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quarta-feira, 24 abril, 2024

O baque econômico da pandemia

Entenda como a crise sanitária afetou os brasileiros

É fato que a pandemia da Covid-19 pegou os governos de surpresa, mas as adversidades em razão da escassez de matérias-primas, mudanças políticas e desemprego já vinham ocorrendo.

As restrições sanitárias vieram para jogar uma pá de cal em cima desses problemas, colocando o Brasil em meio a uma das piores crises econômicas já existentes. Para entender como tudo isso se interliga, o Portal ES Brasil conversou com o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-ES), Vaner Corrêa.

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O que é inflação e como ela está afetando o nosso país?

A inflação por conceito é aumento generalizado do nível de preços, de produtos e serviços da economia. Essa é a definição de inflação. O que ela afeta do ponto de vista mais sociológico, é que ela arrebenta as classes de menor poder aquisitivo da economia. Ela se transforma num produto pesado para quem ganha menos, quem é socialmente menos favorecido na economia. Por exemplo, a pessoa em determinado mês poderia comprar 09 produtos, no mês seguinte ela só pode comprar 07, porque a inflação, o aumento do nível geral, elevou os preços. O salário dela não acompanha. Então, na verdade ela é muito perversa para todos, mas sobre tudo para as camadas mais inferiores do ponto de vista do perfil socioeconômico.

Neste atual cenário, você acredita que seja a pior crise que o Brasil já enfrentou?

Olha, este é um cenário mundial. A gente vive num cenário econômico a partir da pandemia, começou em fevereiro de 2020. Mas do ponto de vista macroeconômico é mais perverso que a crise de 2029, a quebra da bolsa de Nova Iorque, que foi uma crise macroeconômica. Se a gente considerar a economia uma mola, é como se nós comprimíssemos essa mola durante muito tempo, tirando toda a energia da economia. Nós quebramos as cadeias produtivas. A economia se fundamenta em cima de três setores: o primário, secundário e o terciário. O primário é a agricultura, o secundário a indústria e o terciário os serviços. O setor de serviços, por exemplo, foi jogado no chão com os hotéis, as grandes convenções e os restaurantes fechados. Obviamente que essa inflação agora não é brasileira. Não é aquela inflação da década de 80 que nós tínhamos, que era uma inflação a partir de uma inércia inflacionária, uma subida do nível geral de preço e contínua, em hélice para cima e que a gente não conseguia debelar. Esta não! Esta inflação é mundial, que se pontua sobre tudo pela escassez de matéria-prima. Atualmente, no Brasil estamos com dois problemas. O problema de energia elétrica, pois os reservatórios secaram e o preço da energia elétrica subiu. E também a questão do combustível, em razão da alta do petróleo, porque é uma commodity que influencia na gente e repercuti nos alimentos e em uma série de coisas. Essa é uma inflação que nasce no coração da pandemia. Essa pandemia foi muito perversa para o sistema econômico.

Desemprego e a perda do poder de compra pelo consumidor, você acredita que são os fatores que mais estão afetando os brasileiros?

A perda de poder de compra, ela começa a pontuar em junho do ano passado quando o IGP-M começa a ter um viés alto, começa a se descolar a ponto de chegar 30% em 12 meses. O IPCA, que é o índice que mede a inflação oficial, começou em setembro. A perda do poder aquisitivo é recente, em função da pandemia. Mas é muito perverso, começa todo mundo a reclamar e a perder capacidade de compra. O desemprego já tínhamos uma herança. Antes da pandemia tínhamos 12 milhões, hoje nós temos 14 milhões. O desemprego é mais afetado pela falta de reação da economia. A performance da economia está pequena, ou seja, a economia não ganhou tração ainda. O problema é que a gente precisa debelar inflação aumentando taxa de juros, precisa tirar energia da economia. Você quebra a demanda e o nível dos preços vai caindo, só que quando você tira a energia da economia, você gera desemprego. Então, estamos com dois problemas muito sérios. O desemprego que estávamos combatendo, porque a economia tem que ganhar energia e ao mesmo tempo a inflação, que é algo mundial e está sendo transferida para gente. Estamos em uma situação chamada ‘sinuca de bico’. A Selic deve aumentar. Vai ser preciso conter um pouco a inflação, mas acho que em 18 meses o mundo sai disso tudo. Todos nós vamos ter que nos acostumar a ir para um nível de inflação lamentável. O governo brasileiro vai ter que usar uma lupa bem central para as camadas sociais menos favorecidas, continuando com o auxílio. Mas não pode deixar a inflação descontrolar e criar o que chamam de monstro da inércia inflacionária, que é você arremessar a inflação do passado para o presente e não acabar com isso nunca. A inflação é uma inimiga poderosa dos menos favorecidos.

