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quinta-feira, 2 maio, 2024

Tributos: Os dois quintos dos infernos

Tributos: Os dois quintos dos infernos

Como a carga tributária brasileira empurra o desenvolvimento cada vez mais para baixo, e afasta o empresariado capixaba do céu da economia perfeita

1792. Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira, é morto e esquartejado por questionar a alta carga de impostos cobrados no Brasil Colônia. Na época, a coroa portuguesa retirava dos bolsos dos brasileiros, semestralmente, um quinto de tudo que se produzia. O imposto era chamado, previsivelmente, de “O Quinto”. É de autoria do inconfidente a expressão “o quinto dos infernos”, com a qual ele apelidou a carga tributária colonial e afrontou as autoridades, o que acabou lhe custando a vida.

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221 anos depois, a impressão que se tem é de que a morte de Tiradentes foi em vão. Dois séculos depois da luta para aliviar o peso dos tributos, os cofres públicos – não mais os portugueses, mas tão famigerados quanto – absorvem cerca de 36% do Produto Interno Bruto. Em 2012, R$ 1,597 trilhão foram destinados a manter funcionando a máquina pública. Este ano, já foram quase R$ 1 trilhão, segundo o Impostômetro. Agora, são dois quintos infernizando a vida dos brasileiros.

Especialista em gestão tributária, Renata Santana Santos explica que esta é a mais alta carga do mundo. “Nossa legislação não é coesa. O Brasil não se organizou para ter uma legislação tributária, então, à medida em que foram necessários, os tributos foram aparecendo. Por exemplo, não tinha indústrias no Brasil, depois da Grande Guerra Mundial a gente diminuiu a exploração de produtos primários, porque não tinha quem comprasse, e começaram a surgir as indústrias, com elas o IPI. Esse emaranhado causa a grande carga tributaria”, explicou.

Três Esferas

É um erro comparar tributos a impostos. Pela legislação brasileira, tributo é todo pagamento compulsório feito em favor da administração pública e que não seja fruto de punição, como as multas, por exemplo. Nessa lista entram os impostos, as taxas para a prestação de serviços públicos e a contribuição por melhorias provenientes de obras públicas. Por isso, a lista é tão extensa e, muitas vezes, confusa.

Na complexa rede, nada menos que 89 tributos recaem sobre nossas finanças, segundo o Portal Tributário. São taxas pagas às três esferas do poder executivo – federal, estadual e municipal – , algumas delas por praticamente todos os contribuintes, como a Contribuição Previdenciária, o famoso INSS, pago ao governo federal. Outras que, provavelmente, você sequer ouviu falar, como a Taxa de Combate a Incêndios, devida às prefeituras.

Nos municípios, a principal tributação que recai sobre o empresariado é o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), pago por todas as empresas. Somando-se a arrecadação de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, o montante chega a quase R$ 500 milhões. Algumas atividades ainda contribuem com taxas de alvarás de localização e funcionamento, e taxas de vigilancia sanitária ou meio ambiente. O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), a taxa de coleta de resíduos sólidos (TCRS) e a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip) são cobrados de empresas que têm imóvel próprio no município.

Quando o assunto é a esfera estadual, o principal arrecadador é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, o ICMS. No Espírito Santo, O valor chegou a R$ 9 bilhões em 2012.

Já para os cofres da União, a maior contribuição capixaba está nos impostos sobre a renda – IRPF, para pessoas físicas e IRPJ para jurídicas. Em abril, mais de R$ 375 milhões foram recolhidos só para esta taxa, 21% da tributação federal. Taxas como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Importação também figuram entre as principais. Na soma, capixabas pagaram mais que R$ 1,7 bilhão, em um mês.

Para o Diretor para Assuntos Tributários da Federação Nacional das Indústrias (Findes), Gibson Barcelos Regianni, a carga tributária brasileira se resume em três adjetivos: pesada, confusa e insegura. “É impossível, hoje, saber se você está certo ou se está inadimplente. Apesar da preocupação das empresas, isso é impossível, porque a tributação muda diariamente. Não existe nenhuma perspectiva de melhora”, afirmou.

