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sexta-feira, 19 abril, 2024

Covid-19: estamos vivendo provisoriamente?

Depois de dois anos de pandemia de Covid-19, a sociedade parou. Sonhos e projetos de vida foram adiados. No entanto, é possível retomá-los ou planejar novas conquistas.

Por Wesley Ribeiro 

O casamento, a viagem, o novo emprego, a mudança para outra cidade ou o ingresso no Ensino Superior, sejam quais forem os sonhos muitos precisaram ser postergados. Adiar os sonhos não é algo raro, mas nunca foi tão comum. Com a pandemia de Covid-19 entrando no terceiro ano, algumas barreiras inéditas e inesperadas se ergueram diante da realização de alguns projetos pessoais, inclusive levando os sonhadores à desistência.

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Então, será que estamos vivendo provisoriamente? Engavetamos nossos sonhos e desejos enquanto aguardamos o fim da pandemia? Vamos continuar vivendo do “jeito que dá”? Quais as implicações dessa condição?

Para responder a essas questões a Revista ES Brasil entrevistou, com exclusividade, Alexandre Vieira Brito. Ele é psicólogo e professor no Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC).

Que é necessário para viver um sonho?

Para viver um sonho é preciso certa dose de liberdade, mas as restrições da pandemia reduziram bastante nossas possibilidades. Isso incomoda, porém ao invés de viver isso como desafio, muitos acabam procrastinando e outros desistindo. Até podemos abandonar um projeto, isso também faz parte da vida. No entanto, jamais devemos perder nossa capacidade de sonhar e, pelo contrário, devemos iniciar novos projetos.

Mesmo com a pandemia de Covid-19 em andamento, é possível realizar os sonhos?

Para 2022, portanto, podemos retomar alguns desejos adiados considerando sua importância ou planejar novas conquistas. E tudo isso não é sem consequências, pois, essas expectativas e mesmo o medo diante do novo podem gerar ansiedade. A ansiedade já faz parte da vida e de momentos como este que estamos vivendo, e com os novos desafios da pandemia ela tende a aumentar. Vale lembrar que o Brasil é o país mais ansioso do mundo, desde antes desta pandemia. Claro, as pessoas ainda têm receios, e teriam mesmo sem a pandemia. Todavia, a Covid-19 amplia as intensidades. O problema é que, ao abandonar um sonho, a gente também abandona uma parte de nós.

Então é possível ser otimista mesmo em tempo tão adverso como o nosso?

Estar otimista para 2022 é ter esperança de dias melhores, de novos projetos, de novos fôlegos, de uma nova vida. O novo nos gerou angústia e diante dela precisamos produzir nossos sentidos para nossa existência, reformularmos alguns significados e acentuarmos a importância dos nossos valores. Um gato tem sete vidas, mas nisso nós podemos superá-lo!

Até que ponto é possível controlar a própria vida para evitar perdas e vivê-la da forma como a gente quer?

É importante destacar que a perda e a mudança estão intimamente relacionadas. Não é possível nós pensarmos em uma mudança sem perder algo, sem que algo se transforme, sem que deixemos algo, mesmo que não venhamos ter novos ganhos. Quando falamos dessa vida que, em grande parte, nós não controlamos, isso também diz muito respeito, justamente, a como nós lidamos com as adversidades, com os desafios, com a crise, com o risco e mesmo com o medo de se colocar em risco.

Quais os prejuízos de engavetar os sonhos durante a pandemia?

É fundamental que, neste momento de pandemia de Covid-19, possamos resgatar alguns sonhos, conhecer o nosso tempo e respeitá-lo, ou mesmo abandonar alguns sonhos, e isso não é necessariamente algo ruim. O ruim é quando abandonamos nossa capacidade de sonhar. Podemos muito bem alterar os nossos planos, as nossas expectativas e começar novos planos, novas empreitadas, novos empreendimentos. Procurar novidades e essas novidades não são desconectadas da saúde mental. Ao mesmo tempo elas produzem muito medo. Aliás, um medo que é fundamental, pois, faz com que nós hajamos com responsabilidade.

Com a continuidade da pandemia, estamos vivendo uma espécie de ‘pesadelo permanente’.

Então, diante disso que nós não sabemos nomear, diante disso que vemos como imprevisto, diante de tudo isso que ainda não tem uma fórmula, uma bússola, um mapa para se guiar, para encontrar a melhor saída e os melhores caminhos, diante dessa falta, precisamos inventar, recriar, criar, produzir, se reinventar. Essa é uma maneira de lidar justamente com isso que você chamou de uma espécie de ‘pesadelo permanente’.

Como lidar com esse ‘pesadelo permanente’?

