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sexta-feira, 29 março, 2024

Diógenes Lucca Fundador do GATE fala sobre os desafios da segurança pública

Tenente-coronel da reserva da Polícia Militar, Diógenes Lucca é referência quando o assunto é a área de segurança pública.

* Por Yasmin Vilhena

Fundador e ex-comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da PM de São Paulo, o entrevistado do mês da revista ES Brasil também é especialista em gerenciamento de crise e negociação, o que o torna conhecido por nunca ter perdido um refém em todas as operações que conduziu.

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Como avalia a sua trajetória profissional e quais os principais desafios enfrentados ao longo de sua carreira?
Com apenas 15 anos de idade, fiz o curso médio dentro da polícia e depois fiquei mais três anos no curso superior. Logo que me formei, com 20 anos, realizei o sonho de trabalhar na Rota, que é o Batalhão Tobias de Aguiar, em São Paulo. Lá foi o pontapé inicial na minha carreira, pois tive bons comandantes e pessoas que me ensinaram a trabalhar. Acredito que uma coisa vai ligando a outra e que esses pontos vão se conectando, pois a partir dali foram surgindo novas oportunidades dentro da própria Rota e no Gate, tropa especial que possui os moldes da Swat americana e da GSG 9 alemã. Fiquei 11 anos no Gate, sete deles como comandante, em um período de muita efervescência da violência urbana em São Paulo, que foi de 1998 a 2005, época em que o PCC (Primeiro Comando da Capital) começou a botar as manguinhas de fora. Mesmo que o período tenha sido turbulento, tive muito aprendizado, pois pude participar de inúmeras ocorrências.

Além de ter participado de mais de 100 negociações, o senhor também é bastante conhecido por nunca ter perdido um refém nas operações que comandou. Que fatores justificam essa experiência de sucesso?
Este é o meu maior prêmio: o fato de nunca ter perdido um refém e de também nunca ter tido um policial meu morto ou preso. Atribuo essa realidade a duas coisas. A primeira delas é o conhecimento, pois eu me especializei nessa área e estudei muito o gerenciamento de crise, o que me deu muito subsídio para fazer o que é certo na hora certa. Outro aspecto importante nesses resultados é que eu sempre fui muito rigoroso em relação à organização do local, a seguir fielmente os princípios doutrinários, a não me flexibilizar para agradar a um ou a outro, nem para fazer política. Se eu estava em uma ocorrência com refém, o meu foco era resolver aquela situação da melhor maneira possível.

Como foi lidar com o sequestro do apresentador Silvio Santos? O fato de ele ser extremamente conhecido aumenta ou reduz os riscos?
Essa foi uma ocorrência totalmente atípica, pois nas centenas de operações que eu participei, eu nunca negociei com um refém. Quando existe uma situação dessa, nós podemos oferecer apenas duas coisas para o criminoso: ou ele vai para o cemitério ou ele vai para a cadeia. E o bom negociador tem que mostrar para ele que a cadeia é um bom negócio, pois muitas vezes o refém, para sair daquela situação, pede para que sejam atendidas todas as exigências do criminoso, e isso não pode ser feito de maneira alguma. No caso do Silvio Santos, vejo que ele tentou negociar por interesse altruísta e egoísta. Altruísta porque o Silvio sempre trabalhou com pessoas, sempre foi um animador e por conta das próprias convicções pessoais dele, não quis que nada acontecesse com o sequestrador.

Já no aspecto egoísta, acredito que o Silvio tenha percebido que o sequestrador era um jovem megalomaníaco e, por conta disso, não quis deixar a própria vida nas mãos de um garoto de 19 anos. Foi aí que ele deve ter pensando em assumir a negociação, e pediu para que eu levasse o secretário de Segurança Pública ao local. Como sempre fui fiel à doutrina, não iria permitir isso, o que foi muito difícil, pois muitos superiores queriam resolver logo a ocorrência. Mesmo sendo firme nessa negativa, fui surpreendido com uma determinação superior para tentar fazer com que o governador fosse até o local, o que de fato aconteceu.

