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sexta-feira, 26 abril, 2024

Marcos Piangers e a paternidade responsável

“Talvez um homem de verdade seja aquele que encara os seus medos, lida com sua sensibilidade e até se posiciona frente à opinião dos outros que ainda têm muito forte o ‘homem alfa’, porque é uma cultura muito cimentada”

Por Fernanda Neves

O especialista em novas tecnologias, criatividade e inovação Marcos Piangers é, também, uma das maiores referências internacionais quando o assunto é paternidade. Autor do best-seller “O Papai é Pop” e de “Papai é Pop 2” e “O Poder do Eu Te Amo”, ele já acumulou mais de 350 mil publicações vendidas no Brasil, em Portugal, na Espanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

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Atualmente tem 3,5 milhões de fãs no Facebook e cerca de 400 milhões de views nos seus vídeos no YouTube. Na maior conferência de ideias do mundo, o TED, já fez cinco apresentações. Além disso, dá aulas e palestras nos maiores eventos e empresas do Brasil.

Nesta entrevista, concedida com exclusividade para a ES Brasil, Piangers mostra como acabou virando referência por ser pai e analisa a sociedade atual sobre os desafios de cuidar de um filho. Leia!

Por que você decidiu expor sua vida como pai?

Na verdade, eu decidi não expor. Assim que a Anita nasceu, em 2005, eu tinha uma relação forte com ela, uma conexão pelo fato de talvez eu não ter tido pai. Eu me afeiçoei à situação de paternidade. Passeava com ela, trocava fralda… Só que essa é uma posição muito solitária. Primeiro porque a gente ainda tem resquícios de vestígio cultural do machismo, de que um “homem de verdade” é apenas um provedor, de que ele não pode ser carinhoso, afetuoso, participativo na paternidade. Além disso, vivemos numa sociedade moderna obcecada por trabalho, por estar ocupado, ao celular. Ao meu redor, meus amigos não me incentivavam tanto a participar, fui pai muito cedo e eles ainda estavam naquela fase de sair para “beber cerveja e ver futebol”.

Para sair dessa solidão, eu escrevia sobre tudo o que eu estava vivendo: as histórias divertidas, as emocionantes, as bonitas; o crescimento da minha filha; os momentos tensos do dia do parto… Tudo isso eu fui vivenciando e anotando. Deixei tudo guardado por 10 anos até por um certo desconforto com essa sensibilidade toda, de expor aquilo que era tão importante para mim.

Só que em 2015 mostrei os textos para uma amiga, e ela falou que eu tinha que publicar aquilo em um jornal. Achei interessante e fui publicando. Depois de um tempo, um editor me ligou e me ofereceu fazer um livro sobre aquele conteúdo. Pensei que não iria vender nada, porque eu nunca havia escrito um livro, não era escritor, não tinha contatos no mercado editorial, mas ok. Pensei em lançar como uma fotografia da minha família e desses 10 anos que nós vivemos juntos. Inclusive minha filha mais nova, a Aurora, já existia. O livro foi lançado em 2015 sem muita pretensão, porém a publicação encontrou uma audiência ao redor do mundo, porque foi lançado em Portugal e na Espanha, traduzido para o catalão e o inglês. Agora estamos debatendo a nova paternidade e a construção familiar. É importante o desprendimento do homem, de ser um pouquinho mais sensível, mais próximo da família e dos filhos. Enfim, fazer melhor do que os nossos pais fizeram na esperança de que os nossos filhos façam um pouquinho melhor também para futuro.

O papel do pai está mudando na sociedade atual?

Eu acho que sim. Nós estamos vendo esse papel do pai mudar aos poucos. Claro que no passado existiam exemplares de pais participativos, amorosos e próximos da família. Mas existia uma construção, até da cultura pop, do homem que não chora, que não sente, que namora várias mulheres, que não tem um relacionamento compromissado, que não trata bem a esposa. Estamos descontruindo isso aos poucos. Alguns exemplos no passado inspiraram o presente e, quanto nos construímos de uma forma mais saudável, fazemos bem para as próximas gerações.

