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quarta-feira, 17 abril, 2024

Meio ambiente: para onde o Espírito Santo caminha nesse desafio?

Cientistas alertam para os principais desafios. Empresários e políticos destacam ações que vêm sendo adotadas no Estado

Por Luciene Araújo

O ano era 1992. Políticos, autoridades, ambientalistas e imprensa do mundo inteiro se reuniam no Rio de Janeiro para a Primeira Conferência da Organização das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92 ou Rio-92, que teve desdobramentos importantes dos pontos de vista científico, político e ambiental.

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De lá para cá, outras 25 cúpulas ambientais foram realizadas no mundo todo, ou seja: há décadas tem-se um consenso global de que do jeito que está, não pode continuar.
Mas, esse entendimento está indo além do debate? Como está o Espírito Santo nesse contexto?

Os principais problemas ambientais vivenciados pela maior parte dos municípios brasileiros são as queimadas, o desmatamento e o assoreamento de rios. Na avaliação do engenheiro e doutor em Ciência Florestal, Luiz Fernando Schettino, que já atuou como secretário Estadual de Meio Ambiente e também como diretor-geral da Agência de Serviços Públicos de Energia do Espírito Santo (Aspe), o Estado registra pouca incidência de queimadas. Mas em relação aos desmatamentos, há tendência de elevação, principalmente na região serrana.

“Para ocupação de condomínios residenciais e empreendimentos rurais e turísticos, em que órgãos de controle estadual, por muitas vezes, estão ‘deixando’ prevalecer decisões municipais, quase sempre sem fundamentos técnico-legais adequados”, aponta.
Mas ele classifica como o problema mais grave entre os três, o assoreamento de rios, córregos e nascentes. “É uma triste realidade e com necessidade urgente de um trabalho de fiscalização e orientação por parte dos órgãos estaduais”, alerta Schettino.

Além disso, ele destaca que a questão dos agrotóxicos também é “preocupante”. Um posicionamento compartilhado com o pesquisador e doutorando da UFRJ João Luiz Gasparini. “Um problema muito grave que enfrentamos é a liberação pelo governo federal de quase dois mil novos agrotóxicos. Não temos noção do quanto isso fará mal à nossa saúde e ao meio ambiente. Um retrocesso bastante preocupante”, enfatiza.

O pesquisador faz ainda um segundo alerta, que confirma a preocupação destacada por Schettino. “Outro grande problema é a fragmentação de áreas na região serrana, um parcelamento de solo nunca antes visto. Muita gente comprando sítios bem pequenos, sem fontes de água, desbravados a partir de Áreas de Preservação Permanente (APP), com declividade altíssima.

Nas adjacências do Morro do Chapéu, em Domingos Martins, ou em diversos pontos de Santa Teresa, por exemplo, vemos áreas de preservação virando pequenas propriedades”, alerta.

Meio ambiente: para onde o Espírito Santo caminha nesse desafio?
“Órgãos de controle estadual estão ‘deixando’ prevalecer decisões municipais, quase sempre sem fundamentos técnico-legais adequados” – Luiz Fernando Schettino, doutor em ciência florestal, sobre os desmatamentos na região serrana capixaba

Fauna e flora

O conhecimento e a conservação da fauna e flora do ES é um desafio que obrigatoriamente terá de envolver a Academia, que realiza as pesquisas; os órgãos de governo, que possuem áreas naturais conservadas e efetuam fiscalização; e diversos outros atores da sociedade. Em suma, conhecer e conservar é uma ação da sociedade e para a sociedade.

“O papel de reconhecer os organismos da biodiversidade é dos pesquisadores, em especial dos taxonomistas responsáveis por identificar e traçar relações de parentesco entre os organismos. No Espírito Santo essa pesquisa básica é ainda necessária”, destaca o biólogo Cláudio Nicoletti de Fraga, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

As coleções biológicas que guardam hoje o conhecimento da diversidade das plantas, por exemplo, totalizam mais de 145 mil exemplares depositados em cinco herbários (coleções de plantas secas), um em cada campi da Universidade Federal do Espírito Santo (VIES, SAMES e CAP), um no Instituto Nacional da Mata Atlântica (MBML) e uma única coleção ligada a uma empresa privada e sediada em Linhares (Vale).

“Essas coleções cresceram 100% nos últimos 10 anos, graças à atuação dos seus curadores e pesquisadores associados, que, com inúmeros projetos e alunos de pós-graduação, conseguiram realizar coletas nas mais diversas áreas do estado, principalmente onde há lacunas do conhecimento”, explica a doutora Valquíria Dutra, coordenadora do Projeto Flora do Espírito Santo e diretora da Sociedade Botânica do Brasil, Regional MG, BA, ES.