Esse ‘pesadelo permanente’ por um lado pode se transformar em algo positivo enquanto aprendizado, enquanto nos mover de um lugar do qual não conseguimos sair, nos tirar daquilo em que estamos acomodados, ou seja, nos incomodar, nos levar para a ação e para a decisão.

“Porque a pandemia de covid-19, de alguma forma, é a vida dando uma lição de que ela, na verdade, não necessariamente é o que nós esperamos que ela seja.”

E como manter a saúde diante das perdas provocadas pela pandemia?

Nós temos que não só aprender a lidar com todos esses desafios – pois a saúde é nossa capacidade de lidar com os desafios, de lidar com as crises – mas ao mesmo tempo saber fazer o luto das perdas que nós vimos acumulando ao longo dessa pandemia. Perdas financeiras, perdas familiares, perdas de alguns sonhos, perdas de expectativas, enfim… E isso também pode criar e gerar alguns sintomas psicológicos. De qualquer forma é possível tirar algo positivo de tudo isso. Porque a pandemia de Covid-19, de alguma forma, é a vida dando uma lição de que ela, na verdade, não necessariamente é o que nós esperamos que ela seja.

Como conciliar nossos sonhos com a realidade atual?

Nós precisamos saber conciliar nossos sonhos e desejos com a vida real, não só com o virtual e o imaginário. E isso é positivo sim, pois gera grande aprendizado e também pode gerar mais simpatia, mais solidariedade em relação ao outro. Isso é um grande aprendizado. E quem está passando por tudo isso e, no entanto, não está superando, sustentanto as decisões, não está sabendo lidar com as adversidades e se sente sem lugar no mundo, se sente como se o seu desejo não fosse mais se realizar, sente que voltou para a estaca zero, ou que não tem mais saída, ou que tudo acabou, é possível sim, reiniciar, resgatar sua capacidade de sonhar. É possível sim, agir!

E quando é hora de buscar ajuda?

Mas se a pessoa não consegue se reinventar, é possível pedir ajuda profissional. Existem vários profissionais de saúde mental que podem contribuir para a recuperação da pessoa. Talvez a pessoa não recupere o que tinha, mas que se recrie, que comece a tomar novas decisões, a fazer novas escolhas, a buscar novas saídas. Dessa forma é possível se reinventar diante das crises, das adversidades, diante do medo. Além disso, o medo não precisa nos paralisar. O medo é uma forma de nos responsabilizar e de nos fazer agir com cautela. Existem psicólogos, psiquiatras e vários serviços de saúde que dispõem desses atendimentos, seja no setor público ou privado, nos quais os profissionais podem contribuir para que a pessoa cuide de sua alma. Para que consiga lidar melhor com tudo isso que está acontecendo de um jeito a manter alguma saúde e uma foça vital. Enfim, para que a pessoa não desista de viver, mesmo que esse seja o pensamento frequente diante de algumas perdas.

Como lidar com o luto gerado pela pandemia de Covid-19?

A vida tem demonstrado que ela supera os nossos sonhos e expectativas e que, de algum modo, nós precisamos nos conciliar com as coisas do modo como elas são. Nem sempre nós podemos ter controle de tudo. É uma das principais lições que nós podemos obter com a atualidade. E que nós podemos, mesmo com medo das adversidades, produzir movimentos de superação. Superar a nós mesmos. Nós precisamos saber que cada um tem o seu tempo. Saber que quando se está diante de um luto, isso não é doença, isso faz parte de um processo de saber perder e apesar da perda, continuar vivendo e sonhando. Podemos tirar forças, inclusive, da dor. Se a pessoa não estiver sustentando, sabendo lidar com esse sofrimento, precisa fazer um percurso solitário, porém, pode contar com profissionais da psicologia e da psquiatria que vão contribuir para que possa enfrentar a dor da perda ou da desistência da melhor maneira possível.

“A vida tem demonstrado que ela supera os nossos sonhos e expectativas e que, de algum modo, nós precisamos nos conciliar com as coisas do modo como elas são.”

Perfil do entrevistado

Alexandre Vieira Brito é psicólogo e mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Filosofia e Psicanálise pela Ufes, bem como em Políticas Públicas e Socioeducação pela Universidade de Brasília (UnB).

Possui experiência de dez anos como psicólogo no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), desenvolvendo ações em saúde mental, formação profissional e políticas públicas.

Realiza atendimento clínico há 12 anos em Vitória/ES e atendimento online. Atualmente, também atua como professor universitário e palestrante, articulando a psicologia em suas interfaces com outros saberes.

Está no Instagram como @alexandre_psicologia e também produz conteúdo em vídeo que fica disponível em seu canal do Youtube “Psicologia e a Vida Cotidiana”.

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