Essa construção de que homens não podem falar de sentimentos é muito prejudicial à saúde. Nós, homens, morremos em média 10 anos antes das mulheres, somos a maioria no sistema penitenciário, nos matamos mais de forma violenta, nos matamos mais no trânsito, nos suicidamos mais, sofremos mais depressão, temos mais problema no coração, e por aí vai. Então, obviamente, estamos fazendo alguma coisa errada.

Eu acho que podemos ter uma vida mais saudável, mais equilibrada, menos autodestrutiva, e os filhos têm a ver com isso. A chegada de uma criança é a chance de nos transformarmos em algo melhor e de construirmos uma sociedade melhor aos poucos, porque um pai participativo melhora a vida da esposa e da criança. Com pais ativos, todas as pesquisas mostram que a criança é mais autoconfiante, ela se sai melhor na escola, torna-se mais sociável, envolve-se menos com delinquências. No fim das contas, também é bom para o próprio pai, que se transforma em um “ser”, em uma força mais completa e mais equilibrada.

Marcos Piangers; pais; paternidade
Foto: Fábio Jr. Severo

O machismo pode ser uma resposta para essa omissão dos pais na criação dos filhos?

É uma construção social. A gente vê que os “grandes homens” são aqueles de negócio ou de porrada ou mesmo os conquistadores. Então, seriam o 007, o Steve Jobs e o Chuck Norris. É isso que ainda está na nossa construção mental. E aí, quando chega um filho, o cara descobre que talvez não seja isso mesmo que é ser homem, sabe? Talvez um homem de verdade seja aquele que, ao encarar os seus medos, lida com sua sensibilidade e até se posiciona frente à opinião dos outros que ainda têm muito forte o “homem alfa”, porque é uma cultura muito cimentada. Eu acredito que nós vamos aprendendo a ser homens com a chegada de um filho e de uma filha também, porque tenho duas meninas e essa relação com o universo feminino abriu minha visão para toda uma nova realidade. Uma sensibilidade diferente, um mundo mais lúdico de unicórnios, de princesas, de maquiagens… Isso também dá uma quebrada naquela “armadura masculina”, e eu acho bem divertido, isso eu posso garantir (risos).

Qual a sua avaliação sobre as mulheres que preferem ser mães solos?

É uma situação que poucas mulheres escolhem. A esmagadora maioria das mães solteiras no Brasil foram abandonadas e ficaram cuidando do filho porque não tiveram outra possibilidade. Foi o caso da minha mãe, é o caso de 71% dos partos pelo SUS em Manaus e de 60% dos partos do Rio de Janeiro também no sistema público. A média de partos de mães solteiras no sistema público brasileiro é de 49%. Mas não é só uma realidade nossa, porque 40% dos americanos nascem hoje de uma mãe solteira. Claro que no meio delas há “produções independentes”, mas não é o normal.

Como driblar a situação dos pais de fim de semana?

Uma lei homologada em 2014 incentiva que os juízes adotem a guarda compartilhada em uma situação de divórcio, porque está comprovado que é muito mais saudável para a criança e para o pai. É uma lei, um incentivo, uma determinação, mas que ainda não é cumprida. Na maioria das separações, nós vimos o juiz dando guarda para a mãe muitas vezes porque o pai não quer essa guarda. O cara só quer ver no fim de semana mesmo, porque acha que a mãe é responsável pela criação – mais uma vez por conta do vestígio social – e que o filho vai estar melhor com a mãe. Eu acho saudável um pai que se posiciona como um cuidador também. A guarda compartilhada de dias divididos dá mais referencial e mais afeto também. Se você parar para pensar, estar com os filhos só de 15 em 15 dias mexe com o emocional da criança de uma forma muito traumática. Em uma situação de separação amistosa, guarda compartilhada diminui também a possibilidade de alienação parental, ou seja, aquela mãe que fala mal do pai ou aquele pai que fala mal da mãe. Buscar um entendimento em uma separação que envolve criança é fundamental para a gente realmente formar uma próxima geração mais completa e preparada. Um pai e uma mãe imbuídos dessa responsabilidade devem apagar um pouco as mágoas que uma separação obviamente traz. Eles precisam entender que a criança é mais importante que o orgulho ou o ressentimento.

Marcos Piangers; pais; paternidade
Foto: Ted Portugal

Por que no Brasil cuidar de filho ainda é coisa de mulher?