O Espírito Santo

Para os capixabas, a esperança está nos incentivos fiscais, pelo menos por enquanto. Nos municípios, a parcela mais pesada da tributação é, também, a que recebe mais atenção do poder público. Na Grande Vitória, as alíquotas de ISS variam entre 2 e 5%, de acordo com o tipo de serviço prestado.

Em âmbito estadual, o governo mantém um diálogo constante com a classe empresarial, no intuito de viabilizar a manutenção das empresas já instaladas e tornar o mercado atraente para novos investidores. A subsecretária de desenvolvimento do Estado, Cristina Santos, afirma que o diálogo facilita o crescimento. “Nosso objetivo não é só dar benefícios fiscais, mas debater todos os fatores de competitividade do setor e, dessa forma, fazer com que nossa economia cresça”, explicou.

O Estado oferece duas linhas de incentivo, o Compete-ES e o Invest-ES. O primeiro surge diretamente da troca de ideias entre estado e empresas. O Contrato de Competitividade concede benefícios a setores produtivos locais, mantendo a competitividade das empresas capixabas no mercado nacional. Este ano, os contratos de 18 setores industriais foram atualizados, entre eles o de Rochas Ornamentais, o de Argamassa e Concreto e o de Móveis Seriados.

Já o Programa de Incentivo ao Investimento no Estado do Espírito Santo, o Invest-ES, contribui para a expansão, modernização e diversificação dos setores produtivos, estimulando a realização de investimentos, a renovação tecnológica e, assim como o Compete-ES, o aumento da competitividade estadual, dessa vez com ênfase em geração de empregos e na redução das desigualdades sociais e regionais. Só no ano passado, 52 projetos foram enquadrados no programa.

Com os incentivos, a receita tributária no Espírito Santo passa a ganhar no volume. A conta fecha assim: mais empresas são atraídas pelas vantagens fiscais, empresários pagam menos e Estado recolhe mais. A arrecadação de ICMS na indústria, principal beneficiada pelos incentivos, passou de R$ 431 milhões no ano passado para R$ 542 milhões nos quatro primeiros meses de 2013. No comércio, a arrecadação do imposto passou de R$ 524 milhões para R$ 535 milhões. Na substituição tributária, os valores saltaram de R$ 489 milhões para R$ 567 milhões e no setor de energia elétrica o aumento foi de R$ 258 milhões para R$ 272 milhões.

Bom né? Nem tanto. Hoje, a competitividade capixaba frente ao mercado nacional depende, absolutamente, desse cenário. “O Espírito Santo está vivendo de incentivo fiscal. Tem muitas empresas que só estão aqui por causa desses estímulos, só que, para o Estado conseguir manter os benefícios, ele precisa do acordo das outras unidades federativas, o que e é difícil porque é como se os outros estados validassem os nossos incentivos. Existe uma guerra fiscal, porque as empresas vão deixar de se instalar em outros lugares para procurar as melhores condições”, afirmou Renata.

A especialista fala a respeito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários de fazenda de todos os estados na tentativa de realizar acordos e promover um equilíbrio nacional. E essa guerra fiscal tem colocado a economia capixaba em uma situação delicada, por causa de questionamentos levantados em torno do Compete-ES e do Invest-ES. A Secretaria de Estado da Fazenda busca aprovação dos outros estados para manter os incentivos. Segundo Renata, o Estado nunca viveu uma realidade como esta e uma decisão, que deve sair em breve, pode levar o Estado a perder competitividade.

“Sem dúvida, pode acontecer uma quebradeira. Na realidade você está dizendo para todos os empresários que eles correm o risco de, de repente, terem que pagar todos esses impostos. Obviamente, as empresas não estão preparadas para isso. Isso significa decretar o fim do pacto industrial brasileiro. Essa insegurança é muito séria”, afirmou Regianni.

Uma perspectiva complicada para as empresas instaladas em terras capixabas, que ainda buscam se reorganizar depois do fim do Fundo das Atividades Portuárias (Fundap). Os cofres capixabas deixaram de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão por ano e cerca de 50 mil empregos podem deixar de existir. A arrecadação de ICMS Fundap no primeiro quadrimestre desse ano caiu de R$ 735 milhões para R$ 349 milhões. A guerra fiscal ainda lançou outra bomba sobre as finanças capixabas. Em maio, o Confaz regulamentou o acordo que determina que todo produto com mais de 40% de conteúdo importado passe a recolher ICMS de 4%.

