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sexta-feira, 26 abril, 2024

Pedro Valls Feu Rosa

Pedro Valls Feu RosaHá um ano e meio na presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES), o desembargador Pedro Valls Feu Rosa é um verdadeiro otimista e entusiasta das futuras gerações. Para um homem que vive num Brasil pouco politizado, Segundo sua própria percepção, a esperança está na construção de uma conscientização coletiva sobre a importância de não vender o voto. Para isso, ele desenvolveu no TRE-ES o Programa de Ética e Transparência Eleitoral (Prete), que, neste ano, depois de já algumas vitórias, chega às escolas com o objetivo de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com o futuro político do país.

O que é o Prete? E o que Tribunal objetiva com ele?
A ideia de fazer esse programa eu já tinha desde antes de assumir o TRE-ES. Percebia o imenso problema que é fazer uma eleição justa, correta, em que todos os candidatos tenham as mesmas oportunidades no Brasil. E vou ilustrar isso com um único dado: nas eleições de 2006, foram vendidos os votos de oito milhões de brasileiros, segundo um levantamento nacional. Suspeito, inclusive, que esse número seja maior. Mudar isso é muito difícil, se você usar apenas a repressão. A compra de votos é feita de uma forma que a lei não enxerga: é o caixa dois, é o dinheiro direto na mão do eleitor… Nossa conclusão é a de que só existe uma maneira de tentar reparar isso: a conscientização. Não vamos resolver isso em um, dois ou três anos, mas tem que haver esforço de toda uma geração, a partir da conscientização das pessoas. Por isso, lançamos o Prete. É uma tentativa de conscientizar a população no sentido de que o voto comprado hoje é pago amanhã com menos saúde, educação, segurança. E neste ano queremos levar esse processo para dentro das escolas. E isso porque um pouco antes de tomar posse o TRE-ES, me convidaram para fazer uma palestra numa escola da Praia do Canto. Quando terminei um garotinho de uns nove anos disse para mim: “semana que vem haverá eleição para líder de classe, e eu vou ganhar”. Perguntei: como sabe que vai ganhar? E ele respondeu: “mamãe me deu R$ 300 para comprar presente e lanche para os colegas”. Fui embora chocado. Uns 15 dias depois, lembrei-me do episódio, liguei para a escola e descobri que ele realmente ganhou a eleição. Isso me acendeu uma luz para uma realidade que eu considero triste: nós falhamos, apesar de toda a boa intenção de alguns, do ideal de outros, nossa geração falhou. O que nossa geração não pode mais errar é na formação da geração seguinte.

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E como tem sido o trabalho desenvolvido pelo Prete?
Eu tive uma surpresa agradável. Achava que faria um movimento “eu comigo mesmo”, porque política é um assunto ruim, chato, que irrita. Mas percebi no meio da sociedade uma vontade muito grande mudar as coisas. Eu lancei esse movimento e, de repente, ele deixou de ser meu. Meu pessimismo do primeiro momento estava errado. Tenho sentido na sociedade uma vontade imensa de participar, discutir, de querer aprimorar o sistema eleitoral. Agora, as coisas já estão indo naturalmente. Eu vou sair do TRE-ES, mas o programa continuará, porque as pessoas assim o querem.

Que resultado o Prete provoca na hora da eleição, na boca da urna?
Eu já consegui ver um resultado concreto que me deu muita alegria. No dia da eleição do ano passado, Vitória foi a única capital do Brasil em que praticamente não houve boca de urna. Foi a repressão do TRE-ES? Não. Foi a polícia? Também não. Foram estudantes, professores, jornalistas, juízes, engenheiros, médicos que pegaram o colete de fiscalização cidadã e foram voluntariamente para a rua, na porta de cada sessão eleitoral. Foi uma pequena vitória, e isso é sinal de que quando a sociedade quer, consegue.

