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sexta-feira, 26 abril, 2024

ES Brasil entrevista Elisa Lucinda

ES Brasil entrevista Elisa Lucinda

Elisa Lucinda fala ao ES Brasil sobre início da vida no Estado e desafios para impulsionar cena de arte local

*Por Yasmin Vilhena

Nascida em Vitória e criada no bairro de Itaquari, em Cariacica, Elisa Lucinda possui um jeito ímpar de dizer versos, fazendo com que todos entendam seu conteúdo e se apaixonem pela beleza da poesia. Nesta terça (19), em que é celebrado o Dia Nacional do Teatro, o ES Brasil recupera a entrevista exclusiva com a artista, na ocasião da Feira Literária de Vila Velha (FELIVV), publicada edição da revista em setembro de 2022. 

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Além de admirada por inúmeros espetáculos e recitais em teatros, Elisa Lucinda é idealizadora e fundadora da Casa Poema, que tem seu foco de atuação na arte-educação. Após lançar seu primeiro romance no ano passado, a artista revela em entrevista exclusiva à revista ES Brasil seus anseios e desejos para tornar o Espírito Santo uma grande referência em todo o país. Afinal, como já dizia o samba-enredo da Independente de Boa Vista – sua escola de samba do coração – “ser capixaba também é chique”.

– Como era a sua vida no Espírito Santo antes de se mudar para a cidade do Rio de Janeiro? Do que sente mais falta?

Sinto muita falta da minha família, da minha irmã, de ver os meus sobrinhos crescerem e poderem falar: “vamos na casa da titia?”. Eu nasci em Vitória, mas fui criada no bairro de Itaquari, em Cariacica, e durante toda a minha infância tive muito contato com as belezas naturais do Espírito Santo, com as praias por exemplo. Tinha uma liberdade muito boa. Isso tudo ficou escrito de uma forma maravilhosa no meu peito. A herança capixaba é a coisa mais rica que eu trago na minha biografia.

– Você faz parte de um seleto grupo de capixabas que possuem destaque a nível nacional e que em busca de seus sonhos, se aventuram em outros estados brasileiros. Qual a sua avaliação sobre a arte do Espírito Santo de uma forma geral? 

Eu acho que temos grandes artistas plásticos de qualidade no Estado. Apesar de precisarem ter mais incentivo, eles ainda possuem mais espaço do que o teatro capixaba, que infelizmente não teve grandes crescimentos ao longo dos anos. Eu gostaria que o movimento teatral do Espírito Santo estivesse com mais força e bem mais expressivo, como o teatro baiano, que eu conheço bem. O Espírito Santo continua sendo muito tímido nesse aspecto da arte, pois ele continua sendo um Estado que não dá muito valor aos seus artistas.

– Podemos dizer que falta um incentivo para os capixabas que desejam seguir carreira na música, literatura ou teatro? Existe oportunidade nestes tipos de mercado?

Na música conseguimos ver um pouco de crescimento, principalmente pelo trabalho do Alexandre Lima que modernizou bastante o meio musical e cultural capixaba. Mas do que adianta termos músicos maravilhosos se eles não têm lugar para tocar? Muitos bares fecharam, tivemos muita proibição de som nos bairros e isso é um absurdo. Voltando a responder a sua pergunta anterior, sabe do que eu sinto muita falta? Da inteligência do povo capixaba, que é muito particular e ousada. Temos pessoas muito criativas, mas que infelizmente não conseguem ter um espaço. Isso me incomoda muito.

– O que poderia ser feito para mudar essa situação? Como investir mais em cultura?

É preciso ter mecanismos que revelem mais a cultura. Quando o Renato Casagrande me convidou para ser secretária de Cultura do Estado, eu acabei não aceitando porque não podia me dedicar 100% e também não queria abandonar a minha carreira. Não teria como fazer as duas coisas, ou seja, coordenar a minha vida artística e ainda exercer uma carreira pública. Caso aceitasse eu iria “cair dentro” e me dedicar ao máximo. Me lembro que em uma conversa com o Renato (Casagrande) falei que seria importante termos esses mecanismos para descobrir novos talentos. Cheguei até a citar um exemplo de quando estava em Itaúnas mergulhando e uma menina veio na minha direção perguntando se poderia sonhar em ser atriz. Acabei ficando meio sem resposta, pois é muito difícil uma pessoa conseguir oportunidades no meio artístico morando no interior. Se já é difícil para quem mora na Grande Vitória, imagina para quem vive em municípios mais distantes? O Festival de Cinema do Estado está ganhando cada vez mais prestígio, mas ninguém de fato sabe o que acontece no teatro capixaba. É preciso mais. Precisamos ter mais escolas de formação voltadas para os artistas. A economia criativa está virando uma tendência no Brasil e isso precisa ser bem aproveitado.

