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sábado, 27 abril, 2024

Desastres naturais, uma reação ao desequilíbrio

Até que ponto os desastres são de fato naturais? Ou até que ponto são provocados pela ação humana? Poderiam ser evitados?

Por Luciana Almeida

O dia vira noite, o sol se esconde atrás das nuvens carregadas. E, mais uma vez, o alerta de desastre natural chega alarmando a população capixaba dos 78 municípios do Espírito Santo, anunciando os riscos iminentes de tempestades, enchentes e deslizamentos de terra. Em todo o Brasil, o quadro climático se mostra preocupante, com um novo regime de chuva afetando até mesmo as principais capitais.

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As consequências de eventos climáticos extremos causados por uma natureza em desequilíbrio podem ser catastróficas e, frequentemente, inevitáveis, por dois motivos: mesmo onde estão disponíveis tecnologias avançadas, muitos desastres naturais ainda são imprevisíveis ou são resultado de ações humanas difíceis de se reverter, como as construções em áreas de risco e o acúmulo de lixo em bueiros e rios.

Um levantamento feito pela produção da revista ES Brasil, com base em dados divulgados entre 2017 e 2020, pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, constatou que 71 cidades capixabas sofreram com desastres naturais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 66 deles não possuíam nenhum plano de prevenção de enchentes.

A linha do tempo das consequências das chuvas, enchentes, desabamentos de muros e casas e deslizamentos de terra registra marcas tristes para a população capixaba.
Em 2020, quatro municípios – Alfredo Chaves, Vargem Alta, Iconha e Colatina – foram muito afetados por enchentes, levando à morte de sete pessoas, além de quase três mil terem sido desalojadas ou desabrigadas, de acordo com boletim da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp).

No ano seguinte, em 2021, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu um alerta para o risco de chuvas intensas para 18 cidades do norte e noroeste do Espírito Santo. Em função da chuva e do alerta, centenas de pessoas precisaram deixar suas casas e se abrigar em outros locais mais seguros. Naquele mesmo ano, o Brasil divulgou que o número de desastres naturais causados pelas mudanças climáticas aumentou cinco vezes em 50 anos.

Entre os dois últimos meses de 2022 e os dois primeiros de 2023, as chuvas intensas que caíram sobre o estado deixaram um saldo de mais de 4.000 desalojados e desabrigados e pelo menos um óbito em função de enchentes, alagamentos e deslizamentos de terra.

De acordo com a Defesa Civil Estadual, os municípios de Apiacá, Aracruz, Guaçuí, Ibatiba, Ibitirama, João Neiva, Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá, São Mateus, Linhares, Colatina, Baixo Guandu, Bom Jesus do Norte, Viana e Cariacica foram os mais atingidos.

Mas, até que ponto os desastres são de fato naturais? E até onde são provocados pela ação humana? Poderiam ser evitados? Com o aumento da população, o que se espera no futuro? A análise das alterações climáticas demonstra que as ações humanas também estão gerando problemas de seca e desertificação para muitos grupos no Brasil e no mundo, o que é intensificado pelo aquecimento global. O mesmo ocorre com enchentes e soterramentos.

O professor Patrício Pires, do Laboratório de Geotecnia do Solo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica como se dá o desequilíbrio da natureza no Estado do Espírito Santo, destacando que os eventos catastróficos que aqui ocorrem se equiparam aos de outros estados brasileiros.

“Temos uma situação de ocupação de encostas que não é exclusividade do Espírito Santo; a gente vê também em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, ou seja, em diversos municípios do Brasil. Essa ocupação já existe e aumenta com o tempo.
Então, se olharmos para o Espírito Santo agora, verificamos que, igualmente aos outros estados, problemas dessa natureza são cada vez mais frequentes em áreas identificadas como de risco.

É uma condição geológica, geotécnica, que existe na paisagem natural, que é muitas vezes ocupada de forma desordenada, e não necessariamente apenas em encostas: vemos áreas da Região Metropolitana que são constantemente alagadas por chuvas muito antes da existência de um bairro ou empreendimento naquele local, o que mostra que de fato se ocupou uma área que tinha um potencial risco de cheia, por exemplo”, ele explica.

Pires acrescenta que os municípios capixabas são castigados por fenômenos naturais que ocorrem tanto em regiões de montanhas quanto em regiões planas, costeiras e litorâneas.

“Todos sofrem com esses fenômenos, desde uma cidade pequena até os bairros nobres da Região Metropolitana de Vitória. Os principais desastres naturais registrados aqui são alagamentos e deslizamentos de solo. Foram diversas ocorrências de alagamentos em vários municípios do interior e também da capital, escorregamentos de terra e movimento em encostas, além do rompimento de barragens em outros estados, mas que atingiram o capixaba.”

