge a demagogia – não a ditadura – como contrafacção da Democracia, onde o voto comprável – por qualquer moeda – anula a sacralidade da igualdade participativa.  De certo modo, a República imbrica com a Democracia exatamente por viabilizar a alternância do poder, exceto quando o Estado joga pesado para fazer valer interesses bem específicos dos seus integrantes – no caso, os Poderes que o estruturam: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ao fazer uma consulta sobre o termo, deparo-me com essa definição no portal UOL:
“muitos países do mundo vivem sob governos autoritários, em que não podem se reunir nem se expressar livremente. Há lugares em que prevalece a censura e ninguém pode ir às ruas se manifestar. As pessoas são presas por dizerem o que pensam ou por discordarem dos governantes. Já imaginou como é triste viver assim?”.

Aqui, histórica guardiã da Democracia, a imprensa cuidou de se bandear para um lado e negar os foros de legitimidade às manifestações gigantescas, sem precedentes na história brasileira. Engajada à época, furtou-se a constatar que em toda a história política brasileira, inaugurada a partir de 15 de novembro de 1889, jamais os Poderes foram tão soberanos e, se houve extrapolações de qualquer ordem, essas vitimaram o Poder Executivo, tolhendo-o e limitando-o inconstitucionalmente.

As narrativas manipuladoras, porém, serão apenas a crônica de uma época um tanto quanto desconcertante. A Democracia verdadeira, autêntica, modelada pela iniciativa surgida na Ágora grega, vai reverberar na Ágora eletrônica, viabilizada pela Tecnologia da Informação onde cada CPF, usando o seu smartfone, exercerá suas escolhas. Sem delegar esse direito a históricos atravessadores.

Eustáquio Palhares é jornalista e especialista em Comunicação Empresarial, gestor de mídia social, gestor de imagem e reputação e turismólogo.

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