PEC livra partidos de multas eleitorais por não cumprimento de cotas e falta de transparência em gastos de campanha
O Senado Federal aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia nesta quinta-feira, 15, em uma votação acelerada. Foram necessárias apenas 24 horas para resolver a tramitação na Casa. A PEC, que teve o aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia anterior, é promulgada após sessão solene do Congresso Nacional e não precisa de sanção ou veto presidencial.
A rápida tramitação contraria o que disse o que o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou há um mês, quando disse que “não haveria açodamento”. A votação acontece em dois turnos. Na primeira parte, o placar dessa terminou com 51 votos a favor e 15 votos contra; no segundo, foram 54 votos sim e 16 votos não.
Movimentos da sociedade civil ligados à transparência partidária e ao Direito Eleitoral dizem que a PEC, entre outras coisas, representa um estímulo à inadimplência e viabiliza partidos pagarem dívidas usando recursos de “origem não identificada”, o que pode ser recurso de “caixa 2”.
Trata-se do quarto perdão concedido aos partidos via Congresso Nacional. A organização Transparência Partidária estima que a anistia chega a cerca de R$ 23 bilhões, se contadas apenas a contas pendentes de julgamento entre 2018 e 2023. O diretor do grupo, Marcelo Issa, disse que o valor pode ser muito maior.
Apenas o Novo, que tem apenas um senador, Eduardo Girão (CE), orientou voto contrário à PEC.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), foi quem mais trabalhou publicamente pela aprovação da PEC. Ele colocou a matéria na pauta, comprometeu-se a votar ainda nesta quarta-feira, mesmo que houvesse pedido de vista (mais tempo por análise) e pediu para que a proposição fosse votada em urgência ainda na quarta-feira.
“Há uma demanda de todos os partidos políticos em relação à necessidade urgente de nós deliberarmos esse assunto, antes, efetivamente, do início do processo eleitoral”, disse Alcolumbre na noite da quarta-feira. “É necessário que a gente possa regularizar de uma vez por toda a situação dos partidos brasileiros.”
Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a divisão dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita deve ser proporcional ao total de candidatos pretos que o partido apresentar para a disputa eleitoral.
Em 2022, por exemplo, esse número foi de 50,27% do total de candidaturas; em 2018, as candidaturas negras foram 46,4% do total. A ministra do TSE Vera Lúcia Santana Araújo criticou a PEC. Segundo ela, “não há razoabilidade” para que haja “mecanismos internos” que possam criar “uma espécie de burla a leis que o próprio Congresso elabora”.
Fica muito difícil de se cumprir essa proporcionalidade. E se colocarmos essa proporcionalidade em cada município, fica um trabalho gigantesco.
A articulação da bancada negra na Câmara inseriu um trecho na PEC que diz que os partidos que não cumpriram a cota em 2020 e 2022 podem compensar nas eleições de 2026, 2028, 2030 e 2032.
A Câmara precisou mais de um ano para aprovar a proposição. A primeira redação foi considerada como “a maior anistia da história”, o que gerou protestos de movimentos da sociedade civil e de demais congressistas.
Nos bastidores, líderes da Câmara atribuíram a demora na votação ao próprio Pacheco. Eles diziam que só votariam a PEC da Anistia caso Pacheco achasse o texto palatável para prosperar no Senado. A deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) foi a articuladora do diálogo entre as Casas.
Após dezenas de alterações, a Casa aprovou a proposta om 344 votos sim, 89 votos não e quatro abstenções no primeiro turno e com 338 votos sim, 83 votos não e quatro abstenções no segundo turno em julho deste ano.
A PEC teve o apoio de partidos que vão do PT ao PL. Como mostrou, o próprio PT será o principal beneficiado caso a PEC seja aprovada. Até março deste ano, diretórios do partido tinham pelo menos R$ 22,2 milhões em dívidas na lista de devedores da União, mantida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), braço jurídico do Ministério da Fazenda.
O senador Paulo Paim (PT-RS) foi o único petista que reclamou da PEC. “A campanha eleitoral começa amanhã e começa a PEC hoje. O argumento que ouvi lá atrás, que não houve tempo para explicar aos partidos como funciona o processo de cota, e por isso houve o atropelo. É de se perguntar: uma emenda que foi aprovada hoje e a partir de meia-noite de hoje começa o processo eleitoral, teremos tempo para adequar a essa realidade todo um processo que vai se iniciar a partir de amanhã?”, questionou.
A redação também estabelece um prazo de até 15 anos para o pagamento de multas eleitorais, de cinco anos para obrigações previdenciárias. Na Câmara, a proposta foi aprovada em julho. Todos os partidos (com exceção do PSOL e Novo) apoiaram a proposta.
A PEC alarga a imunidade tributária para as sanções de natureza tributária, podendo inclusive, extinguir processos. Uma nota conjunta da Transparência Internacional – Brasil, Pacto Pela Democracia e Movimento Transparência Partidária diz que essa ampliação também se estenderia às sanções determinadas “nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais”.
“Desta forma, anulariam-se todas as sanções aplicadas também no âmbito eleitoral, assim como no âmbito de prestações de contas anuais dos partidos políticos, podendo configurar-se numa anistia ampla e irrestrita para todas as irregularidades cometidas por partidos políticos e campanhas eleitorais”, diz o texto. Com informações de Agência Estado