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quinta-feira, 18 abril, 2024

Maílson da Nóbrega

Maílson da NóbregaEle foi ministro da Fazenda de 1988 a 1990, no Governo José Sarney – aquele em que todo brasileiro se tornou “fiscal” na luta contra uma inflação de 416% ao ano (quem se lembra?) e cidadãos fechavam supermercados e lojas “em nome da lei e da ordem” econômica nacional. Economista e consultor de sucesso, o entrevistado deste mês da revista ES Brasil desempenhou cargos importantes na administração federal e foi responsável pelo maior processo de modernização institucional das finanças públicas que o País já viu – foi a partir de estudos capitaneados por ele que a gestão do orçamento da União e da dívida pública federal, até então a cargo do Banco do Brasil e do Banco Central, respectivamente, foi transferida para o Ministério da Fazenda e que se criou a Secretaria do Tesouro Nacional, entre outras mudanças significativas, que culminaram com a extinção do orçamento monetário, em 1988 (um orçamento paralelo que não passava pela aprovação do Congresso).

Como ministro, Mailson da Nóbrega presidiu o Conselho Monetário e o Confaz e integrou os boards do FMI, do Banco Mundial e do BID. Sua contribuição foi capital para que o Brasil passasse a ostentar um conjunto moderno de instituições fiscais, que tornaram as contas públicas das mais previsíveis e transparentes do mundo, de acordo com órgãos multilaterais como FMI e Banco Mundial. Longe da vida pública, Maílson tornou-se um dos mais conceituados consultores brasileiros. É sócio da empresa Tendências Consultoria Integrada e membro dos conselhos de diversas outras empresas. Confira o teor de sua conversa com os jornalistas da ES Brasil sobre as perspectivas econômicas de 2011.

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No próximo ano estaremos sob um novo governo e, pela primeira vez na história da República, capitaneado por uma mulher. O que podemos esperar no cenário da economia brasileira?
Por ora, a única coisa que se pode dizer do próximo governo é que são altas as chances de continuidade da política econômica. A presidente eleita já disse isso e tem reiterado seu compromisso com o tripé que tem caracterizado a gestão macroeconômica desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Além disso, nada se pode afirmar antes de se conhecer integralmente sua equipe de governo e a prática da administração.

A possibilidade do retorno da CPMF tem sido amplamente ventilada. Essa discussão era esperada neste momento? Qual sua opinião sobre a este imposto?
Sou radicalmente contra a CPMF. É um imposto ruim, que se entranha sobre todo o tecido econômico, incide em cascata e funciona como uma cunha nas transações financeiras. É impressionante como ainda tem gente declarando que essa barbaridade é boa porque é paga apenas por quem tem conta em banco. A CPMF incide sobre pagamentos relativos a matérias-primas, partes, peças, componentes, fretes, salários e por aí afora. Os pobres pagam mais do que os ricos, relativamente à sua renda. A justificativa de combate à sonegação não supera os inúmeros defeitos do tributo.

Durante a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento, o presidente Lula afirmou que Dilma Rousseff é a ‘mãe’ do PAC. Agora, termina sua gestão com apenas 30% das obras do PAC efetivamente realizadas. A partir de 2011, Dilma Rousseff será oficialmente a ‘mãe’ e o ‘pai’ do programa. O que podemos esperar desta ‘família’?
O PAC é muito menos relevante para a infraestrutura do que o Governo faz transparecer. Funciona mais como um slogan e um trampolim político do que para resolver problemas mais sérios da economia. Não devemos esperar muito no próximo governo.

Durante a campanha eleitoral muito se falou sobre salário mínimo e Previdência. Quais as chances reais de acontecer uma reforma previdenciária na próxima gestão? Ela é realmente necessária?
Não vejo como aprovar uma reforma previdenciária no próximo governo, ainda que ela seja dramaticamente necessária. O Brasil gasta em previdência, como proporção do PIB, cerca de três vezes o que deveria, se considerada nossa estrutura demográfica. Sucede que a reforma é politicamente complexa, a força dos aposentados é enorme e falta liderança no governo para enfrentar essa parada de forma bem-sucedida.

E a reforma tributária: o senhor acredita que na “era Dilma” ela sairá do plano das discussões para a realidade?
Também não acredito numa reforma tributária digna desse nome, menos ainda em mudanças que atendam as expectativas de redução da carga de tributos, hoje em 36% do PIB, de longe a mais alta entre os países emergentes. A carga não cai porque ela responde a um volume descomunal e incomprimível de gastos obrigatórios com funcionalismo, aposentadorias, pensões, educação, saúde e outros da mesma natureza. Considerando apenas esses gastos obrigatórios, a carga teria que ser de algo como 34% do PIB, mais de setenta por cento dos quais apenas para pagar servidores e previdência. Daí a complexidade do sistema tributário, que precisa arrecadar um volume de receitas incompatível com o estágio e o nível de renda do Brasil. É um terremoto destruidor, cujo epicentro é o ICMS. São 27 legislações distintas, incontáveis alíquotas, inúmeros regimes tributários, guerra fiscal e assim por diante. Não vejo capacidade do próximo governo de mobilizar os governadores em torno de uma reforma estrutural séria. Pode sair algum remendo, para implantar em vários anos, que será melhor do que nada. Ficaremos esperando uma mudança para valer ainda por muitos anos. Infelizmente.

Se o senhor fosse o ministro da fazenda em 2011, quais seriam suas primeiras medidas?
É difícil dizer, mesmo porque as medidas não dependem do ministro da Fazenda, cujo papel é apenas o de propor. Tudo depende das condições políticas e das visões da nova presidente.

