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sábado, 27 abril, 2024

Além do tacacá

Por Cláudio Rabelo

Gosto e acompanho todo tipo de comunicação contemporânea, sejam elas disseminadas em mídias sociais, séries, games, podcasts ou serviços de streaming. Embora não me agrade aos sentidos, entendo, aplaudo e torço pelo trabalho e sucesso de quem propaga as culturas que convidam a “tomar um tacacá” ou “chamam de amoooor”. Consumo e me entretenho com o stand up, os memes, menes, dancinhas, montagens, desafios, dublagens, encenações cotidianas, fofocas e até acompanho a ascensão das novas celebridades on-line. Sei que os gurus do marketing, das vendas, da autoajuda, dos algoritmos, dos comportamentos, das finanças, dos relacionamentos, da educação e dos sentimentos estão todos no mesmo barco, buscando a fórmula da própria sobrevivência e por isso tentam criar suas próprias receitas pós-Kotler, com seus quatro 4 I, 9 H, 7 S ou quaisquer outros números seguidos de letras capazes de simplificar a inovação, o mindset ou a educação. Vivemos o império do efêmero, como bem disse Lipovetski. Tudo acontece ao mesmo tempo no mesmo lugar, sem curadoria, sem filtros humanos e com baixíssima criticidade. E vivemos sob o véu dos simulacros, ou seja, as irrealidades tão verossímeis que passam a pautar o real, como nos indicou Baudrillard. O ruim passa a ser sinônimo de bom, o mal passa a ser repetido incessantemente como o bem…ou como formos alertados por Orwel no clássico 1984, a guerra passa a ser considerada a paz, a escravidão é vista como liberdade e a ignorância é vista como a força. Quanto mais fechado o pensamento, mais enlatado o conteúdo e mais disciplinada for a atitude, maior a sensação de liberdade. Quanto mais gente ignorante e cheia da razão, maior será a força de uma ideia idiota. Além disso, também a violência é a todo momento exacerbada como uma forma de buscar a paz.

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Ouvi de um motorista de Uber essa semana:

– O problema dos tempos atuais é a facilidade. Tudo está muito fácil…o jovem tem tudo na mão com a internet.

Como um motorista de aplicativo pode repetir com tanta naturalidade que os tempos atuais estão fáceis? Fáceis pra quem? Ele certamente deve trabalhar bastante e passar por muita dificuldade. Sem saber, repete os discursos que tem ouvido para desqualificar as dores da juventude atual. Entendo o que ele quis dizer, mas tenho um contraponto. Hoje as tecnologias ampliaram exponencialmente as opções. Em vez de assistir passivamente ao filme que passará no horário nobre da TV aberta, um jovem dispende duas horas na angústia para escolher um conteúdo entre os diversos serviços de streaming de vídeo, podcast, jogos, livros…antes de concluir sua decisão, precisa ir dormir, não sem antes tomar um remédio para aliviar suas angústias. Mas antes precisa responder as mensagens de Whatsapp, abrir a caixa de e-mail e a plataforma do seu trabalho, uma vez que o home office “facilitou” o fato de que sua entrega laboral não seja mais restrita ao horário comercial. O resultado: ansiedade, depressão, terror noturno, borderline, entre outras pandemias potencializadas pela angústia em ter que tomar decisões rápidas entre infinitas possibilidades.

Sinto falta da essência jornalística, aquela jurada nos discursos das formaturas…e isso não é uma crítica, mas uma consultoria grátis aos veículos de comunicação. Eu sei que falar dos sheiks capixabas, fenômenos do forró, ex habitantes da fazenda ou até mesmo explorar toda o histórico conjugal de um casal famoso recém-separado pode gerar muitos cliques e até mesmo muito lucro. Mas isso é o curto prazo que matará o potencial curador, a credibilidade, a mitologia de verdade, a apuração e a ética, tão reforçada por personagens como Clark Kent e Louis Lane. O jornalismo tem resistido em longo prazo e assim deve continuar. Onde está o caderno cultural? Para escrever e ensinar preciso (e gosto muito) de ler. Recentemente tenho renovado a minha alma com a leitura de clássicos como O nariz; O fantasma da ópera; o médico e o monstro; O senhor das moscas; Os sofrimentos do jovem Werther, David Coperfield e também tenho passado bastante tempo com a literatura contemporânea de diversas regiões do mundo. Quando leio e entro em estado de imersão literária e constantemente desejo que essa sensação seja disseminada para o mundo. Compartilhar o mesmo sentimento que eu experimento: a paz da literatura… a produção da dopamina, esse neurotransmissor da felicidade que é ativado toda vez que aprendemos algo novo.

Aleatoriedades… nada disso é contemporâneo à minha infância nos anos 1980 ou à juventude que experienciei nos 90´ e 2000´… não sou da época de Da Vinci, Bram Stoker, Charles Chaplin, Mozart, Alexandre Dumas, Machado de Assis… não era nascido quando Walt Disney lançava seus clássicos de animação ou quando Elvis Presley balançava o esqueleto. Também não estive aqui quando minha história favorita, a de Gilgamesh, foi gravada na pedra há aproximadamente 4500 anos. Isso tudo precisa morrer juntamente com seus autores? Onde está a agenda cultural? Não dá clique falar do escritor local, do professor, do diretor de cinema, da peça de teatro ou do single da cantora regional?

Então faço um convite aos leitores para que eduquem os algoritmos. E esta é a base das teorias culturológicas de comunicação: as mídias não produzem porcarias, criando públicos acríticos. O que ocorre é o contrário. Justamente porque os públicos se interessam pelo pensamento mais fácil é que a mídia se alimenta disso. Essa lógica funciona pro futebol, pra sala de aula e pra comunicação. À medida em que as pessoas engajam, clicam, comentam, salvam, compartilham e conversam sobre a cultura, maior será o “interesse” dos algoritmos em entregar um conteúdo de qualidade. Eu aprendi com a Joelma que o tacacá é uma deliciosa sopa de camarão típica do Pará. E isso é muito interessante! Que tal então a gente ampliar os assuntos em vez de repeti-los alienadamente? Uma boa semana e um grande abraço pra quem leu até aqui.

Cláudio Rabelo – Professor da Ufes e autor do best-seller “A estratégia do cafezinho: como transformar produtos em marcas imbatíveis”

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