Vivemos ainda em um país em que a licença-paternidade dura cinco dias. Isso deixa bem claro que o homem não precisa participar dos primeiros meses. Isso é uma lástima, porque a participação é fundamental nos primeiros meses e na primeira infância. Noventa por cento da formação cerebral ocorrem nos cinco primeiros anos, e não ter o pai por perto traz uma consequência no comportamento da criança. Mas aos poucos isso está mudando com políticas públicas, com ações corporativas de empresas que entendem a importância da participação do pai. Em vários países do mundo, a licença-maternidade não tem mais esse nome, agora é licença parental. O pai também pode preferir dedicar-se durante alguns meses a estar perto dos filhos nesse momento tão importante. Isso melhora a vida da esposa, a relação do casal e a criação do filho. Temos um longo caminho pela frente, mas eu acredito que é possível.

Mesmo para os pais que têm consciência da responsabilidade de uma criação, é difícil colocar-se nesse seu papel?

Sem dúvida. É difícil se colocar nesse papel até para a mulher. A gente costuma brincar sobre o instinto materno, mas para muitas mães existem depressão pós-parto, solidão, dificuldade de entender o quão difícil é ter um filho. Imagine, então, para um homem que está confortavelmente em uma posição de não participação ser empurrado para ela. É superdesconfortável, e eu falo por mim mesmo. Quando chegou a minha primeira filha, eu achava que participava, mas, com o tempo, fui percebendo que não fazia nada e que tinha muita coisa para fazer. Fácil é trocar fralda, o difícil mesmo é lidar com todas as questões do crescimento, da adolescência, de relacionamento, de visão de mundo. Eu tenho uma filha que já está adolescente, então, é importante aquele fundamento que a gente dá na infância, mas o “bicho pega” mesmo nos outros 50 anos (risos).

Você acha que deveria ter temas tabus na criação dos filhos?

Não deveria existir. Eu tenho duas filhas e, logicamente, tenho também uma distância do conhecimento fisiológico delas. Eu não sei o que é ser uma mulher. Por isso, eu deixo isso para a minha esposa. Mas estou à disposição para todas as questões, para lidar com todas as inseguranças, os anseios e as curiosidades da minha filha. Eu fico muito satisfeito porque um dia minha mais velha me disse: “Eu acho que eu converso mais com você do que todas as minhas amigas somadas conversam com os pais”. É bom ter essa conexão, porque eu a livro de tentar descobrir sozinha os perigos da vida. Claro que ela vai descobrir muita coisa por si mesma durante a adolescência e a “adulteza”, mas ela vai ter sem um mentor, um tutor, um cuidador, alguém que vai estar lá se esforçando para ajudá-la em todo o caminho.

Marcos Piangers; pais; paternidade
Foto: Fábio Jr. Severo

Sendo um palestrante da área de paternidade, quais absurdos já teve que ouvir?

Marcos Piangers – Foram muitos. Ministro palestras em escolas de todo o Brasil e já ouvi cada situação revoltante. Uma vez uma dona de creche me disse que um pai pediu que a escolinha abrisse no fim de semana, porque ele trabalhava de segunda a sexta-feira e não queria ouvir choro de criança no fim de semana. O pai falou isso! Por que, então, esse ser humano foi ter filho? Imagina o trauma que vai ter essa criança? Imagina a falta de senso de missão, de compromisso e de responsabilidade desse pai? E tem outras coisas pesadas, como crianças que vão para a escola com motoristas e babás, crianças de 11, 12 anos que já fazem uso de antidepressivos, inclusive levando na mochila, crianças que só ficam ao celular, tablet ou computador e nunca veem os pais, porque eles estão trabalhando muito. Fora o acesso ao ambiente de redes sociais, que é terrivelmente perigoso. A gente tem visto muitos casos de pedofilia, de adultos seduzindo crianças através de mensagens. Temos visto também muitos casos de crianças muito novas expostas a tecnologias e que têm dificuldade de aprendizado, de cognição, de relacionamento, de desenvolvimento, inclusive com comportamento análogo ao do espectro autista por conta de muito exposição à tela. O maior absurdo que eu vejo hoje em dia é esse abandono, que não é um abandono físico, mas um abandono prático, e isso é lamentável.

Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – Agosto/2019, produzida pela jornalista Fernanda Neves atualizada em 2021. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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