– Alguns capixabas costumam afirmar que falta uma identidade cultural no Estado. Um dos grandes motivos está relacionado ao fato de darmos muito valor a localidades vizinhas como São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente quando o assunto envolve futebol. Você concorda com isso?

O Estado está sem força de identidade cultural. Porque ao invés de dançarmos o axé music nós não botamos o congo na roda? O Manimal fez um trabalho bacana e o Casaca também faz, mas isso ainda é pouco, pois precisamos divulgar para todo o país. O capixaba precisa lutar mais pela sua identidade. Apesar de morar no Rio de Janeiro há quase 30 anos eu ainda faço questão de falar o sotaque capixaba. Eu uso coentro, tenho panela de barro e sempre que posso faço moquecas maravilhosas. Até fiz uma no programa da Angélica.

– O Espírito Santo é repleto de belezas e paisagens maravilhosas, e mesmo assim, não temos uma divulgação tão grande em nível nacional. O que poderia ser feito para mudar essa questão? 

Infelizmente muitas pessoas não têm consciência da nossa riqueza turística e isso me deixa muito incomodada. Precisamos ter uma educação que reforce a nossa identidade, seja nos hotéis ou nas escolas. Dia desses assisti a uma apresentação na Bahia, de um grupo chamado ‘Cria’ que trabalha com meninos da periferia. Eu gostei tanto que até chorei, pois foi uma peça de teatro escrita por eles que nos mostrou todas as características baianas. O mais interessante disso tudo é que não foi de um jeito estereotipado, foi de um jeito lindo. O baiano reforça a sua cultura e isso acaba fortalecendo o povo, diferente do Espírito Santo. Para você ter ideia, eu passei por uma situação que me deixou bastante impressionada em um hotel na Praia do Canto, quando vi um casal de turistas pedindo uma sugestão de restaurante para conhecer. Os funcionários indicaram uma churrascaria. Como que pode um negócio desses? Tem que indicar a moqueca, o pirão, um passeio pelos pontos turísticos como o Convento da Penha e por aí vai. Para mudar isso é preciso ter toda uma reeducação. Tem gente que nem sabe que as cores da bandeira representam o céu capixaba, que é lindo. Precisamos ter mais cartões de visita.

– O Estado tem prestado muita atenção na economia criativa para potencializar os talentos individuais e o uso da propriedade intelectual, a exemplo da Fábrica de Ideias, instalada em Vitória. Qual a importância que você vê em investirmos em criatividade?

Ninguém é só bom em uma coisa, as pessoas possuem inúmeras aptidões que podem ser desenvolvidas. Eu, por exemplo, sou atriz, escritora, professora, cantora, jornalista… Gosto de desenhar, pintar, cozinhar, fazer enfeites, enfim, gosto de me dedicar ao que me faz bem. Todas essas características que eu citei acima não são antagônicas, pois elas se relacionam a mim. Ou seja, a economia criativa é um instrumento que pode cada vez mais estimular a vocação das pessoas. Infelizmente, o dom de tocar um instrumento ou de cantar, não é tão levado a sério como o dom da medicina, e isso fez com que os profissionais não tivessem mecanismos para desenvolver essas qualidades. A economia criativa está surgindo – antes tarde do que nunca – para criar mecanismos que possam auxiliar as pessoas que desejam viver de arte.

– Mesmo morando no Rio de Janeiro você sempre faz questão de prestigiar o Carnaval de Vitória, esbanjando muita alegria e simpatia. Já foi, inclusive, homenageada pela Boa Vista em 2012, com o enredo “Vida em poesia… A lira que é Lucinda”. Como acompanha a evolução do carnaval capixaba ao longo dos anos?