De acordo com dados da Receita Federal, o Espírito Santo ocupa o quinto lugar, no Brasil, em arrecadação sobre importações. Em abril foram recolhidos aos cofres federais mais de R$ 203 milhões. O complexo portuário capixaba é um dos maiores da América Latina e o maior em volume de cargas no Brasil. No Espírito Santo, o comércio internacional responde por cerca de 45% do Produto Interno Bruto, o que faz do setor de importação e exportação o mais importante da economia do Estado.

O presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex), Severiano Imperial, ainda lembra que, além do Imposto de Importação, taxas aduaneiras e custos com intermediários e logística, as empresas do setor também arcam com toda a tributação paga por outros setores.

“Consequentemente, essa altíssima carga tributária é transferida ao produto, chegando ao bolso do consumidor final. Em itens considerados supérfluos, como bebidas, ou aqueles com similares produzidos no País, como calçados, em que o Governo Federal quer proteger o mercado nacional, o imposto tende a ser ainda maior”, explicou Imperial.

E não é só o setor de importação que precisa repassar o peso dos tributos ao valor final. Itens de primeira necessidade também são altamente tributados. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o arroz e o feijão trazem, em seu preço final, 17,24% de impostos cada. A carne tem quase 24% e a pasta de dente, 31,5%.

Segundo Regianni, apesar de sentir no bolso o peso dos tributos, o consumidor final ainda não consegue ter a verdadeira dimensão do problema. “Se você tenta jogar a carga tributaria integralmente em um produto, você não consegue vender. Então, a nossa briga por redução tributaria obviamente vai beneficiar o empresário, mas em hipótese nenhuma esse beneficio vai ficar retido às empresas”, afirmou.

Reforma

Há esperança de melhora do cenário? Talvez. Desde o início do ano, uma reforma vem sendo ensaiada no intuito de reorganizar a confusa rede de tributos brasileira. A ação que foi centro do discurso de abertura do Presidente do Senado, Renan Calheiros, no inicio dos trabalhos da Casa, em fevereiro, tem caminhado como diz a música: com passos de formiga e sem vontade.

Para alguns especialistas, a reforma, como vem sendo feita, só aumenta remendos à colcha de retalhos. O trabalho se desenvolve tributo a tributo, de forma que, no fim das contas, novas emendas podem gerar ainda mais confusão. A reforma também não é garantia de redução de taxas, afirma Renata: “O Brasil já passou por quatro reformas tributárias. Em nenhuma delas o valor dos impostos diminuiu”.

O que a especialista defende é que é impossível a eficiência sem uma reforma política. “Hoje não é possível reduzir a carga tributária brasileira sem pensar em enxugar os gastos da máquina pública. Se a gente conseguir fazer a reforma política e os gastos forem reduzidos, já deveria acontecer uma redução da carga automaticamente, mesmo sem a reforma tributaria. Hoje, nosso maior problema não é a reforma tributaria, nosso maior problema é a reforma política”, afirma.

Só o sustento dos 39 ministérios do governo federal custa R$ 58,4 bilhões por ano, de acordo com o Orçamento Geral da União. Quando somados as outras despesas federais, os custos de manutenção das 27 unidades federativas e dos mais de cinco mil municípios brasileiros, essa soma fica incalculável. O problema é que esses gastos não representam um retorno à população. Dados do IBPT divulgados em abril indicam que, entre as 30 maiores arrecadações do mundo, o Brasil ocupa a 30ª posição em prestação de serviços públicos de qualidade.

Para Renata, essa falta de retorno do governo deve ser o principal alvo das reformas que vêm acontecendo. “Ainda é difícil dizer em quanto vai ficar a carga tributária, mas dificilmente vai diminuir. O que é necessário, pelo menos, é que a população passe a desfrutar de bons serviços, e que haja transparência nas contas públicas. Assim, empresários, consumidores, todas as parcelas da população poderão saber onde, exatamente, é aplicado o dinheiro dos tributos.”

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