Eventos atípicos

O professor visualiza a probabilidade de a população ser surpreendida por mais eventos atípicos. “Estamos tendo uma mudança no regime de chuvas e temos visto eventos atípicos, não apenas no Espírito Santo. A gente viu em 2022 no sul da Bahia, em Recife e Petrópolis, próximo ao Rio de Janeiro, eventos sucessivos extremos. Então, de fato temos uma mudança ou um novo regime de chuvas e o Espírito Santo está inserido nisso, nessa precipitação que antigamente era atípica e agora virou recorrente.”

Patrício Pires ressalta a importância de ações como as que o Governo do Estado vem tomando e incentivando os municípios a também adotarem: mapeamento das áreas com riscos de desastres naturais, a emissão de alertas para priorizar a vida humana e a recuperação das áreas afetadas.

Planejar para não ter que remediar

O mapeamento dos desastres naturais no Espírito Santo e no Brasil entre 2017 e 2020, realizado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, revela a ocorrência de chuvas torrenciais, de seca, do rompimento de barragens, do derramamento de produtos químicos em ambiente lacustre, fluvial e marinho e outros eventos relacionados.

Em paralelo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, dos 78 municípios capixabas, apenas 12 tinham, nesse período, um Plano Diretor de Prevenção de Enchentes.

Geralmente as cidades discutem seu Plano Diretor Urbano a cada 10 anos. É a partir desse plano que se desenha a ocupação de todo o território e a necessidade de investimentos destinados às áreas de risco. Para a engenheira geóloga e especialista em Engenharia Ambiental Leila Issa Vilaça, o intervalo em que o Plano Diretor Urbano é discutido é muito grande.

“Penso que deveria ser menor. Considerando que a cidade é um ‘ser’ em contínuo desenvolvimento, poderíamos estabelecer mecanismos para determinar o momento da necessidade de revisão do Plano Diretor: os indicadores de qualidade urbana (saneamento básico, moradia, transporte e mobilidade urbana), por exemplo. Se determinado em Lei Municipal, a gestão poderá utilizar técnicas e métodos para definir a periodicidade dessas atualizações. Não esquecendo que à luz do Estatuto das Cidades, o Plano Diretor deverá ter suas diretrizes contidas nos orçamentos públicos: Plano Plurianual, Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual do Município.”

Vilaça ressalta que “muitas dessas ações e discussões são direcionadas para áreas nobres ou muitas vezes já bem estruturadas nas cidades, não observando a situação das áreas periféricas, que é onde, de fato, ocorrem os principais problemas.

A setorização de Indicadores de Qualidade Ambiental pode ser uma ferramenta auxiliar, inclusive na definição de áreas efetivamente prioritárias de investimento. Seria, resumidamente, uma equação que integra as necessidades da sociedade com as ações da engenharia”, ela sugere.

Desastres naturais, uma reação ao desequilíbrio
“Considerando que a cidade é um ‘ser’ em contínuo desenvolvimento, poderíamos estabelecer mecanismos para determinar o momento da necessidade de revisão do Plano Diretor” – Leila Issa Vilaça, especialista em Engenharia Ambiental – Foto: Arquivo pessoal

Soluções exigem esforço coletivo

Controlar ocupações irregulares às margens de rios e em encostas pode não ser uma tarefa fácil, mas especialistas argumentam que isso pode garantir a mitigação de problemas. Esse controle passa pelo alinhamento das políticas públicas de urbanização e meio ambiente com a participação da sociedade civil “principalmente na elaboração e execução dos Planos Municipais de Redução de Risco e Políticas Municipais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. É um processo contínuo de educação ambiental, junto com ações de fiscalização. Isso fornece resultados interessantes de consciência territorial. Destaco também a importância da participação integrada dos profissionais da engenharia, geociências, ciências humanas e sociais nos projetos, nas obras e nas articulações”, pontua Leila Vilaça.

Em sua avaliação, a engenheira ressalta que para que as pessoas fiquem em situação segura não é necessário criar novas leis. “Não precisa criar nenhuma legislação nova, apenas equipar os municípios com técnicos legalmente habilitados para o exercício profissional. E a gestão municipal deve estar comprometida em solucionar os delicados problemas que a urbanização desordenada acarreta, porque recursos a União tem, por meio de inúmeros programas.”

Mas, para que isso seja feito é preciso desocupar a área e proceder a uma recuperação ambiental da mesma, com implantação de vegetação específica para aquele ambiente – o que também contribui para o aumento da área verde. Paralelamente, segundo a especialista, o poder público deve dispor de uma política de amparo ao cidadão que será retirado de uma área de risco, garantindo um dos preceitos constitucionais, que é o do direito à moradia.