Diógenes Lucca Fundador do GATE fala sobre os desafios da segurança pública

O que poderia ter acontecido de errado nessa situação?
As coisas deram certo, mas poderiam não ter dado. O estrategista tem sempre que pensar no cenário pessimista, ou seja, no pior que pode acontecer. Aquele jovem poderia ter matado o Silvio Santos e se matar depois. Imagine uma situação dessa com o governador no local? Percebe o risco institucional que isso representa? Sem contar que isso poderia abrir precedentes para que outros criminosos exigissem a presença de autoridades. Sob o ponto de vista do resultado, a ocorrência foi um sucesso: o Silvio está vivo, o criminoso foi preso, e nenhum policial se feriu. Mas mesmo assim eu questiono muito todo o processo para se chegar a esse resultado. Não deveria ter sido feito dessa maneira.

Como o senhor avalia a área de segurança pública atualmente? Tivemos grandes avanços nos últimos anos?
Mesmo que ainda se tenha um sentimento de insegurança e impunidade, vejo que tivemos importantes avanços em termos de tecnologia, mudanças na forma de atuação da polícia, dentre outros aspectos. As manchas criminais de São Paulo são um bom exemplo, pois temos informações que entram no sistema Infocrim, o que possibilita com que o comandante tenha um mapa criminal de sua área de atuação para que ele possa planejar melhor a sua ação. O controle estatístico está mais eficiente, mas o problema é que as pessoas não sentem isso, até porque elas só leem notícias negativas, que são muito veiculadas na mídia de uma forma geral.

A Lei do Desarmamento contribuiu para essa redução ou colocou a população à mercê dos criminosos?
A Lei do Desarmamento ajudou muito, pois diminuiu um pouco a oferta desse tipo de material tão importante para os criminosos. Mas a questão é: quem entregou as armas? Só os cidadãos de bem, pois os bandidos não fizeram isso. Enfrentamos hoje um problema muito sério que são os assaltos feitos com arma de uso restrito, como o fuzil. Por mais que a segurança tenha melhorado, os criminosos também acompanharam essa evolução. Com a entrega as armas, os criminosos se sentiram mais à vontade para praticar os crimes. Quando houve o referendo que queria proibir a fabricação e o comércio de armas, fiquei contra, pois a polícia não é onipresente nem onipotente, ou seja, ela não está em todos os lugares ao mesmo tempo e não pode tudo. Tirar do cidadão o direito de ter uma arma, caso ele queira, é errado. Mas por outro lado, eu sou totalmente a favor do que foi feito, de criar mecanismos que dificultam a aquisição de uma arma, como o cumprimento de uma série de etapas, com teste psicológico, teste de tiros e bons antecedentes, por exemplo.

Podemos afirmar que as drogas são a base econômica da criminalidade?
Eu diria que o tráfico de drogas é a raiz de todos os problemas. Infelizmente tenho a convicção de que esta é uma guerra perdida. Não sei se temos estrutura para seguir o mesmo modelo de países que já legalizaram a maconha, pois muitas pessoas acabaram não tendo essa experiência no Brasil porque as drogas são proibidas. Caso se permita o uso sem que seja gerado um registro policial, o número de curiosos pode aumentar e aí poderemos ter dois cenários: de pessoas que se tornem criminosas para sustentar o vício ou de outras que vão virar dependentes químicas, partindo para drogas mais potentes, o que já vai inflacionar o nosso precário sistema público de saúde.

Se a segurança pública fosse tratada como uma política de Estado e não de Governo, a situação poderia ser melhor?
Não tenha dúvida, pois o grande problema é que as pessoas fazem coisas de curto alcance. Políticas de Governo duram quatro anos e têm medidas estruturais que dependem de mais tempo para serem maturadas e gerarem efeitos. Existem políticas de Estado que têm efeitos duradouros e que se destacam na prevenção primária, que são iluminação das ruas, placas de sinalização adequadas com seus respectivos nomes para que a polícia consiga chegar mais rápido até o local, fiscalização de terrenos abandonados e de comércios irregulares, dentre outros. Com essas pequenas ações, cria-se uma atmosfera para que a prática de pequenos delitos seja reduzida, o que influencia na prática de crimes maiores. Ordem gera ordem, mas quem presta atenção nisso?

