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sábado, 27 abril, 2024

Os caminhos da mobilidade sustentável nos centros urbanos

Marcadas pelo uso de transporte individual e motorizado, cidades brasileiras ainda buscam soluções para reduzir tempos e custos de deslocamento, com mais segurança viária e menos impacto ambiental

Por Daniel Hischimann

O processo de urbanização acelerado e desordenado do Brasil desde meados do século XX, com o espraiamento das cidades, gerou problemas de mobilidade que aumentam o tempo para locomoção nos centros urbanos e têm impactos negativos sobre a produtividade do trabalho, o meio ambiente, a competitividade da indústria e o bem-estar da população.

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A saturação do sistema de transporte em médias e grandes cidades, relatada em um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) – “Mobilidade Urbana no Brasil – Marco Institucional e Propostas de Modernização” –, é agravada pelo subinvestimento no setor. Segundo a entidade, dos pontos de vista social, econômico e ambiental, é necessário priorizar uma mobilidade urbana sustentável, com meios de transportes ativos – ciclismo e caminhada – e meios coletivos, para reduzir tempos e custos de deslocamento, aumentar a segurança viária e minimizar o impacto ambiental. “Só assim é possível avançar em melhorias na qualidade de vida da população, na redução da desigualdade espacial e no aumento da competitividade da economia urbana”, diz a CNI.

O conceito de mobilidade urbana sustentável, defendido pela Confederação da Indústria, surgiu junto com a evolução dos debates sobre desenvolvimento sustentável, nas últimas décadas, mas foi a partir dos anos 1970, graças à ascensão do movimento ambientalista, que a noção de desenvolvimento sustentável ganhou força no discurso político mundial.

“Esse processo ocorreu em função de diversos desastres ambientais que marcaram a segunda metade do século XX e fizeram a sociedade despertar para os riscos da industrialização e do uso indiscriminado da tecnologia”, explica o gerente de Projetos de Desenvolvimento Urbano do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês), Iuri Moura. A partir daí, o tema passou a ser objeto de acordos internacionais liderados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e debatido em conferências como as de Estocolmo 72, Rio 92 e Rio +20, influenciando diretamente políticas de Estado em todo o mundo.

Para o gerente do ITDP, o principal avanço do Brasil nessa área foi a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), que busca a integração entre os modais de transporte e a melhoria da acessibilidade e da mobilidade das pessoas e cargas.

A lei trouxe avanços conceituais importantes para a formulação de políticas públicas, mas Moura ainda vê as cidades brasileiras distantes da promoção da mobilidade sustentável. “Ainda se observa a priorização dos modos de transporte individuais motorizados, como automóveis e motocicletas, em políticas públicas nacionais e no planejamento aos níveis estadual e municipal, especialmente quanto à destinação de recursos para financiar investimentos em infraestrutura e operação do transporte”, lamenta.

Coletivos, não motorizados e elétricos

Com mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e pela Universidade Técnica de Braunschweig (Alemanha), Moura afirma que a mobilidade urbana sustentável se caracteriza pela utilização de modos de transporte comprovadamente mais eficientes e sustentáveis nas cidades – o transporte coletivo e não motorizado (ou ativo). Ele destaca que essa noção de sustentabilidade tem implicações diretas sobre a mobilidade nas cidades, hoje ainda marcada pelo uso intensivo de recursos naturais, por custos externos – ou indiretos – e por distribuir seus impactos de forma socialmente desigual.

Isso porque, por diversos fatores políticos, econômicos e culturais, as cidades foram adequadas à posse e ao uso de automóveis ao longo do século XX, o que resultou na utilização excessiva e pouco racional desse modo de transporte e gerou uma série de impactos negativos nos campos ambiental, como a poluição do ar e as emissões de gases de efeito estufa (GEE); social, envolvendo saúde pública, segurança viária, qualidade de vida e desigualdade social; e econômico, com a perda de produtividade.

