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quarta-feira, 8 maio, 2024

Entrevista exclusiva: Mário Sergio Cortella

Cortella esteve no Espírito Santo e falou com a ES Brasil sobre mercado de trabalho e angústias profissionais

Por Amanda Amaral

O filósofo e doutor em Educação, o escritor Mário Sérgio Cortella, esteve recentemente no Espírito Santo e a ES Brasil aproveitou a ocasião para realizar uma entrevista exclusiva com o professor.

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O potencial da cooperativa enquanto agente transformador foi o principal tema da conversa, já que Cortella esteve no município da Serra, no final de junho, para palestrar para os associados do Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) Leste Capixaba.

Mas o filósofo também falou sobre os novos desafios do mercado de trabalho, as angústias pessoais e profissionais dos colaboradores, a necessidade de cooperação diante do cenário de crise e a chegada das novas gerações às grandes corporações.

O que são cenários turbulentos e mudanças velozes? É o novo normal?

A gente pode até chamar de um novo normal, mas a nossa normalidade ela é bastante dúbia, afinal, às vezes o normal não é o correto, é apenas o comum. É uma questão de frequência. Mas é uma maneira de sermos capazes de nos integrar a uma outra forma de viver sem destino, de continuar buscando aquilo que é o êxito. É exatamente a capacidade de juntarmos nossas inteligências, nossas capacidades, nossos desejos, isto é, cooperar.

Esse momento que passamos, da pandemia e as consequências dela, foi um start para as pessoas começarem a empreender?

Uma parte das pessoas. Houve uma parcela das pessoas que teve um despertar de concepção movida por aquilo que era a necessidade. O brilhante Guimarães Rosa, em sua obra Sagarana, dizia que o sapo não pula por boniteza, ele pula por precisão. O Guimarães até registra o termo num modo mais caipira. Nesse sentido, a necessidade impulsionou muitas pessoas a procurarem empreender. E muitas outras pessoas já o faziam por convicção mesmo, independentemente mesmo da razão. Esse reordenamento das formas de sobrevivência trouxe coisas que podem ser produtivas, se nós bem aprendermos.

E como fica o cooperativismo nesse novo normal?

Nessa tempestade forte, que já estamos vivenciando desde março de 2020, só conseguimos um movimento de saída, de alternativa, porque a humanidade foi capaz de cooperar, de colaborar. Não haveria possibilidade de saída individual. Imagine se a regra fosse cada um por si e Deus para todos? Isso é tolo. Ou se junte a “um por todos e todos por um” ou não há alternativa. Nós só tivemos a possibilidade de achar trilhas que não nos colocassem em um impasse, exatamente porque as pessoas foram capazes de ter o espírito da cooperação. Nesse sentido, foi uma lição forte que se teve nesse momento. Aí a importância do revigorar. Há ainda pessoas que têm um percepção mais individualista, fechada, às vezes egoísta, mas ela não terá tanto êxito, porque a humanidade só sobreviveu ao longo de sua história porque foi capaz de juntar. Toda vez que alguém propõe segregar ao invés de juntar, acaba obtendo um desastre.

Aqui no ES há um movimento contrário, um movimento de crescimento do cooperativismo de crédito, mais próximo das comunidades, em detrimento do fechamento de agências de bancos privados e públicos. Essa é uma realidade que o senhor percebe também em outras regiões ou se caracteriza pelo movimento econômico que estamos vivendo?

Eu moro na cidade de São Paulo há 57 anos, mas eu sou paranaense. A minha região também tem estruturas cooperadas, assim como parte do Sul. Parte da minha está no Centro-Oeste, outra no Norte, e a gente identifica esse tipo de iniciativa em várias regiões, especialmente no Espírito Santo. O Estado vem conseguindo nos últimos tempos, cada vez mais “escalar” situações que são mais relevantes nesse polo. Acho que é algo marcado pela exemplaridade. Há uma serie de condições facilitadoras, seja por conta da dimensão ou da possibilidade de acesso, contato e comunicação, e isso encontra competência e habilidade por parque de quem está organizando. É preciso que o Brasil preste mais atenção nessa condição para que a gente possa aprender mais.

O que esperar de 2023 nos aspectos econômico, social e humanitário?

