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sábado, 27 abril, 2024

Entrevista: Ricardo Ferraço

Relator da reforma trabalhista nas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS) no Senado debate os principais pontos de crítica da proposta

Diante do episódio envolvendo o presidente Michel Temer nas delações de Joesley Batista, que desencadeou novo pico na crise política nacional, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) chegou a anunciar que a apreciação da matéria estaria suspensa. Mas, em seguida, defendeu a necessidade de separar a crise do governo dos interesses nacionais. O parlamentar, que está com a agenda lotada, abriu espaço nos seus compromissos políticos e pessoais para atender a ES Brasil em uma entrevista exclusiva, na qual apresenta os argumentos que o fazem defender o andamento do processo.

Por que mudar as leis trabalhistas?

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As leis trabalhistas foram feitas em 1940. Naquela época, o Estado era o grande tutor do país, com direito de intervir na vida das pessoas, nas decisões. Por outro lado, o trabalhador era considerado hipossuficiente, incapaz de se organizar. De lá pra cá a vida mudou, o Brasil mudou, o mundo todo mudou. Como não entender a urgente necessidade de adaptar as leis trabalhistas à nova realidade de trabalho? Um estudo recente comparou a legislação trabalhista de 150 países. Estamos na contramão dos países desenvolvidos. Precisamos, na prática, tirar a pata do Estado, que há anos vem tentando resolver a vida das pessoas. E é fato que não tem obtido sucesso nesse ponto, há prejuízo ao trabalhador.

Mas quem é prejudicado pela lei atual?

Tenho apresentando constantemente um dado que ilustra de forma muito clara esse prejuízo. Temos hoje 140 milhões de brasileiros em idade laboral, mas somente 50 milhões com carteira assinada. Desse montante, 11 milhões são servidores públicos, 39 milhões atuam no setor privado. Mas temos 90 milhões de brasileiros que não ingressaram no mercado de trabalho pela porta da frente, não têm carteira assinada. Esses trabalhadores precarizados não têm sindicato nem parlamentares que os defendam. Isso significa que temos 90 milhões de brasileiros que se submetem a todo tipo de contratação, não têm direito a férias, Fundo de Garantia, 13º salário, seguro-desemprego, auxílio-maternidade e nenhum amparo em caso de acidente. Isso é justo? Está correto? As leis que estão aí foram construídas para um país que não existe mais. Em 77 anos, a CLT não foi capaz de gerar a inclusão necessária.

O maior receio do trabalhador e principal argumento da oposição é sobre a perda de direitos duramente conquistados ao longo dos anos. Como não temer esse prejuízo?

Há muita má-fé por parte de alguns segmentos que estão tendo seus interesses contrariados. Esse argumento é uma falácia.
A reforma trabalhista é uma lei ordinária, jamais irá sobrepor-se à Constituição Federal, onde os direitos dos trabalhadores estão consagrados. Essas mesmas pessoas que afirmam perda de direitos, quando questionadas sobre qual deles será perdido, não conseguem apontar um único sequer. O que a proposta atual faz é uma leitura muito adequada sobre o mercado de trabalho, sobre a forma como ele está desenhado hoje. E realmente espero que a gente consiga dar prosseguimento nessa direção e apartar a crise política das reformas que precisam ser enfrentadas.

Entrevista: Ricardo Ferraço

Novas regras, como a possibilidade de divisão de férias em até três vezes e redução do horário do almoço, não representam risco de prejuízo ao trabalhador?

Essas não são regras que podem ser impostas pelo empregador. Tanto a divisão das férias quanto a redução do horário de almoço são decididas pelo trabalhador. Uma possibilidade que já existe na Alemanha, na Eslovênia, e que tem dado muito certo. A divisão das férias traz a enorme vantagem de permitir ajustes para que a pessoa possa aproveitar as férias do companheiro ou filhos na escola. Além disso, o trabalhador que precisar sair, por exemplo, duas vezes por semana mais cedo para buscar o filho na escola, ou para fazer um curso, negocia então redução do tempo para almoço com o empregador. Vou além, pergunte às pessoas que você conhece e vai constatar que a grande maioria delas prefere fazer apenas uma hora de almoço e sair às 17 horas a sair às 18 horas.
Essa flexibilização valoriza o espaço da família.

E quanto à terceirização? Recentemente, um juiz do Trabalho em Vitória escreveu um artigo apontando que essa forma de contrato reduz em 30% os salários e que nos últimos anos “nada menos que 80% dos acidentes de trabalho no Brasil ocorreram com trabalhadores terceirizados”.

Também é preciso desmistificar essa questão. Falar em precarização do trabalho é falacioso, pois o trabalhador continuará tendo sua carteira assinada e todos os direitos trabalhistas previstos na legislação. A pesquisa que existe mostrando que o terceirizado ganha menos possui um erro crasso, pois só considera a remuneração de atividades nas quais se permitia terceirizar, isto é, as atividades-meio, que são as de menor remuneração. A terceirização nada mais é que a especialização.
É permitir que as empresas atuem em coordenação, focando as áreas que possuem maior expertise. A terceirização facilita a contratação da mão de obra temporária. Facilita a expansão dos empregos. Muitas vezes, a empresa resiste à hipótese de aumentar o emprego justamente em consequência da rigidez das leis trabalhistas. Daí a importância da terceirização, para fazer com que funções temporárias ou em caráter não permanentes sejam viabilizadas.