A boca de urna e a compra de votos são os principais problemas eleitorais hoje?
Sim, mas ambas são derivadas daquele que é o maior problema da democracia: o financiamento de campanha. Na hora em que o dinheiro começa a entrar na eleição, a disputa fica injusta e começa a haver o comprometimento do candidato eleito para com aquele que o financiou. Esse problema não é só brasileiro, é mundial, e é o maior problema que a democracia enfrenta. No estado da Califórnia, nos Estados Unidos, 50% das leis aprovadas pelo Parlamento local são fruto de lobby de empresas que patrocinaram campanhas de candidatos. Isso é muito sério. Que leis são essas? A quais interesses elas atende? Essa é uma reflexão que a humanidade tem que fazer.

Então, qual é a solução para o financiamento de campanha?
Eu não vejo uma lei resolvendo isso, só a conscientização. O financiamento público seria uma forma ideal, se não houvesse o caixa dois. Costumo citar um exemplo de uma eleição acontecida numa cidade da China. Os candidatos foram ao mosteiro e fizeram a promessa de não comprar voto, de fazer uma campanha limpa. E cumpriram. Eis que no final da eleição houve uma passeata da população pedindo o retorno da corrupção eleitoral, porque em todas as eleições as pessoas aproveitavam para reformar as casas e ganhar alguma coisa. Naquela eleição, ninguém havia ganho nada. Eu cito também o exemplo da Alemanha, onde uma empresa teve a ideia de montar um banco de compra e venda de votos na internet. O eleitor se cadastrava e recebia em casa um contrato comprometendo-se a vender o voto para o candidato acordado. Só na primeira semana, esse serviço realizou 100 mil transações. O problema é a conscientização da humanidade.

Com relação à compra de votos, a urna eletrônica, com a garantia do anonimato, não daria conta de resolver o problema?
Muitas vezes, as pessoas são analfabetas, e se não votarem naquele santinho que recebem não têm em quem votar. É um problema de candidatos. O efeito triste disso é que se afastam da vida pública pessoas de bem. Há aquela repulsa em tratar de política. Esse é um efeito ruim. Uma pesquisa feita no ano passado me assustou muito. Perguntaram aos brasileiros qual era o melhor sistema. Sessenta e quatro por cento falaram que era democracia, e 36% não achavam a democracia o melhor regime, sendo que 18% preferiam claramente a ditadura e os outros 18% não se importavam se fosse ditadura ou democracia, desde que houvesse economia estável e segurança pública. A gente vê nisso o efeito de algo muito ruim, que tem que mudar, e um quadro muito preocupante para o futuro.

Essa característica do brasileiro o assusta?
Não vou dizer do brasileiro, mas é uma característica da humanidade. Há uns cinco anos, vi uma entrevista de um paquistanês, motorista de táxi, que disse que não se incomodava se no Paquistão fosse ter ditadura ou democracia, desde que os preços ficassem estáveis e que ele pudesse trabalhar em paz. Começo a ver essa realidade transportada para o Brasil. Preocupa-me como isso vai ficar amanhã. A humanidade parece não saber dar valor a uma democracia conquistada, após séculos de lutas que foram causa de sofrimento de muitos antepassados nossos.

E que implicações essa falta de valor tem para a política?
Se esse quadro não for mudado, através de uma conscientização real, temo que, no futuro, a democracia acabe se tornando um mero instrumento de chancela de quem tiver mais dinheiro.

O que é, afinal, democracia?
É todos serem iguais, é a vontade da maioria. E não se pode falar em vontade da maioria com uma minoria com muito dinheiro que compra votos. Isso passa a ser uma falsa democracia. A democracia está em cheque no Brasil e no mundo. É hora de nossa geração abrir os olhos.

Um tema que está sendo muito discutido é a reforma eleitoral. Ela prescinde de uma reforma política?
O ideal é de que as duas reformas acontecessem ao mesmo tempo. Nosso sistema eleitoral é antigo, ultrapassado, que não reflete a necessidade do século XXI. O ideal é que o Judiciário possa proporcionar uma campanha justa, a fim de que não se tenha o que se chama de judicialização política, ou seja, o segundo turno nos tribunais, quando acaba a eleição e está todo mundo pendurado com processo na justiça. Isso é péssimo, é horrível. O ideal seria que o Judiciário pudesse corrigir as falhas ao longo da campanha, mas não temos instrumento para isso. A lei eleitoral frouxa e ruim enfraquece o Judiciário, torna a eleição injusta, desatende o interesse da população.

