Há busca desenfreada por nomes que possam disputar as eleições… há falta de projetos
O samba está acelerado. Tive a curiosidade de medir quantas batidas por minuto. Ensaio da escola de samba, cronômetro em mãos, começa a música. Cento e oitenta batidas por minuto. O intérprete começa a cantar e a letra da música embola. A velocidade é tão grande que ele não consegue cantar algumas frases sem comer pedaços de palavras.
É carnaval! As pessoas sambam, mas parecem se incomodar com o ritmo. Tudo, hoje em dia, anda muito acelerado.
Meu querido amigo Enrique Rocha, que hoje descansa ao lado de Papai do Céu, era um músico de sensibilidade ímpar e craque na teoria musical. Dizia que a música tem que bater com o coração, compasso quatro por quatro, elevando a alma de quem a escuta. O ritmo, ora frenético, não casa com as batidas de nossos corações e, parece-me, está apenas atendendo ao mercado dos desfiles: transmissão pela televisão, maior número de escolas, patrocínios. Tudo precisa se encaixar nos sessenta e cinco minutos, para dar mais tempo ao lucro.
Não é de se espantar que os blocos de carnaval tenham atraído cada vez mais gente, que tem preferido as marchinhas ao invés dos sambas-enredo. As pessoas parecem querer desacelerar um pouco. É muita informação, muito whatsapp, muito facebook, muito twitter, muito instagram, muitas “fake news” (notícias falsas), muitas correntes, muita canseira. Tem muita gente desligando um pouco o cérebro e ativando mais o coração.
Quando se desliga um pouco o cérebro e se ativa mais o coração, a percepção muda. De um lado, o sentimento de solidariedade e compartilhamento aflora; de outro, a mente fica mais serena e abre espaço para novas ideias, novos conhecimentos. A mente fica mais poderosa e trabalha em um ritmo mais conectado ao ritmo do coração. Ela corre menos risco de atravessar o compasso, assim como o surdão, na marchinha, corre menos risco de atravessar o samba do que nos desfiles das escolas.
Enquanto é carnaval, as mentes do poder não desaceleram. Continuam na busca desenfreada de nomes que possam disputar as eleições, ainda que não saibam para fazer o quê. Não tem projetos, não tem propostas, não tem ideias. Samba atravessado na política nacional. Um país se faz de programas estruturados e estruturantes, de médio e longo prazo. Não se faz um país por um homem, por mais famoso que possa ser.
Vamos torcer para que a quarta-feira de cinzas nos faça renascer em uma conjuntura diferente, com um novo debate, que traga luz para os imensos problemas que vivemos e que precisam de soluções pensadas, compartilhadas e consensadas. O Brasil não pode mais atravessar o samba.
É preciso compassar o debate nacional com o sentimento cada vez mais sereno do povo, que só quer a verdade, a honestidade e a capacidade de que se dirija o país de um forma que todos tenham o direito de ser feliz, curtindo com alegria muito mais carnavais
André Gomyde é presidente da Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas