ES Brasil elenca pautas polêmicas que serão avaliadas pelo Congresso; Votações vão desde jogos de azar até aborto
Por Robson Maia
A capital federal Brasília (DF) é sempre um palco central das grandes definições da legislação brasileira, e, ao que tudo indica, nos próximos meses será responsável mais uma vez por decisões no mínimo controversas. Os parlamentares que compõem a Câmara Federal e o Senado analisarão propostas sobre Lei do aborto, marco legal da IA, reforma tributária, regulamentação do mercado de carbono, além do mercado de apostas.
Lei do Aborto
Entre as polêmicas, é o mais recente e o de maior repercussão. O Projeto de Lei (PL), que equipara qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, foi apresentado na Câmara dos Deputados após ser assinado, inicialmente por 33 parlamentares, incluindo três deputados capixabas: Messias Donato (Republicanos/ES), Evair de Melo (PP/ES) e Gilvan da Federal (PL-ES).
O texto tramitou na Casa em regime de urgência, ou seja, dispensando prazos e outras necessidades regimentais, como avaliações de comissões temáticas e de Constituição e Justiça (CCJ). De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o projeto prevê elevaria a pena a gestantes e médicos em casos de aborto acima da 22ª semana de gestação.
A proposta criminalizaria a interrupção da gestação mesmo em casos atualmente previstos em lei, como quando a gravidez representa risco de vida para a gestante; quando a gravidez é o resultado de um estupro ou quando o feto for anencefálico, ou seja, não possuir cérebro. Para tais casos, atualmente, não há punição ao médico e/ou gestante.
Contudo, a proposta previa aumento da pena em caso de realização do procedimento: para homicídio simples, a pena prevista pelo Código Penal é de seis a vinte anos de prisão em regime fechado. Assim, até 22 semanas, ficam mantidas as penas atuais. Acima deste limite, há a equiparação. Em casos de estupro em que a gestação transcorre há 22 semanas ou mais, o projeto também prevê a aplicação da equiparação.
Sobre os procedimentos abortivos em casos de anencefalia do feto ou risco à saúde da gestante, ficaria mantido o que prevê atualmente o Código Penal.
Após ampla pressão por parte de deputados que se opõem à medida, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou do avanço da proposta e anunciou a criação de uma Comissão para debater o tema antes de uma eventual votação em Plenário. Lira anunciou ainda que a proposta será debatida no segundo semestre depois do recesso parlamentar.
“Reafirmar a importância do amplo debate. Isso é fundamental para exaurir todas as discussões, para se chegar a um termo que crie, para todos, segurança jurídica, humana, moral e científica sobre qualquer projeto que possa a vir a ser debatido na Câmara”, disse. “Nunca fugiremos a essa responsabilidade de fazer o debate e fazê-lo com exatidão e nunca faltar com espírito aberto e democrático para que a sociedade participe”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados.
Na última quinta-feira (28), Sóstenes Cavalcante afirmou que irá propor alterações no texto para que a mulher estuprada que optar por interromper a gestação não seja mais acusada de cometer crime. Segundo o parlamentar, a mudança de posicionamento foi motivada após assistir um vídeo “inspirador” da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Marco Legal da IA
Após avançar na Câmara dos Deputados ainda em 2021, o PL conhecido como Marco Legal da IA dá seus primeiros passos no Senado Federal. No início de maio, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) apresentou o texto preliminar da proposta na Casa que reúne ideias da proposta que chega da Câmara, com indicações do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O texto define “sistema de inteligência artificial” como um “sistema baseado em máquina que, com graus diferentes de autonomia e para objetivos explícitos ou implícitos, infere, a partir de um conjunto de dados ou informações que recebe, como gerar resultados, em especial, previsão, recomendação ou decisão que possa influenciar o ambiente virtual ou real”, além de elencar tipos da tecnologia, como IA generativa
Com um sistema de classificação de riscos, o documento guarda semelhanças tanto com o europeu AI Act, quanto com o AI Executive Order norte-americano, com uma abordagem híbrida que envolve diversas áreas do aparato estatal.
As regras descritas no documento não são válidas para sistemas desenvolvidos para uso particular e não econômico, nem para os desenvolvidos para fins de defesa nacional ou atividades de pesquisas, e para aqueles de formatos abertos e livres, “exceto aqueles considerados de alto risco”.
Os direitos das pessoas e grupos afetados pela IA, de acordo com o texto, são o direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial, de forma acessível; direito à privacidade e à proteção de dados pessoais; direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de IA; direito à não-discriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos, indiretos, ilegais ou abusivos.
Na prática, a proposta impactaria as empresas, pois abrange serviços como o do ChatGPT, o popular robô de bate-papo (chatbot) gratuito capaz de produzir texto e trazer informações sobre assuntos diversos; além de ferramentas de aprendizado de máquina (machine learning) usado por bancos, empresas de seguranças, dentre outras áreas.
