Decisão do Supremo em responsabilizar jornal por acusações falsas de entrevistados cria precedentes “perigosos”, segundo comunicólogo;
Por Robson Maia
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de entender ser possível punir um veículo de imprensa por declarações de entrevistados segue gerando discussões no meio jurídico e da comunicação. No entendimento da Corte, declarações emitidas em jornais podem ser consideradas como injúria, calúnia ou difamação.
O acórdão (decisão colegiada) com o texto final da tese foi publicado pelo Supremo em 8 de março, e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou embargos de declaração sete dias depois, visando a esclarecer os termos do julgamento.
A decisão do STF contou com nove votos favoráveis à possibilidade de punir os veículos contra dois contrários à medida. Os ministros da Suprema Corte formaram maioria pelo que foi chamado de ‘liberdade com responsabilidade’ pelo ministro Alexandre de Moraes.
O caso estava no Supremo desde 2017 em um processo movido pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP) contra o “Diário de Pernambuco”. Na ocasião, o parlamentar acionou o jornal na Justiça após publicação de entrevista em que um delegado o acusava de ser responsável por um atentado a bomba em Recife nos anos 1960. Com a inocência provada judicialmente, Zarattini processou o veículo pela publicação de matéria em que ele novamente era citado como culpado.
O caso foi relatado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, já aposentado, que votou contra a condenação do jornal sob a prerrogativa dos veículos poderem veicular opiniões de diferentes campos políticos e ideológicos. Apenas a ministra Rosa Weber acompanhou o relator.
Alexandre de Moraes divergiu do relator e disse que a decisão de permitir a punição do veículo não se trata de uma censura prévia, mas da possibilidade de analisar e responsabilizar por informações que forem comprovadamente falsas e injuriosas. Acompanharam esta interpretação os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes e, o agora aposentado, Ricardo Lewandowski.
Para o comunicólogo Eustáquio Palhares, a decisão do Supremo cria um precedente perigoso para a liberdade de expressão. Segundo ele, o código penal brasileiro já prevê a tipificação de crimes que poderiam ser associados aos casos que a medida do STF enquadra, como em situações de injúria, calúnia ou difamação.
Palhares frisa, contudo, que a questão é controversa dentro do próprio jornalismo, com diferenciação entre assumir coautoria e veicular uma opinião/alegação de terceiro.
“[A decisão do STF] Deve sim, inspirar essa cautela, afinal, repassar uma fake news não constitui uma forma de coautoria? Na verdade esse é um tema historicamente controverso. Se a informação tem autoria assumida, em tese, seu autor é responsável. Mas até onde, quando reproduzo uma difamação ou mesmo um boato, não estou contribuindo para expandir exponencialmente ( dependendo da audiência) o seu alcance?”, questiona o comunicador.
A descredibilização da imprensa nos últimos anos pode ser um fator que tenha colaborado para o debate quanto à punição de veículos, segundo o jornalista.
“Certamente, por controverso, vai suscitar teses opostas e paradoxalmente consistentes. O assunto merece debate amplo. Há uma atipicidade no Brasil atual, onde a imprensa deixou de ser fiadora e guardiã da democracia para se mover por outros interesses. Inclusive perdendo a aura mítica de isenção que espelhava os desacertos do Governo, do Estado ou da sociedade”, destacou Palhares.