Na opinião do mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Eduardo Schwartz Borges, a mobilidade sustentável envolve avanços tecnológicos, com modais e soluções que não poluem o meio ambiente e não emitem os GEEs. Borges, que é engenheiro civil e diretor do Sinduscon-ES, cita o advento dos veículos elétricos, além do incentivo aos modais não motorizados, como a bicicleta e outras soluções utilizadas em áreas urbanas, inclusive patinetes.

Também destaca as soluções de transporte coletivo, como ônibus, metrô, trem ou VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). “Muitas pessoas no mesmo veículo, certamente, é menos danoso ao meio ambiente do que vários veículos trafegando, não só sob a ótica do combustível, mas sob diversas óticas ligadas a isso”, afirma. Nesse sentido, ele compara a produção de automóveis com a de ônibus: “Se você vai produzir 50 automóveis, tem um dispêndio muito maior de energia e de materiais do que ao fabricar um ônibus”.

Urbanismo sustentável e adensamento

Para Borges, porém, é muito importante levar em conta o projeto urbano, considerando o desenvolvimento das cidades em relação à mobilidade sustentável. Privilegiam-se, nesse caso, as cidades mais compactas, mais adensadas, em que os deslocamentos são menores e as pessoas podem trafegar de um ponto a outro a pé, ou de bicicleta. “Só o fato de você se deslocar em uma menor distância já é positivo para o meio ambiente”, explica, acrescentando que, em uma cidade adensada, pode-se andar um quilômetro de carro por dia, enquanto em uma cidade dispersa ou espalhada, a quilometragem diária será muito maior, porque “tudo fica longe de casa”.

Esse adensamento traz outras vantagens quanto à sustentabilidade, como o uso do elevador. “Deslocar-se 200 ou 300 metros de automóvel, no dia a dia, é mais impactante do que usar o elevador para subir um arranha-céu de 40 andares. E lá dentro tem tudo – hospital, advogado, contabilidade, moradia, hotel. Então, você tem um meio de transporte, que é o elevador, dentro de um edifício. E, certamente, ele é mais eficiente energeticamente do que os veículos de transporte habituais”, comenta o urbanista.

A maior dificuldade nesse aspecto são as comunidades em que as pessoas rejeitam edificações maiores e altas. “Quando o movimento se dá em um local ainda não existente, como um novo loteamento, a resistência é muito menor, mas quando a gente está falando de trocar um modelo disperso de bairros, com casinhas e grandes quintais, para um modelo mais adensado, tem muita resistência a esse tipo de solução”, observa.

Tecnologia e eletricidade em alta

Os avanços tecnológicos também afetam a mobilidade sustentável, como no transporte por carros de aplicativos. Para Eduardo Borges, a utilização de um transporte individual como o Uber é menos danosa ao meio ambiente do que ter um carro próprio, porque um único carro atende várias pessoas que, em tese, estão deixando de utilizar seus veículos. Além disso, reduz a demanda pela construção de estacionamentos e vagas de garagem, que também é danosa ao meio ambiente. “Se você tem um veículo que a todo momento está se deslocando, você não demanda tanta vaga. Sob essa ótica, ele é positivo na linha da mobilidade sustentável”, avalia.

Por outro lado, esse modal diminui a viabilidade do transporte coletivo, principalmente em curtas distâncias. “Ter transporte individual tão acessível também faz com que as pessoas migrem do coletivo para o individual tecnológico. Sob essa ótica, ele é mais danoso ao meio ambiente do que o transporte coletivo, uma vez que 30 pessoas andando de Uber causam mais danos ao meio ambiente do que 30 pessoas dentro de um ônibus”, constata.