Sobre a expressão “o que esperar?”, eu imagino que a gente deva ter a esperança ativa. A espera não da expectativa, mas daquilo que a gente vai buscar. O que nós temos que edificar para 2023? Maior capacidade de iniciativa, maior paz social, harmonia construída na diferença e ao mesmo tempo a necessidade de retomarmos o fôlego sem desproteger as pessoas que foram muito vitimadas em todo esse processo pandêmico, que já tinham condições inadequadas de vida antes da pandemia, mas acabaram aprofundando. A necessidade de apoiar a solidariedade é decisiva, senão vamos começar esse tempo difícil e o terminar com vergonha. Vergonha de quê? De ter o terminado sem ter prestado atenção ao que estava a nossa volta. O que nós também precisamos ter em 2023 é vergonha na cara.

Existem em torno de 10,6 milhões de desempregados no Brasil hoje, de acordo com o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). Contudo, a dificuldade de grandes empresas em contratar mão-de-obra para determinados setores é um problema para o desenvolvimento econômico. Quais os fatores implicam neste dilema?

É necessária uma parceria mais forte entre aquele que tem as suas empesas, suas organizações, e as atividades de formação. O Brasil insiste muito em uma política de educação como sendo uma política de governo. E ela não pode ser. Ela tem que ser uma política de Estado, que independa de governo, aquilo que se coloca como projeto em cada Estado e na Nação a ser desenvolvido nos interesses dos vários atores sociais que se tem. Por isso, nós nunca conseguiremos formar com maior qualificação se não houver uma parceria. Pense se nós tivermos só o imediatismo, por exemplo. De repente eclode com muita força o negócio na área de transporte e tudo se forma para essa área. Falta uma visão mais adiante, de futuro. É preciso pensar evidentemente no agora, mas buscar também o depois. Há uma certa forma isolada de lidar com a questão. É como se as federações, os grupos, as estruturas e os sindicados, cada um procurasse lidar sozinho com algo que é uma questão mais ampla.

A pandemia provocou mudanças no setor empresarial, a mais comentada delas é o homeoffice, que trouxe novas dinâmicas na relação entre o empregador e empregado. Outra novidade é que em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tornou a Síndrome de Burnout uma doença ocupacional. Como as empresas podem lidar com as angústias profissionais e pessoais de seus colaboradores?

Entrevista exclusiva: Mário Sergio Cortella
Mário Sérgio Cortella esteve na Serra, no final de junho, para uma palestra. Foto: Divulgação

Pensar no bem-estar é pensar na capacidade da empresa de ter mais relevância para a comunidade de trabalho na qual ela está inserida. A empresa precisa prestar atenção não apenas naquilo que vem a tona, o que nos vemos, mas ao que não é enxergado. Já dizia Khalil Gibran, “grandes dores são mudas”.

É necessário um esforço mais inteligente da área de talentos e de recursos humanos dentro da empresa para que ela passe a notar, não só o que é visível como cansaço ou certa irritabilidade, mas aquilo que não está sendo dito e trazido.

A geração dos millennials está batendo à porta do mercado de trabalho, trazendo novos comportamentos diante de um cenário atual de instabilidade política e econômica, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Como as corporações, muitas construídas por gerações anteriores, com outros pontos de vista, devem lidar com estes novos profissionais?

As novas gerações não entendem que aquilo que vivemos esteja fora do que se deveria. Afinal, eles cresceram. A noção de uma perturbação, de uma turbulência política, para eles é parte do que vêm vivenciando dentro de seus processos de crescimento. Perturba pessoas com mais idade, porque nos habituamos com um pouco mais de tranquilidade em momento anterior. No entanto, as novas gerações não podem ser vistas pelas pessoas com mais idade como um encargo, elas são um patrimônio. É preciso fazer pontes entre essas gerações. As empresas possuem pessoas com mais idade e capacidade de planejamento, com paciência com relação à organização das coisas, mas não necessariamente têm toda a habilidade necessária para o mundo digital ou o senso de urgência que a nova geração traz. Por isso, uma das coisas mais perigosas é imaginar que essa nova geração nada entende. E o mais perigoso para a nova geração é achar que só ela entende.

 

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