“Nos últimos anos não houve publicação de editais específicos para o conhecimento da biodiversidade capixaba, o próprio Projeto Flora do Espírito Santo não tem nenhum financiamento e tem sido realizado com recursos dos pesquisadores vinculados”, afirma Valquíria.

Esse importante papel da Academia abarca também a conservação da biodiversidade, traduzida, por exemplo, na revisão da lista de espécies ameaçadas do estado, que estava desatualizada desde 2005. Esse projeto, finalizado em 2019, durou dois anos e envolveu 350 pesquisadores, coordenados pelo doutor Nicoletti. Ao final, o governo recebeu um livro completo sobre todos os grupos de organismos analisados. “Embora o estado tenha recebido todos esses resultados do conhecimento científico sobre a sua biodiversidade, a nova lista de espécies ameaçadas ainda não virou política pública, ainda falta ser publicado como decreto pelo Estado”, destaca Nicoletti.

Ambiente marinho

Essenciais ao desenvolvimento do Estado, empreendimentos como portos, retroáreas, petróleo e gás preocupam os ambientalistas. Isso porque, destaca João Luiz Gasparini, alteram e têm impactos sobre muitas áreas do litoral e ambientes adjacentes.
“Precisamos olhar com muito carinho para os nossos remanescentes de manguezal, recifes, ilhas, praias e restingas. E também para os nossos pescadores artesanais. Precisamos ter o olhar da sustentabilidade e exigir que as grandes empresas que estão chegando ao ES tenham agendas ESG (Meio Ambiente, Sociedade e Governança) bem definidas e eficientes”, ressalta.

Na avaliação do pesquisador, a atenção à pesca artesanal é urgente, uma vez que já compete de forma desigual com a pesca industrial. “A pesca artesanal necessita de apoio e investimento. Nela temos nossos laços culturais e históricos mais basais. Precisamos proteger nossos ambientes naturais (rios, estuários, manguezais e recifes) para que essa cultura permaneça e mantenha nossa tradição ancestral da panela de barro e da moqueca”,
aponta Gasparini.

Meio ambiente: para onde o Espírito Santo caminha nesse desafio?
O pau-brasil, ainda explorado pelas indústrias de fabricação do arco de violino, sofreu uma grande redução populacional nos últimos 400 anos de exploração. No século XVI, era conhecida pelos índios tupis por “ibirapitanga” e hoje, no ES, é encontrada somente em Aracruz – Foto: Claudio Nicoletti de Fraga

A indústria

O mundo está passando por transformações que demandam a adoção de ações com um olhar voltado às práticas ambientais, sociais e de governança, também conhecidas como ESG.

“Por meio do Conselho Temático de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Coemas), a federação tem atuado em várias frentes, a fim de contribuir para o debate, propor soluções e orientar as indústrias a adotarem melhores práticas. Tornar nossas empresas mais sustentáveis é também um caminho para sermos mais competitivos no mercado global”, afirma a presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo, Cris Samorini.

Para isso, de acordo com ela, a Findes tem intensificado “o diálogo com órgãos ambientais, se aproximado do Governo do Estado e das prefeituras para debater a pauta ambiental de forma técnica e transparente”. A CEO aponta como exemplos o aperfeiçoamento da legislação que deu mais autonomia aos municípios no processo de licenciamento ambiental, a contribuição para elaborar o Plano Estadual de Mudanças Climáticas e a adesão ao Pacto Global da ONU. A Findes também está em processo de construção da Rota Estratégica da Energia e planeja elaborar um inventário de Gases de Efeito Estufa (GEE).

“A indústria já incorpora políticas sustentáveis e tem no radar investimentos que aliam o cuidado com o meio ambiente e a redução de custos, quando o assunto é recurso hidroenergético. A indústria capixaba responde por apenas 2,28% de toda a água consumida no Estado, percentual bem abaixo da média nacional, que é de 9,7%, segundo dados de 2020 da Agência Nacional de Águas (ANA).”, finaliza a presidente.

Governo do Estado

O desenvolvimento sustentável pode e deve impactar e atrair investimentos, afirma o secretário estadual de Meio Ambiente, Fabrício Machado. Segundo ele, o Estado tem desenvolvido ações capazes de avançar nesse sentido.

