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sábado, 27 abril, 2024

Reflexões na quarentena

A recomendação “se puder, fique em casa” não bastou e o lockdown (bloqueio total das atividades não essenciais) foi a medida adotada por meio de decretos em diversas cidades no mês de maio

Seguimos neste tempo de isolamento social (ou na tentativa de), experimentando dias “híbridos” com emoções flutuantes: o cenário político-econômico-social do Brasil e as manifestações antirracistas que explodiram nos EUA (desde a divulgação do vídeo que mostra George Floyd sendo sufocado em uma abordagem policial) ecoam nas redes sociais.

O tema, aliás, ampliou a reflexão coletiva sobre o racismo, tão presente em nosso país e que exclui e mata pessoas todos os dias, apesar de muitos disseminarem que vivemos em uma “democracia racial”. O soco no estômago (mais um de uma série que inclui a morte de João Pedro Mattos, de 14 anos, morto em casa em uma ação da polícia) foi a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco anos, que caiu do nono andar de um edifício de luxo em Recife). No meio da pandemia (com recomendação de isolamento social) o recorte de uma triste realidade: uma senhora cercada de serviçais (a doméstica e a manicure), a morte de uma criança, a dor de uma mãe e o pagamento de uma fiança de R$ 20 mil (que possibilitou que ela responda pelo crime de homicídio culposo em liberdade). Dias difícies… não há como não se chocar.

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Outra triste realidade está relacionada à pandemia no Brasil: o número de mortos pelo coronavírus segue batendo sucessivos recordes. A recomendação “se puder, fique em casa” não bastou e o lockdown (bloqueio total das atividades não essenciais) foi a medida adotada por meio de decretos em diversas cidades no mês de maio. Não cabe apontar as razões para a falta de adesão da população ao isolamento social, porém ouso afirmar que o negacionismo de muitos (baseado na “rejeição de conceitos científicos em favor de ideias tanto radicais quanto controversas”) contribuiu significativamente para o resultado. Assim, os “negacionistas” (que eu defino como céticos, inquietos e intensos) seguem disseminando suas ideias (inclusive negando o racismo no Brasil), enquanto o vírus se dissemina por meio deles. Criticam o isolamento, a política e a imprensa.

Para esses indivíduos (que não cumprem as recomendações dos órgãos oficiais e ainda desencoraja as pessoas a cumprirem) tudo não passa de histeria coletiva acalorada pelo discurso midiático. Insistem no “antigo normal” (como circular pelos espaços públicos) afirmando que uma coisa tão pequena e invisível não é capaz de causar tanto mal. Um parênteses: acreditar ou não na letalidade do coronavírus não vai privar ninguém de ser infectado, de não apresentar sintomas e de transmitir o vírus a outras pessoas (fale isso para um negacionista e espere uma resposta bizarra, assim como são os argumentos e as teorias que eles defendem, pelo direito de “ir e vir” e em nome da economia). Aliás, não consigo enxergar a saúde dissociada da economia, mas esse tema renderia um outro artigo.

Seguimos em rotinas “tipo encapsuladas” com nossa “muleta tecnológica” (quem consegue ficar sem o celular nos dias de hoje?), conectando-nos aos afetos e às lembraças de um tempo pré-pandêmico. Olhamos para o passado por meio da hastag “tbt” (que deixou de ter dia certo para aparecer nos feeds) e de fotografias guardadas no rolo de câmera sem tirar os olhos do futuro, como se quiséssemos descobrir o que está por vir. Sigo apostando na luz e em dias melhores. Um esforço continuo de quem insiste em ver a vida de forma positiva, apesar das inúmeras camadas de privilégios e de bizarrices que vemos neste mundão de Deus. Uma luta pelo fim de qualquer preconceito, especialmente o racial, onde sou “pouco preta” para narrar preconceitos vividos e “muito preta” para saber da minha ancestralidade e da necessidade de nunca aceitar o discurso de que “preconceito não existe”. A luta é histórica e não podemos perder a oportunidade de aprender (ainda mais) e agir para que “dias melhores” realmente aconteçam. Vamos juntos. E cuidem-se!

Danielly Medeiros é jornalista, especialista em Economia para Jornalistas e Comunicadores Institucionais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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