A desvalorização do policial militar, que por muitas vezes é criticado pela sociedade, influencia diretamente nos gargalos da segurança pública?
O Brasil tem inúmeros problemas nesse sentido, principalmente no que diz respeito à valorização da carreira policial. Atualmente vivemos um dilema, pois há um clamor muito grande para colocar mais policiais na rua e o que é sacrificado? O treinamento deles.

Outro ponto que destaco é que você não vê um policial de cabelo branco trabalhando, pois quando ele chega a 25 anos de serviço, já está doente, obeso… Tudo isso porque ele não tem um acompanhamento ao longo de sua carreira. O policial trabalha em um sistema de 12 x 36 e, por não ter uma dedicação integral, ele acaba procurando outra atividade fora da corporação, o que o sobrecarrega. As pessoas precisam ter três momentos na vida: o trabalho, o descanso e o lazer, e o policial militar não tem isso. Se eles fossem mais valorizados e tivessem um salário melhor, poderíamos estar em um nível muito maior em termos de qualidade.

Diógenes Lucca Fundador do GATE fala sobre os desafios da segurança pública

O Espírito Santo apresenta índices preocupantes de violência. O que poderia ser feito em curto prazo para reverter esse quadro?
Não conheço muito bem a realidade do Espírito Santo, tenho apenas algumas noções do que acontece. De qualquer forma, o que posso destacar de uma forma geral é a importância do trabalho integrado entre os atores da segurança pública, que no caso são os municípios, o Estado e o Governo Federal. E eles são representados por quem? Pelas guardas municipais, pelas prefeituras (com a prevenção primária, já citada anteriormente) e pela polícia estadual, como a Militar e a Civil, esta última com índices baixos de esclarecimento criminal. Se a população tivesse mais retorno sobre as investigações, teríamos um número maior de registro de ocorrências, o que proporciona um retrato melhor do que está acontecendo. Também é importante trazer para perto a segurança privada, que precisa estar mais próxima da pública.

Muito se questiona sobre a real eficiência da redução da maioridade penal, um tema bastante polêmico que vem gerando inúmeras discussões em todo o país.
Qual a sua opinião sobre esse assunto?
Atribuir a responsabilidade penal apenas para um jovem acima de 18 anos é um erro. Isso não é mais compatível com a realidade. E por que esse assunto está sendo trazida à tona? Por causa do sentimento de impunidade. A questão é que isso não vai resolver o problema; pode até intimidar alguns menores de cometerem crimes, mas não teremos nenhuma mudança em curto prazo.
Se o Estado cometer o mesmo erro, o de fazer uma medida e não aperfeiçoá-la, o tiro vai sair pela culatra, como no caso do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Em si, ele é sensacional, mas não foi implantado de uma forma plena. Ele não criou tudo aquilo que a lei prevê e, se tivesse o feito, talvez não estaríamos discutindo a questão da maioridade penal neste momento.

Seria apenas a criação de uma nova lei para corrigir outra lei. Não serão construídos presídios específicos para os menores que cometeram crimes mais graves – uma das medidas da lei da maioridade –, e o que aconteceria? Eles seriam colocados junto com os adultos e sairiam de lá piores. Eu sou a favor da maioridade penal, contanto que ela seja tratada como uma medida estrutural. Precisamos aperfeiçoar o ECA e tratar o menor de uma maneira adequada para que ele não se misture com o falido sistema prisional brasileiro. Talvez, dessa forma, possamos colher alguns frutos.

Para finalizar, qual o papel de participação da sociedade civil nas políticas públicas de segurança? Como podemos contribuir?
Uma grande medida é a participação da sociedade organizada nos conselhos de segurança de bairro, algo que envolve a população, como os moradores, os comerciantes e os delegados. As pessoas que moram em favelas também podem contribuir bastante saindo do comodismo de não denunciar, pois elas sabem quem são os criminosos. Saber usar mecanismos como o Disque-Denúncia já é uma grande colaboração. Tem que seguir o que a Constituição fala: “Segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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