Qual é a reforma que se deseja para o sistema eleitoral brasileiro?
Uma reforma que produza uma campanha eleitoral limpa, que defina o que é propaganda, campanha eleitoral, a consequência da compra de votos. Teria que haver um processo rápido, que preservasse a garantia constitucional da ampla defesa, mas que não deixasse o Judiciário sem instrumento para agir nem a população frustrada.

E com relação à política, o que precisa mudar?
Não posso entender que uma pessoa que recebe dois mil votos, por causa de um mecanismo chamado legenda, é eleita, e outra que recebe 20 mil votos, por conta desse mesmo mecanismo, não é eleita. Que democracia é essa? A reforma política tem que adequar o sistema democrático ao que a maioria quer. O sistema brasileiro diz que o mandato é do partido. Mas uma pessoa que foi eleita sem precisar da legenda, com seus votos, está no mesmo patamar que uma pessoa que teve o mínimo de votos e só chegou lá por causa do partido? Essa diferença tem que ser considerada. É algo a ser discutido e ser objeto de mudança no sistema atual, que está muito ruim, péssimo.

Como ficariam os partidos políticos com a reforma política?
Um dos pontos colocados é sobre de quantos partidos uma democracia precisa. É o caso dos tão criticados partidos de alugueis, aquelas siglas pequenas montadas, sem representatividade. A democracia pode conviver com isso? Qual é a saída? Eu não sei. Há que se ouvir as pessoas envolvidas, os partidos, os políticos, a justiça, a população, a fim de que disso tudo saia uma proposta compatível com nossa realidade. Isso é muito delicado, porque diz respeito a uma população. Tem que ser tema de uma discussão ampla, sem a qual não pode haver reforma. E se a gente não fizer isso, sirvam de aviso os 36% dos brasileiros que não ligam para a democracia.

Qual sua opinião sobre reeleição?
Sou contra. A humanidade ainda não tem maturidade para reagir diante do abuso da chamada máquina pública. A campanha eleitoral acaba ficando injusta. Há distorções na lei que têm que ser corrigidas. Como vai haver justiça em uma campanha em que um dos candidatos está no exercício do cargo?

E sobre a obrigatoriedade do voto?
Acho que o regime ideal seria o voto ser facultativo. Porém, ainda não temos um suficiente nível de conscientização da população para que isso seja alcançado. O brasileiro ainda estaria bastante ausente desse momento.

Qual a opinião do senhor sobre ficha limpa?
Sou a favor. Fui o primeiro juiz do Espírito Santo a cassar uma candidatura por conta de antecedentes quando não havia nem Lei da Ficha Limpa. Usei o princípio constitucional da moralidade e rejeitei o registro da candidatura. Isso é algo que eu defendo, mas não posso deixar de fazer uma pergunta incômoda: que país é esse que precisa de uma lei para tirar da vida pública pessoas que deveriam estar dentro da cadeia?

O sistema político que temos hoje no Brasil é o mais adequado?
O sistema é péssimo. A maturidade da população brasileira já recomendaria a adoção de um sistema mais moderno, mais ágil. A ONU fez uma pesquisa nas Américas do Sul e Central, em 18 países, para apurar o amor dos povos pela democracia. O Brasil ficou em 16º lugar. Isso é preocupante.

O senhor enxerga alternativas para essa preocupação?
Eu sou um otimista. As duas leis que mais seriamente tratam de democracia no Brasil não vieram de dentro do Congresso, vieram das ruas. A primeira é a que trata da compra de votos, que foi a primeira lei de iniciativa popular do Brasil. A segunda foi a da ficha limpa. Isso é, ao mesmo tempo, um aviso e um alento, uma esperança. Há mais consciência de que a mudança tem que ser feita, porque o Brasil assim quer. Pode demorar, mas essa mudança está chegando.

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