“O Governo do Estado já atua com um conjunto de investimentos significativos nas gestões de recursos hídricos e de riscos e desastres naturais. E uma das ações foi a criação do Centro de Inteligência de Defesa Civil (Cidec)”, aponta Machado.

Meio ambiente: para onde o Espírito Santo caminha nesse desafio?
Parque Estadual da Forno Grande – Foto: Luiz Fernando Schettino

O Cidec, contratado pela Secretaria de Meio Ambiente (Seama) com recursos do Banco Mundial, foi entregue à Defesa Civil em setembro de 2021, a fim de aumentar a capacidade de prevenção e resposta a desastres, com uso de tecnologia de ponta e maior integração entre os órgãos estaduais e prefeituras municipais.

“É um dos centros mais modernos do mundo na área de gestão de eventos extremos. Com isso, o Estado se torna menos vulnerável a esses eventos, que trazem destroem infraestruturas de comunicação, de transporte, e ceifam o que temos de mais valioso, que são vidas humanas. Com impactos extensivos ao desenvolvimento econômico”, esclarece o secretário.

Machado afirma que o governo entregará, ainda este ano, o Plano Estadual de Mudanças Climáticas, estabelecendo a forma como o Estado poderá se tornar mais atrativo para a indústria e agricultura de baixo carbono. “Contribuímos assim para um desenvolvimento econômico mais equilibrado ecologicamente e sustentável economicamente”, aponta.

Corridas sustentáveis

Em agosto de 2021, o Estado aderiu oficialmente às campanhas “Race to Zero” (Corrida para o Zero) e “Race to Resilience” (Corrida para a Resiliência) da ONU.
Os compromissos visam à redução de emissões de gases de efeito estufa e à resiliência climática, respectivamente.

Segundo o secretário, estão em fase de execução os compromissos assumidos pelo ES, como aprovar em até 12 meses o Plano Estadual de Mudanças Climáticas, atualizar o Inventário de Gases de Efeito Estufa (GEE) e o Plano Estratégico para Ações Emergenciais (Peae).

Em até 24 meses deverá ser instituído o Guia do Investidor Sustentável, com informações para investidores nacionais e internacionais sobre normas, procedimentos e requisitos para a instalação de empreendimentos de energia renovável nos municípios capixabas, obedecendo à Política Estadual de Incentivo à Geração de Energias Renováveis (Gerar). “Os objetivos são diversificar a matriz energética e interiorizar o desenvolvimento socioeconômico, tornando o ambiente de negócios mais competitivo e seguro”, acrescenta Machado.

No mesmo prazo será instituído o Registro Público de Emissões, com critérios mensuráveis de medidas de mitigação e absorção de gases de efeito estufa, obedecendo ao Protocolo de Quioto para os anos de 2030 a 2040, e a neutralização de emissões líquidas até 2050.
O Estado é ainda signatário da Aliança pela Ação Climática — ACA Brasil, uma coalizão internacional dedicada a sistematizar e aumentar o apoio público no enfrentamento à crise climática mundial. Além disso, tem as metas do Acordo de Paris de 2015, ratificado na COP 26.

Meio ambiente: para onde o Espírito Santo caminha nesse desafio?
Apesar de integrar a lista de espécies em extinção, o papagaio-chuá ainda é vendido como filhote para ser criado em gaiolas, o que representa o maior impacto para espécies a ser combatido pela fiscalização ambiental – Foto: Claudio Nicoletti de Fraga

O governador Renato Casagrande destacou que o estado está percorrendo o caminho para atingir a neutralidade de carbono até 2050. “Além das importantes iniciativas citadas, estamos organizando uma Coalizão dos Governadores pelo Clima, para que todos os Estados possam assumir esses mesmos compromissos”, destaca.
Casagrande reconhece que um dos principais desafios é fazer a transição para a economia de baixo carbono, ou seja, incentivar as energias renováveis – solar, eólica, biomassa, entre outras.

“No passado era uma preocupação de que isso poderia prejudicar a economia, mas se tornou uma oportunidade, que gera desenvolvimento e mais empregos”, destaca o governador.

Nesse desafio, o diálogo com a indústria e empresas está sendo garantido por meio de instâncias como o Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas e a Comissão Estadual de Mudanças Climáticas. “Representantes do setor têm contribuído de forma efetiva e sinérgica na construção do Plano Estadual de Mudanças Climáticas, que será o norte para a condução da política relacionada a essa vital questão”, finaliza o governador.

Esta matéria foi publicada originalmente em 14 de Agosto de 2022, no portal da Revista ES Brasil. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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