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domingo, 12 DE janeiro DE 2025

Caça às bruxas

Exterminá-las pode dizimar um país inteiro; De nada importa que fé professam as bruxas contemporâneas

Por Fernando Carreiro

Os julgamentos das bruxas de Salém remontam a uma série de audiências e processos de pessoas acusadas na cidade costeira da Massachusetts, no século XVII. A Nova Inglaterra havia sido colonizada por dissidentes religiosos que buscavam construir uma sociedade baseada na Bíblia de acordo com sua própria disciplina escolhida. O episódio é um dos casos mais notórios de histeria em massa na América Colonial. Qualquer semelhança com os tempos políticos atuais é mera apropriação temporal.

No ambiente político, a “caça às bruxas” é um eufemismo à perseguição política sistemática de um governo ou de um partido a seus adversários, uma conexão com o tempo em que pessoas eram acossadas com pretexto de terem feito pacto com forças demoníacas.

O Brasil saiu no encalço de seus demônios. Ora travestidos de vermelho, ora de verde e amarelo. As cores são meramente ilustrações desses tempos apocalípticos. De nada importa que fé professam as bruxas contemporâneas; basta que tenham alguma crença, para que sejam condenadas à fogueira e ao linchamento público de suas reputações. Se vagueiam por vielas e bairros retirados ou se assombram os centros do poder, não interessa muito; elas devem ser exterminadas e oferecidas à execração de seus algozes, cobertos pelo manto de uma santidade duvidosa tanto quanto autoritária.

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No terreno das redes sociais, as bruxas não se criam. São perseguidas por anjos de candura que voam com asas de superioridade. Nenhum destes tem fantasmas; só as necromantes padecem desse mal. Ah… a santidade que visita cada um de nós, espantando os espectros e abantesmas. Somos mesmo um povo de fé. Uma insuspeição que não se sustenta diante de aparições: queremos logo expurgá-las de perto de nós, numa doce ilusão do mundo fanático de que há bruxas mais más, de quando escolhemos as menos nocivas para nos aliar.

Demonizaram a política. Faz tempo. Seu primeiro evento ocorreu em 2013. Nossa Salém tem data e GPS: ocupa todo o território de praças, agora esvaziadas, do Brasil. Migraram para a internet. Aqui, temos homens e mulheres muito valentes; cavaleiros e amazonas sedentos em busca de novos troféus humanos que se assemelhem ao diabo. O demônio, esse ser que quer nos sufocar, invadiu a propaganda eleitoral. Já era! Estamos vivendo o inferno. E não há uma só voz celestial que possa nos acudir. Mas também não a desejamos, é verdade. Sair à caça é mais divertido. 

A campanha eleitoral terminou, e a política continua a existir. Sob qual aspecto, não se sabe. Talvez nosso fértil imaginário fabrique outras bruxas, doendes, fadas malvadas ou Shreks. O repertório é extenso, na mesma medida em que é limitado demais. A literatura importante se coloca em escanteio enquanto discutimos temas superficiais demais para mudar a pobre Salém, conturbada politicamente como a de séculos atrás.

As bruxas de Salém de Massachusetts eram confessas, portanto, reais. As de hoje, também, em um universo forjado para que elas se criassem. E estão aí à solta, vagueando pela cidade projetada, por praças, escaninhos do poder e dentro de cada um de nós. Exterminá-las pode dizimar um país inteiro.

Fernando Carreiro é jornalista e consultor especializado em imagem, reputação, gerenciamento de crises e estratégia política.

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