Outra tendência da mobilidade sustentável são os veículos individuais motorizados elétricos, como automóveis, motos, bicicletas e patinetes, que já começam a ter mais espaço no ambiente urbano, com estações ou até shopping centers com vagas que viabilizam o carregamento. A receptividade a esse tipo de veículo pode incentivar quem quer migrar de um modelo de combustível fóssil para o elétrico, mas o preço final ainda é um obstáculo. “Para minimizar isso, caberia à gestão pública, ao governo, criar mais incentivos à produção e à aquisição de veículos sustentáveis, além de criar, eventualmente, mais barreiras para os veículos de combustíveis fósseis”, defende Borges.

Iuri Moura, do ITDP, evita fazer um prognóstico para o longo prazo, pois entende que os avanços no futuro vão depender de fatores políticos, econômicos e sociais. “Mas se quisermos que o cenário seja sustentável, especialmente diante dos efeitos catastróficos da mudança do clima sobre nossas cidades, precisamos dar prioridade, em termos de políticas públicas, aos modos de transporte coletivo e não motorizados”, conclui.

O RISCO DE UM FUTURO INDIVIDUALISTA NA MOBILIDADE

O caminho aponta para uma tendência de individualismo na mobilidade, que por um lado é bom, mas por outro não é tão sustentável. Veja por quê.

Especialistas apontam que o futuro da mobilidade urbana refletirá os impactos dos avanços da tecnologia e de sua capacidade de resolver problemas individuais.

Alguns exemplos já são comuns, como o transporte por carros de aplicativo e os serviços de delivery para refeição, farmácias e mercados, entre outros.

Esses serviços dão comodidade e mais conforto para as pessoas, mas resultam em um grande número de veículos de entregas circulando pelas cidades.

Com mais deslocamentos, a tendência é de haver, também, mais consumo de energia e mais danos ao meio ambiente.

Ainda que os veículos do futuro sejam elétricos, a geração dessa energia também tem impacto no meio ambiente.

Para reduzir esse impacto, é preciso que esse individualismo seja acompanhado de uma evolução mais rápida na transição dos modais de combustíveis fósseis para os menos impactantes.

Fonte: Eduardo Schwartz Borges, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)

PROPOSTAS DA INDÚSTRIA

Veja as recomendações da CNI para ampliação e modernização dos sistemas de mobilidade urbana no Brasil

– Assegurar instrumentos mais efetivos para a modernização dos sistemas, com aperfeiçoamento institucional e de governança nos municípios, e uma lei municipal para efetivar os planos de mobilidade.

– Dotar as regiões metropolitanas de estruturas de governança mais efetivas, transferindo as atribuições da gestão da mobilidade urbana para uma instituição de natureza metropolitana voltada exclusivamente à mobilidade.

– Viabilizar fontes para o financiamento dos investimentos de infraestruturas de mobilidade urbana, estimados para as 15 maiores Regiões Metropolitanas em R$ 295 bilhões até 2042, ampliando o número de Parcerias Público-Privadas, em contratos de concessão de duração relativamente longas (em torno de 30 anos).

– Ampliar os recursos públicos para investimentos em mobilidade.

– Criar “fundos de equilíbrio econômico-financeiro das operadoras de transporte coletivo”, administrados no âmbito das regiões metropolitanas, com a União (e os estados) disponibilizando recursos mediante a aprovação de Planos de Mobilidade Urbana.

– Alimentar esses fundos com a taxação dos estacionamentos públicos e privados, tarifas de pedágios urbanos, taxação dos transportes individuais por aplicativo, além de contribuições de melhoria em função da valorização imobiliária na área onde são realizados os investimentos em mobilidade.

– Financiar gratuidades pelo orçamento público, eliminando os subsídios cruzados, com base em estudos que mostrem o retorno para a sociedade de diferentes modelos de gratuidade, com foco na elegibilidade, extensão e magnitude dos subsídios.

Fonte: “Mobilidade Urbana no Brasil – Marco Institucional e Propostas de Modernização”, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Esta matéria foi originalmente publicada na Revista ESBrasil – outubro/2023. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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