Temos acompanhado as notícias sobre a ‘guerra cambial’ protagonizada, principalmente por Estados Unidos e China. Esta prática é de fato benéfica para estes países e suas economias? E para o Brasil: o país está preparado para enfrentar esta propalada ‘guerra cambial’?
Ainda não dá para falar em guerra cambial, mas ela pode vir a ocorrer se os desequilíbrios macroeconômicos entre esses dois países não forem resolvidos. Se a economia americana não se recuperar, apesar de todas as medidas do seu Banco Central (o Federal Reserve) e a China resistir em não valorizar sua moeda, é possível que o Congresso americano aprove medidas para barrar exportações chinesas, disparando uma guerra comercial em que todos perderão, inclusive o Brasil, os dois países e o mundo. Não há, pois, como em falar em ganhadores.

Complementando esta pergunta: o Espírito Santo é o Estado mais “globalizado” do país, com forte participação do comércio exterior (baseado principalmente em commodities) na composição de seu PIB; o senhor poderia enfocar de forma especial o caso capixaba neste contexto?
Não tenho conhecimentos suficientes sobre a economia capixaba, mas se acontecer uma guerra comercial capaz de levar o mundo a uma recessão grave, as exportações do Estado serão negativamente afetadas. Ninguém escapará. Daí a importância de encontrar uma saída satisfatória para o desequilíbrio macroeconômico entre os Estados Unidos e a China.

A cadeia gás-petróleo tem sido a locomotiva do crescimento econômico e, principalmente, industrial do nosso Estado, gerando empregos, inovação e muitos investimentos produtivos. Esse cenário favorável pode ser afetado?
Claro. Se o mundo entrar em recessão, incluindo a China, todas as commodities perderão valor. E isso afetará as atividades que giram em torno do petróleo. Talvez não seja o cenário mais provável, mas é preciso levá-lo em conta.

Qual a real expectativa de crescimento da economia brasileira para o final de 2010 e início de 2011? Onde estarão os principais desafios?
A economia deve crescer mais de 7% em 2010 e deverá desacelerar em 2011, quando dificilmente se expandirá mais de 4% a 5%. Seus desafios são os de sempre; os principais: as reformas e outras ações para aumentar a competitividade de nossos produtos e dotar o país de uma educação de qualidade.

A economia nacional vem somando crescimento nos últimos anos. O número de brasileiros abaixo da linha da pobreza reduziu, a classe média engordou, e o consumo disparou. Por outro lado, os níveis de endividamento e o risco de inflação também cresceram. Como equilibrar essa equação?
Os níveis de endividamento não são preocupantes. De um modo geral, as famílias brasileiras têm dívida compatível com seus níveis de renda. Casos de excessos, vistos aqui e ali, não podem ser generalizados. A inflação está crescendo, já não é mais um risco. É a decorrência do erro do Banco Central, que interrompeu prematuramente o ciclo de alta da taxa de juros. É provável, felizmente, que o BC comece a agir já no início de 2011, aumentando os juros para evitar uma escalada inflacionária. A menos que ele esteja correto em sua avaliação otimista dos riscos de inflação, o que parece até agora não ser o caso.

Afinal, a médio e longo prazo, o aumento do consumo interno é positivo ou negativo para o equilíbrio econômico nacional?
O aumento do consumo, desde que não resulte de bolhas ou de euforias impulsionadas por expansão insustentáveis do crédito, é benéfico para o país. Contribui para a expansão da demanda e, assim, para a geração de renda e emprego.

Como o senhor analisa a redistribuição dos royalties de acordo com a emenda Ibsen? Qual a expectativa em relação às atitudes da presidente eleita, Dilma Rousseff?
A emenda Ibsen é irresponsável e populista. Escrevi contra a ação generosa e inconseqüente dos royalties do petróleo. O presidente Lula tem muita culpa pelo que aconteceu. Ele e outros membros do governo, incluindo a ministra Dilma e o presidente da Petrobras, movidos por razões ideológicas, buscaram mudar o regime de exploração do pré-sal a toque de caixa, sem ter uma estratégia para lidar com os apetites regionais por mais dinheiro. Bastava ter lido sobre o que aconteceu na Constituição de 1988 e entender um pouco da História do Brasil para entender que haveria aquele assalto aos royalties. Agora está difícil consertar. A saída tende a ser compensar os estados produtores com mais dinheiro da União, o que diminuirá a sua capacidade de investimento. Acho tudo isso um desastre. O país vai perder com a pulverização dos recursos do pré-sal. Os Estados produtores têm toda razão em chiar e em se mobilizar para evitar o pior. Afinal, são eles que arcam com os custos derivados do impacto da exploração do petróleo.

Olhando para o futuro, energia limpa e mais abundante, sustentabilidade alimentar e de recursos hídricos são grandes questões que se apresentam a todos os países. Como acha que o Brasil deve lidar com elas?
A meu ver o Brasil está bem posicionado nessas questões. Será autossuficiente em petróleo por muitos anos, tem capacidade de produzir energia limpa de diversas fontes – hidroelétrica, eólica, da biomassa – e pode expandir a produção de álcool sem ameaçar a produção de alimentos, em que poderá se tornar uma das maiores potências. Tudo depende apenas de nós mesmos, da capacidade de enfrentar conhecidos desafios e de não enveredar por políticas públicas baseadas em voluntarismo inconsequente.

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