O melhor que poderia nos ocorrer: transformações sociais, comportamentais e culturais, fora das tradicionais “receitas de bolo” ideológicas
Uma situação absolutamente inédita. A polarização se desdobra em matizes que, para alguns, são alvissareiras, estimulantes; para outros, afiguram-se sombrias, catastróficas, mesmo.
O discurso socialista está colocado como proposta de uma sociedade mais justa, equânime, em que o Estado aplaine as assimetrias. Nenhuma das experiências nesse sentido foi bem-sucedida, desde a Revolução Russa de 1917 e a implantação de um regime que se manteve por 72 anos sustentado por uma implacável repressão.
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O Estado no lugar de Deus. Qualquer contestação à supressão de liberdade era vista como uma heresia hedionda, passível de ser erradicada pelo simples extermínio. Nessa conta, URSS, China maoísta, Cuba de Fidel e Albânia de Hodxa somam quase 20 holocaustos, ou 120 milhões de pessoas mortas por contestarem – ou dadas como contestadoras – o regime.
O sonho socialista, incubado desde 1989, manteve-se em mentes ávidas da justiça social, principalmente nos nichos acadêmicos e laborais, como os sindicatos. Ou no idealismo saudável da juventude, que o cultiva como atributo da própria idade, alheia às contingências que implica a efetiva implantação. O que só se percebe com
a maturidade.
O jornalista Antônio Gramsci refundou-o com a proposta de dominação via hegemonia cultural. Como ensaio sociológico, realmente é instigante. Como projeto de organização social, peca ontologicamente por desconsiderar aspectos intransigíveis da subjetividade humana.
É certo que o irrompimento do socialismo no século 19 cumpriu elevada função social ao domesticar o capitalismo posterior ao feudalismo, que na relativização do fator humano com o advento da máquina funcionava sem contrapesos, de modo selvagem.
Temos, então, uma proposta socialista sem respaldo nos fundamentos da economia, ao menos nos clássicos. Provavelmente, a era digital, com novos critérios de valores, permita a retomada do viés socialista pela ação anarquista de hackers que, a serviço da democracia do acesso aos bens de consumo, vulnerabilizem os sistemas de controle, os modos produtivos, e enseje o franco acesso da população aos ativos particulares. Pode ser. A experiência original da criptomoeda sinaliza isso.
Na guerra de narrativas entre uma Esquerda convicta do projeto de redenção social e uma Direita que perdeu o pudor de assumir uma agenda conservadora e o espírito da livre iniciativa menos garroteada por um Estado gigantesco, debate-se o Brasil que emergirá desse conflito. O melhor seria a percepção de transformações sociais, comportamentais e culturais que estão a reclamar novas formulações, fora das tradicionais “receitas de bolo” ideológicas.
Apreensiva é a instauração do que já foi definido como “Democracia Militante”, em nome da qual instaura-se a censura proibida pela Constituição, outorgam-se prerrogativas, revogam-se princípios fundamentais, como o do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, cometem-se abusos contra direitos elementares da própria Democracia, suspendem-se garantias. Enfim, vê-se a Democracia funcionando como o Cavalo de Troia que adentra seu reduto para, exatamente, suprimi-la.
Melhor mesmo é, não tendo claro o mundo possível, pelo menos saber o mundo que não queremos.
Eustáquio Palhares é jornalista e especialista em Comunicação Empresarial, gestor de mídia social, gestor de imagem e reputação e turismólogo.