Reforma Tributária
Tema que gerou extremo temor para gestores estaduais durante os últimos anos, a nova Reforma Tributária segue tendo desdobramentos em Brasília. Após a promulgação, o projeto segue sendo ajustado antes do período de transição financeira para os Estados
O período de transição da Reforma Tributária terá início em 2026 e está prevista para valer integralmente a partir de 2033. A Reforma Tributária foi promulgada no dia 20 de dezembro pelo Congresso, entretanto, existem ainda várias Leis Complementares e outras regulamentações que determinarão, ao longo dos próximos meses e anos, todas as regras do novo marco.
O novo modelo de tributação será o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA Dual) — um contemplando impostos federais e outro estaduais/municipais). Conforme o previsto na proposta de emenda constitucional (PEC), em 2026 serão criados os dois novos impostos com alíquotas iniciais de 0,9% para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS – em substituição aos impostos federais) e 0,1% para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS – em substituição aos impostos estaduais e municipal). A partir de 2027, a CBS entrará em vigor com uma alíquota a ser determinada, ao mesmo tempo em que o PIS/Pasep e a Cofins serão extintos.No que diz respeito ao IBS, a transição terá início em 2029 e se estenderá até 2032.
A cada ano, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas em 10 pontos percentuais, enquanto a alíquota do IBS aumentará na mesma proporção. Portanto, em 2029, a alíquota do IBS será equivalente a 90% da alíquota praticada pelo ICMS e pelo ISS em 2028, e em 2032, atingirá 60%.
Em Brasília, o Congresso avalia pontos decisivos da Reforma, como percentual de taxação sobre produtos importados, e quais produtos serão incluídos na cesta básica com impostos zerados, por exemplo.
Regulamentação do Mercado de Carbono
Já na fase final de análise pelo Senado, a regulamentação do mercado de carbono promete revolucionar o cenário socioeconômico e ambiental do país.
A proposta estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que funcionará com base no sistema internacionalmente conhecido cap-and-trade, onde se impõe um limite máximo de emissões e é possível comercializar direitos de emissão, internacionalmente conhecidos como allowances e definidos como Cotas Brasileiras de Emissões (CBE) no projeto de lei.
De acordo com especialistas, o mercado de carbono é uma ferramenta estratégica para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e combater as mudanças climáticas, além de criar impactos no sistema financeiro. O mercado funciona como um sistema de compra e venda de créditos de carbono, incentivando a adoção de práticas sustentáveis pelas empresas e promovendo a transição para uma economia de baixo carbono.
O Brasil, ao ratificar o Acordo em 2016, comprometeu-se a reduzir emissões até 2025 e atualizou sua meta na COP 26 para uma redução de 50% das emissões de GEE até 2030.
Casas de apostas e jogos de azar
Há pouco mais de uma semana, a CCJ aprovou a proposta que legaliza o jogo do bicho e permite apostas em corridas de cavalos, restando apenas a votação dos parlamentares. O PL já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e será votada em Plenário em breve.
Relator da proposta, o senador Irajá (PSD-TO) mencionou que os países que “regulamentaram com responsabilidade” os jogos e apostas tiveram crescimento social e econômico, com o aumento do fluxo de turistas. O relator afirmou que os investimentos a partir da aprovação do projeto podem chegar a R$ 100 bilhões, com a geração de cerca de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. A arrecadação potencial por ano, segundo ele, seria de R$ 22 bilhões, divididos entre os estados, os municípios e a União.
Segundo o relator, os vários tipos de jogos atualmente considerados ilegais teriam movimentado algo entre R$ 14,3 bilhões e R$ 31,5 bilhões em 2023. A estimativa considerou como base dados do ano de 2014 com a atualização da inflação.
A proposta está em análise no Senado desde 2022. O texto original foi apresentado na Câmara ainda em em 1991. Parlamentares contrários ao texto afirmam que o projeto pode incentivar a ludopatia (vício em jogos) e crimes, como lavagem de dinheiro, tráfico e prostituição.
De acordo com o texto aprovado, será autorizada a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, isto é, resorts e hotéis de alto padrão com pelo menos 100 quartos, além de restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais.
Uma emenda incluída no texto determinou que os cassinos deverão funcionar em complexos integrados de lazer ou embarcações especificamente destinados a esse fim. Haverá o limite de um cassino em cada estado e no Distrito Federal, com exceção de São Paulo, que poderá ter até três cassinos, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará, que poderão ter até dois, cada um, em razão do tamanho da população ou do território.
Também poderão ser instalados cassinos em embarcações marítimas (no limite de dez, em todo o país) e em navios fluviais com pelo menos 50 quartos, dentro dos seguintes limites: um cassino em cada rio com extensão entre 1,5 mil e 2,5 mil quilômetros; dois em cada rio com extensão entre 2,5 mil e 3,5 mil quilômetros; e três em cada rio com extensão acima de 3,5 mil quilômetros.