Entrevista: Ricardo Ferraço

E quanto ao fato de o acordado ter superioridade ao legislado? Também não é risco?

É outro argumento sem sentido. Primeiro porque o acordado sobre o legislado já é previsto na legislação federal e há larga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a favor do acordado.
A proposta divide claramente o que pode o que não pode nesse tema. E tudo aquilo que está no artigo 7ª° da CF, que são os direitos fundamentais da pessoa que trabalha nas áreas urbana e rural, não pode ser afetado. O negociado sobre o legislado vale para questões específicas. Segundo, porque as pessoas acham que é o trabalhador que vai negociar com o patrão, mas não é essa a realidade. São os sindicatos de classe que negociam com os sindicatos patronais, em pé de igualdade. Essa obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações é constitucional, portanto, falta mesmo é informação, para que de fato as pessoas possam saber o que estamos fazendo aqui. O que estamos buscando para o Brasil é o que vem sendo empregado nos países desenvolvidos e tem dado certo, gerando desenvolvimento.
Nosso país é imenso, heterogêneo. Você não consegue hoje com uma única norma atender aos anseios das diferentes categorias e regiões. Daí a importância fundamental da convenção coletiva, capaz de garantir as melhores condições ao trabalhador daquela determinada categoria, naquela região. As leis atuais têm engessado o mercado de trabalho, impedido que prospere livremente, sem esse intervencionismo do Estado, que quer decidir tudo pelas pessoas como se elas não tivessem capacidade para isso.

Por que os defensores da reforma afirmam que a legislação atual prejudica o empreendedorismo?

Há pouco tempo tivemos aqui no Estado a presença do juiz do Trabalho do Paraná Marlos Augusto Melek, que destacou exatamente esta questão: a de que o governo brasileiro trata os pequenos empresários, os empreendedores, com muita hostilidade. E é muito fácil exemplificar essa hostilidade. A CLT trata o dono da pequena padaria do seu bairro da mesma forma que trata mal o dono do maior banco do país. Sobra hostilidade nas áreas tributária, trabalhista e administrativa. Converse com alguém que abriu um negócio e pergunte como foi o processo para obtenção dos alvarás de funcionamento, por exemplo.

A oposição afirma que a velocidade do andamento da reforma é um forma de auxiliar Temer a se manter no poder. O tempo de debate não foi realmente muito pequeno?

Há décadas discutimos a necessidade de aperfeiçoamento de lei trabalhista. Essa reforma não tem dono, não representa projeto de nenhum governante, e sim traduz uma necessidade real do país para sair desse cenário tão crítico. A proposta não se pauta em “achismo”, especulação. Tivemos orientação de assessores técnicos do Senado altamente capacitados para pesquisar e avaliar todos os pontos críticos. Estou pronto para acertar contas com o futuro. Defendo essa proposta com a convicção e a serenidade de que estamos fazendo o necessário, o melhor.

Um agravamento da crise política pode paralisar o processo de votação das reformas?

A crise por certo é muito grave, complexa, envolve diretamente não apenas o governo, mas também a pessoa do presidente da República. E é claro que isso fortalece a oposição. Mas vamos continuar fazendo esforço para manter separada a crise que liga o presidente, o governo, da manutenção dos processos que todos admitem serem pressupostos à retomada da economia, ao desenvolvimento do Brasil. Por isso, mesmo diante de algumas discordâncias, espero que haja continuidade das reformas.

O senhor trabalha com a possibilidade de não conseguir aprovar a reforma?

Mesmo diante de alguns impasses e discordâncias, que são normais em um processo democrático, continuo reafirmando a importância de que haja entendimento sobre o grau de importância da matéria. Estou muito confiante de que conseguiremos aprovar a reforma no Senado ainda no mês de julho.

PERGUNTAS RESPONDIDAS APÓS A APROVAÇÃO DA REFORMA NO DIA 11 DE JULHO DE 2017

O senhor já esperava a aprovação da reforma?
Eu sempre acreditei porque a reforma é uma necessidade há décadas. As nossas leis trabalhistas não dialogam com as pessoas e muito menos com o mercado de trabalho, precisávamos desta reforma e eu sempre acreditei nesta aprovação.

As pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre a reforma. Ela vale para todos?
Sim. Para os contratos de trabalho que já estão vigentes e os que serão firmados. Os acordos e convenções coletivas serão mantidas, ela não irá alterar estes dois itens.

A Reforma Trabalhista realmente aumentará a oferta de postos de trabalho?
A flexibilização acompanhada da proteção será responsável sim pela inclusão de pessoas no mercado de trabalho. Essas pessoas entrarão pela porta da frente no mercado, terão chance de sair da informalidade.

Será o fim dos sindicatos?
Em absoluto. Não debatemos o fato sim o fim do imposto sindical. O sindicato não pode acabar porque só ele pode assinar acordos ou convenções coletivas. O que acontecerá agora é que os sindicatos terão que se reinventar para atraírem associados. Os bons sindicatos que realmente defendem e trabalham pelos interesses dos trabalhadores continuarão a existir.

 A matéria acima é uma republicação da Revista ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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