Só tenho elogios. O nosso carnaval está se tornando cada vez mais referência no Espírito Santo e se tornando um lugar “bacanérrimo”. Ele é maravilhoso e não deixa a desejar em relação aos outros carnavais. Para ficar ainda melhor, seria muito legal que o Sambão do Povo tivesse tortinha capixaba para vender, acho que isso iria ajudar ainda mais a nossa identidade, mostrando ao turista um pouco da gastronomia local. Outra grande vantagem que eu vejo é que ele é realizado em uma data ótima, antes do carnaval oficial. As alegorias estão evoluindo bastante e ficando com um acabamento bem melhor. O interessante é que no Carnaval de Vitória, conseguimos ver um intercâmbio interessante entre as escolas do Espírito Santo e profissionais de outro Estado. Estão de parabéns.

– Você acha que ele está no mesmo nível dos carnavais do Rio de Janeiro e São Paulo, ou ainda temos um longo caminho para percorrer?

Apesar do Carnaval Capixaba ter melhorado bastante, ele ainda não está no mesmo nível do Rio e de São Paulo. Temos que percorrer um grande caminho, sim. Experiência conta muito nessa hora, pois o Rio de Janeiro está a muitos anos na frente. Mas é o um carnaval que não decepciona ninguém, pelo contrário, ele é maravilhoso.

– Você é considerada como uma das maiores referências da poesia brasileira. Como se sente ao ver todo esse reconhecimento?

Fico muito feliz de ser considerada como um orgulho capixaba. No carnaval do Espírito Santo, eu fiz muita questão de colocarmos a frase “capixaba também é chique” no samba-enredo da Boa Vista, pois eu queria que nós cantássemos esse trecho na avenida. Quis mostrar para todo mundo que eu tenho orgulho de ser capixaba e que as pessoas podem me ver como referência. Algo que eu não tive no começo, pois o Roberto Carlos nunca falou isso. Eu tinha referências locais, mas ninguém a nível nacional. Ser hoje uma poetisa reconhecida é bom demais, pois foi o Espírito Santo que me ensinou a ser essa poesia que eu sou e que eu sei fazer.

– Foi lançado recentemente o seu primeiro romance “Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada”. Como foi o processo de criação da obra?

Foi uma viagem. Eu fui outra em forma de romance, como se tivesse vivido um personagem no teatro. Eu brincava de ser o Fernando Pessoa, de pensar como ele e com a aquela maré alta da existência humana que bate no coração daquele homem. Foi uma delícia fazer e escrever em primeira pessoa, pois eu tirei a voz do narrador e virei a própria narradora. Foi um romance muito inusitado, servindo como um livro de documento e com fotos lindas. Estou muito empolgada, até porque o livro já esgotou em apenas três meses. Sem contar que ele foi lançado entre a Copa do Mundo e as Eleições, ou seja, em um período ingrato. O importante é que deu tudo certo.

– No mês de setembro você ficou em cartaz no Rio de Janeiro com o espetáculo “Olhos da Cara”, na qual experimentou um formato inédito entre canções e poesia. Fale um pouco desse trabalho.

Nesse trabalho eu canto “à capela”, não tem nenhum instrumento. É muito diferente de tudo que já fiz e ao mesmo tempo é a minha cara. O espetáculo é dirigido pelo meu filho, Juliano Gomes, então está sendo bem interessante. Na peça, o que manda é a palavra, ou seja, nas músicas que eu canto algumas pessoas acabam tendo uma percepção diferente do significado delas. Algumas já até me falaram: “poxa, não sabia que essa letra queria dizer isso”. Essa é minha brincadeira.

– Poderia recitar um poema para finalizar a nossa entrevista?

Pensando agora eu diria assim: “o que eu não daria, meus tesouros, meus palácios, minha riqueza por essa riqueza de uma tarde capixaba. De um céu azul e rosa, minha poesia, minha prosa. Queria fazer uma panela de barro e uma comida de coentro, para oferecer a rapaziada brasileira e mostrar que o capixaba não é brincadeira”.

*Foto: Vantoen P. Jr.

A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.  

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