Espírito Santo está em dia com o ordenamento jurídico necessário para a gestão eficiente das águas
Por Kikina Sessa
O território brasileiro contém cerca de 12% de toda a água doce do planeta. São 200 mil microbacias espalhadas em 12 regiões hidrográficas, como as bacias do São Francisco, do Paraná e a Amazônica (a mais extensa do mundo e 60% dela localizados no Brasil). É um enorme potencial hídrico, capaz de prover um volume de água por pessoa 19 vezes superior ao mínimo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) – de 1.700 m³/s por habitante/ano.
Mas, apesar da abundância, os recursos hídricos não são inesgotáveis e o acesso à água não é igual para todos no Brasil. As características geográficas de cada região e as mudanças de vazão dos rios, que ocorrem devido às variações climáticas ao longo do ano, afetam a distribuição.
No país, a gestão dos recursos hídricos se dá a partir da Lei nº 9.433, chamada de Lei das Águas, em vigor desde janeiro de 1997. O instrumento legal instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Consta na Política Nacional de Recursos Hídricos que a água é considerada um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico.
A lei prevê que a gestão desses recursos deve garantir usos múltiplos das águas de forma descentralizada e participativa, com representação do poder público, dos usuários e das comunidades. Em seu artigo 2º a lei explicita os objetivos da PNRH: assegurar a disponibilidade de água de qualidade às gerações presentes e futuras, promover uma utilização racional e integrada dos recursos hídricos e a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos (chuvas, secas e enchentes) naturais ou decorrentes do mau uso dos recursos naturais.
Também determina que, em situações de escassez, o uso prioritário da água seja para o consumo humano e para a dessedentação de animais. Outro fundamento é o de que a bacia hidrográfica é a unidade de atuação do Singreh e de implementação da PNRH.
Acompanhando a política nacional, cada unidade federativa criou a sua política estadual, estabelecida no Espírito Santo pela Lei nº 10.179, publicada em março de 2014. Conforme prevê o artigo 6º, são instrumentos de gestão dos recursos hídricos: o Plano Estadual dos Recursos Hídricos – PERH, que estabelece orientações e critérios de gerenciamento da água no Estado até 2038; os Planos de Bacia ou Região Hidrográfica; o enquadramento dos corpos d’água em classes de qualidade, segundo os usos preponderantes; a outorga do direito de uso de recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; o sistema de informações em recursos hídricos; a compensação em recursos hídricos; e o Fundo Estadual de Recursos Hídricos e Florestais – Fundágua.
As ações mais recentes com intuito de garantir a manutenção, proteção e qualidade dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas do Espírito Santo foram anunciadas pelo governo do estado no Dia Mundial da Água, em 22 de março deste ano. Entre elas, está a assinatura de um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) junto ao Ministério Público estadual (MPES) estabelecendo prazos para a definição dos marcos regulatórios e ações necessárias à implantação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos em todas as bacias de rios de domínio estadual.
O TCA também engloba uma estratégia e prazos para definição do formato de agência de bacias a ser adotado no estado e tem como principal meta encontrar soluções de recursos humanos e financeiros para dar suporte técnico aos comitês de bacia, bem como será responsável por implementar as ações previstas nos Planos de Bacias.
Foi divulgado também o boletim de Qualidade da Água de rios e lagoas estaduais, que faz parte do Programa de Monitoramento das Águas Interiores do Estado do Espírito Santo (QualiRios ES), que apresenta resultados dos principais parâmetros de qualidade relacionados aos usos das águas e do solo e do Índice de Qualidade da Água (IQA) – uma importante ferramenta de comunicação para manter a população informada sobre a qualidade da água. Os boletins são divididos por bacias hidrográficas e estão disponíveis no site da Agerh (agerh.es.gov.br).
Fundo para prevenir tragédias climáticas
Há pouco mais de um ano, o Executivo estadual criou um fundo com verba destinada à prevenção de tragédias climáticas no Espírito Santo. O Fundo Cidades – Adaptação às Mudanças Climáticas já investiu R$ 262 milhões desde março de 2023. Todas as 10 microrregiões do estado foram contempladas até o momento.
No primeiro ano de sua implementação, mais de R$ 240 milhões foram destinados aos municípios. Agora, em 2024, esse montante já ultrapassa os R$ 22 milhões. A previsão é que até o final de 2026, aproximadamente R$ 1 bilhão seja investido no Fundo, com ênfase em ações de prevenção e recuperação em áreas atingidas por desastres naturais, preservação ambiental e conservação dos recursos hídricos. Dentre as 22 obras que estão em execução, há projetos de macrodrenagem, contenção de encostas e construção de reservatórios para captação de águas pluviais.
“O governo do Estado está transferindo recursos para fazer com que nossos municípios se tornem mais resilientes aos efeitos das mudanças climáticas, com sustentabilidade a longo prazo. Assim, em parceria com as gestões municipais, protegemos vidas e o patrimônio da nossa população”, argumenta a secretária de Estado do Governo, Maria Emanuela Pedroso, que faz a gestão do Fundo Cidades.
Aporte financeiro específico
Na avaliação do deputado Fabrício Gandini, que preside a Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Ales), que ouviu os comitês de bacias, há necessidade de um aporte financeiro para que esses comitês tenham condição administrativa para atuarem, já que o trabalho é voluntário.
A sugestão é que o governo do Estado crie uma rubrica específica com recurso para esses organismos. “Seria um ganho enorme. Os membros dos comitês são voluntários e eles têm participação na implementação das políticas públicas dos recursos hídricos, mas, na maioria dos casos, não têm estrutura para fazer”, disse o deputado.
No momento, segundo o deputado, a Comissão de Meio Ambiente tem acompanhado a evolução dos planos de saneamento dos municípios, junto com as empresas responsáveis.
Ele frisa que é preciso dar velocidade à questão do tratamento de esgoto, um dos principais poluentes dos rios.
“Estamos muito aquém de resolver o problema, se formos pensar no Marco Legal do Saneamento, que prevê que o acesso aos serviços de abastecimento de água potável deverá alcançar 99% da população, e os de coleta e tratamento de esgoto pelo menos 90% até 2033.”
“Cidades esponjas” podem ser a próxima opção
Projeto de Lei protocolado em abril pelo deputado estadual Denninho Silva e que ainda será analisado pela Assembleia Legislativa propõe que o Executivo estadual aplique aos investimentos e convênios celebrados com os municípios para prevenção e controle de enchentes e alagamentos o conceito de “cidade esponja”.
É considerado “cidade esponja” o modelo de gestão de inundações e sistemas de drenagem que busca absorver, capturar, armazenar, limpar e reutilizar a água da chuva como mecanismo sustentável de redução de enchentes e alagamentos por meio de pavimentação com revestimentos permeáveis ou de estrutura porosa; teto verde; jardins de chuva; valas de infiltração; bueiros ecológicos, equipados com cesto coletor que impede que o lixo das ruas ingresse nas galerias pluviais subterrâneas.
*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 222, de julho de 2024. Leia a edição completa do Anuário Verde sobre águas aqui