O quanto a pandemia prejudicou esse crescimento do Brasil?

A pandemia tirou a energia da economia mundial, quando ela faz isso, ela também tira da brasileira. A economia brasileira se relaciona com as economias chinesa, americana, do Oriente Médio, da Europa. O que salvou a gente foram, inclusive, as commodities agrícolas, por isso o agronegócio ‘bombou’. Na verdade, fomos derrubando o crescimento da economia paulatinamente no ano passado e o PIB foi perdendo força. O PIB é o produto interno bruto, que mede tudo que se produz de produtos e serviços no país. É um indicativo maravilhoso da atividade economia. Mas não tínhamos atividade econômica no setor terciário, por exemplo. Não tinha restaurante, não tinha hotel, não tinha nada. A economia brasileira está se recuperando, está dando bons resultados. Mas temos um grande problema que é o vetor político. A gente está sendo sacudido, sobretudo o mercado político e o tecido social brasileiro, que não estavam com a onda nova que aconteceu, que é a onda da eleição do atual presidente, que é uma onda de direita. Estávamos acostumados há muitos anos com a polarização entre o PSB e o PT, tendo o PMDB como um padrinho ‘prostituto’. Apareceu esse partido novo, gente que pensa diferente. Aquele Brasil antigo está reagindo e tentando erudir o governo. Com isso, não chegam investimentos, a própria imprensa joga muito contra o país, as academias (universidades) não aceitam essa postura. A postura dele é muito diferente. Não estávamos acostumados com certo autoritarismo, nós lutamos pela democracia. Acho que a gente precisa acomodar isso primeiro e acalmar para depois esse crescimento vir o mais rápido que puder. A gente não conseguiu fazer na verdade todas as reformas e não temos mais tempo para fazer. Já estamos batendo à porta de um ano eleitoral. Vamos ter ainda um crescimento módico, que não vai ser tão ruim, mas o ano que vem, que era para crescermos, acho que talvez não cresçamos tanto quanto deveríamos.

Você acredita que o Governo Federal, por meio do Ministério da Economia, está fazendo boas ações para conter a alta da inflação?

Eu sou muito crítico como economista. Eu defendo o atual governo e até votei no presidente. Mas há mais de um ano que peço a saída de Paulo Guedes. Eu já vi ele dar uma palestra sobre inflação, exatamente sobre isso que você está me perguntando, e acho que ele não estudou essa matéria bem. Ele não conheceu a década de 80. Penso que ele é uma pessoa muito descolada, não tem protagonismo político. Acho que hoje ele está prejudicando o presidente e até tirando votos do presidente. Acho inclusive que ele não tem sensibilidade social. O presidente e o seus ministros têm que estar na rua com a população, sentir a dura a luta. Ele fala da escola de Chicago, dos liberais. Tem dez bons ali, Milton Friedman, por exemplo. Mas ele não passa a segurança que o Malan da época do Fernando Henrique Cardoso passava. Acho que o presidente Jair Bolsonaro já devia ter colocado ele na marca do pênalti e chutado. Talvez abrir a porta para gerações mais novas, com ideias boas e pessoas competentes. Algumas coisas que poderíamos ter mexido desde o ano passado, não estaríamos passando esse perrengue aqui. Eu sou muito crítico com relação ao ministério. Mas acho que o governo federal está fazendo muita coisa como o auxílio social que está criando agora e isso vai ajudar bastante. E pode fazer muitas outras coisas em função do poder que eles têm nas mãos.

E pensando no futuro, como você prevê a inflação para o ano que vem?

Eu sou muito otimista. Não sou economia de catástrofes, apocalíptico. Eu sou um economista bem otimista. Eu sei o que é quando a economia ganha tração, ganha força, ganha energia. A gente cria emprego e renda. Acho que essa pandemia trouxe lições para todos nós, maravilhosas, e lições econômicas. Até me lembro do que o atual presidente falava lá no início, “entre milhares de mortos e milhões de desempregados”. Uma opção terrível. E aconteceu. Mas penso que a gente vai ter que construir um pacto nacional do ponto de vista político. Estamos com o país muito fracionado, muito bipolarizado, se é que posso usar esse neologismo. Até nas discussões em casa, nas igrejas e nas famílias. Vamos ter que construir um pacto nacional para fazer com que a economia flua mais. Mas eu creio nisso. A razão humana é algo formidável. A gente resolve tudo a partir de uma conversa. Mesmo sendo adversos. Eu posso ter uma posição política economia e você outra, mas temos pontos em comum. Acho que ano que vem a gente recupera bastante tudo isso. Mas a gente tem essa maluquice da política brasileira daqueles que torcem para a coisa ruim, do “quanto pior melhor”. Creio que ano que vem a economia começa a rodar mais e ter maior fluência do ponto de vista do crescimento.

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