Por Michel Torres
Vamos falar um pouco sobre o que talvez seja o assunto relacionado a negócios mais relevante dos últimos dias. A 123 Milhas, uma empresa brasileira de turismo e viagens, recentemente entrou com um pedido de recuperação judicial. Mas o que levou uma empresa que parecia tão promissora a essa situação? Será que podemos aprender algo com essa história?
- A História de Sucesso da 123 Milhas
Fundada em 2016, a 123 Milhas rapidamente se tornou uma referência no mercado de turismo. Em pouco tempo, seu e-Commerce se tornou o mais acessado do Brasil na categoria turismo e figurou entre os 10 maiores websites brasileiros de comércio eletrônico. A empresa foi premiada diversas vezes, reconhecendo sua excelência em atendimento ao cliente e estratégias de marketing. No quesito divulgação, a empresa deu show, contratando diversos artistas famosos e ocupando a maior parte dos espaços publicitários nos aeroportos país afora.
Falando do marketing mais especificamente, ele é o responsável pelo sucesso aparente da 123 Milhas, mas custava bem caro: em 2021 a empresa investiu R$2,37 bilhões na compra de publicidade no país, e R$1,18 bilhão em 2022.
- As Decisões que Levaram à Queda
Algumas decisões estratégicas e circunstâncias externas contribuíram para a situação financeira da empresa:
Especulação de Preços: A 123 Milhas acreditava que os preços das passagens aéreas não subiriam após 2020. No entanto, não levaram em consideração circunstâncias imprevistas que poderiam impactar os custos. A guerra Rússia x Ucrânia, por exemplo.
Mudança nas Regras dos Programas de Milhas: As companhias aéreas começaram a exigir mais milhas para a emissão de passagens, o que resultou em uma maior necessidade de caixa para a 123 Milhas. Vale lembrar que a 123 Milhas utilizava as milhas adquiridas pela HotMilhas, outra empresa do grupo, uma prática que fere o regulamento dos programas de milhagem.
Aumento dos Custos Financeiros: A empresa, que anteriormente antecipava recebíveis a uma taxa de 0,3% ao mês em 2021, viu essa taxa saltar para 1,5% ao mês em 2023.
Estratégia de Crescimento Arriscada: A 123 Milhas adotou uma abordagem de crescimento acelerado, priorizando escalabilidade em detrimento da margem, ciclo financeiro e lucro. A empresa vendia passagens aéreas a preços promocionais, mas só comprava essas passagens, usando milhas de outros clientes, 10 dias antes da viagem. Isso criou o descompasso de caixa superior a R$ 2,3 bilhões.
Aquisição da Concorrente: A compra da MaxMilhas, uma tentativa de ganhar escala, acabou reduzindo ainda mais o caixa da empresa. Ou seja, tinham um negócio que quanto mais vendiam pior ficava, e ainda compraram a concorrente que trabalha no mesmo modelo de negócio, com nenhum ganho de sinergia possível.
- O Resultado Final
Com um prejuízo de R$ 1,6 bilhões de janeiro a julho de 2023, custos que subiram 15 vezes para R$ 825 milhões e uma dívida total de R$ 2,3 bilhões, a 123 Milhas se viu em uma situação insustentável. A empresa então anunciou o cancelamento na emissão das passagens e, 10 dias depois, entrou com o pedido de recuperação judicial.
A história da 123 Milhas serve como um lembrete da importância do planejamento e da gestão financeira sólida. Em qualquer negócio, é crucial ter um plano realista, levando em consideração oscilações de mercado e cenários adversos. É essencial priorizar margem, fluxo de caixa positivo e um ciclo financeiro equilibrado. A matemática do negócio precisa ser sólida e baseada em projeções financeiras bem-feitas, evitando a especulação e a dependência excessiva de empréstimos.
Seja no mercado de viagens ou em qualquer outro, a lição é clara: um bom planejamento, projeções financeiras realistas e a capacidade de se adaptar às mudanças do mercado são essenciais para o sucesso sustentável de qualquer empresa.
Michel Torres é Sócio e Diretor de Operações na Viabilize, de planejamento e desenvolvimento de negócios.