Espírito Santo: ações integradas e inovação

Para evitar tragédias como deslizamento de terra, desabamentos e mortes, a Defesa Civil do Estado do Espírito Santo explica que elaborou estratégias e fez investimentos para mitigar e possivelmente anular os riscos. De acordo com o órgão, o Estado tem um Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil (PEPDEC) cuja finalidade é articular e facilitar a prevenção, preparação e resposta aos desastres em todo o território capixaba, estabelecendo as atribuições de cada uma das instituições que compõem o Comitê Estadual de Combate às Adversidades Climáticas.

Por meio do PEPDEC, a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdec) atua de forma integrada com diversos órgãos, entre eles as Defesas Civis municipais, que desempenham o primeiro nível de atuação em desastres. A população tem um papel importante na mitigação dos impactos, para realizar a imediata evacuação do local caso se constate alterações no terreno e na estrutura das edificações,como sinais de rachaduras, inclinação e rebaixamento do solo.

Existe o monitoramento em tempo real das condições climáticas e meteorológicas, por meio do Centro de Inteligência de Defesa Civil Estadual (Cidec), inaugurado em 2021. O Espírito Santo também dispõe do Fundo Estadual de Proteção e Defesa Civil (Fundpec-ES), com a finalidade de prover, em caráter emergencial e complementar, recursos financeiros e materiais para fazer frente a desastres ocorridos em municípios capixabas ou, ainda, para serem utilizados na prevenção e resposta aos desastres pelo estado e municípios.

Por meio do Fundpec, o Governo do Estado repassou aos municípios, entre 2018 e 2022, mais de R$ 13 milhões para demandas relacionadas a desastres naturais. Para o ano de 2023, a previsão é de repasses da ordem de R$ 17 milhões. Também por meio do Fundpec, o Governo do Estado entregou, este ano, caminhonetes e drones para as Defesas Civis de 50 municípios.

A escolha dos municípios contemplados foi realizada de forma técnica, considerando o número de decretações de enxurrada e número de áreas de risco, sendo que nesta primeira etapa foram contemplados os municípios com até 80 mil habitantes.

Convém destacar que o estado dispõe também do Fundo Cidades 2023 – uma iniciativa inovadora em todo o país –, por meio da qual serão destinados anualmente cerca de R$ 200 milhões em transferência fundo a fundo aos municípios, para que invistam em ações de redução dos impactos ambientais causados pelas mudanças climáticas. A proposta é mitigar as consequências das chuvas extremas e dos períodos de déficit hídrico. (O Fundo Cidades 2023 é tema de outra matéria nesta edição.)

Por fim, o Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo mantém um programa anual de capacitação para os profissionais que atuam diretamente no atendimento de desastres, no qual são abordados análise de riscos geológicos, estruturais e outros. Muitos treinamentos são conduzidos pela Cepdec, que treina as Defesas Civis Municipais. Além de estudos teóricos, são realizados inúmeros exercícios simulados. O último simulado de preparação para gerenciamento de desastres ocorreu em 2022 e reuniu todos os órgãos participantes do PEPDEC.

Os 5 tipos de desastres naturais

O que deveria ser apenas um movimento da natureza para renovação e manutenção dos ecossistemas tem sido motivo de destruição e perdas para a população.
Muitos desastres têm ocorrido porque o planeta Terra está sofrendo cada vez mais com o aquecimento global e a degradação ambiental, ocasionando desequilíbrios na natureza.

Tempestades: de chuvas, granizo, areia, raios; podem provocar deslizamento de terra, queda de árvores, telhados, postes, fiação ou torres de energia.

Inundações: têm aumentado com o excesso de lixo que entope os bueiros. As enchentes provocam desabamentos que matam e destroem.

Terremotos e maremotos: abalos bruscos da superfície da Terra a partir da movimentação das placas rochosas e atividade vulcânica.
Os maremotos acontecem dentro dos oceanos e podem gerar tsunamis.

Furacões, Ciclones e Tufão: são fenômenos intensificados pelas massas de ar e, dependendo da força que atingem, podem arrasar cidades inteiras.

Seca: as alterações climáticas demonstram que as ações humanas estão gerando problemas como a seca e, consequentemente, a desertificação enfrentada por diversos grupos.

Parâmetros de prevenção

  • Mapeamento das áreas com riscos de desastres naturais;
  • Emissão de alertas;
  • Desocupação imediata em caso de enchentes;
  • Recuperação das áreas;
  • Criação de um plano de ação em caso de eventos climáticos extremos;
  • Priorização da proteção à vida humana;
  • Avaliação do índice pluviométrico e do nível dos rios;
  • Processo contínuo de educação e fiscalização ambiental;
  • Efetivar parcerias entre setor público e privado.

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