O ES enfrenta não apenas os efeitos imediatos desta guerra comercial, mas um dilema estrutural sobre seu modelo de inserção na economia global
Por Eduardo Araújo
Quando duas potências econômicas trocam golpes tarifários como boxeadores tontos, o resto do mundo não apenas assiste da plateia – somos todos inevitavelmente arrastados para o ringue. A recente intensificação das tensões entre Estados Unidos e China, com tarifas punitivas de até 25% sobre produtos chineses e retaliações de 10% a 15% sobre produtos agrícolas americanos, representa mais um capítulo de um fenômeno que precisa ser claramente compreendido: uma guerra comercial.
Mas afinal, o que é exatamente uma guerra comercial? Em essência, trata-se de um conflito econômico onde países impõem barreiras comerciais uns contra os outros, geralmente na forma de tarifas ou restrições às importações, com o objetivo declarado de proteger suas indústrias nacionais.
No caso atual, os EUA justificam as tarifas como necessárias para defender empregos e indústrias americanas da competição chinesa, enquanto a China responde com medidas semelhantes. Não se trata de um fenômeno isolado – o México e o Canadá também anunciaram retaliações às tarifas impostas por Trump, evidenciando como rapidamente estes conflitos podem escalar e se espalhar pelo sistema comercial global.
A história econômica nos oferece lições claras sobre guerras comerciais: elas raramente produzem vencedores. Durante a Grande Depressão dos anos 1930, a Lei Smoot-Hawley elevou tarifas americanas, desencadeando retaliações globais que contribuíram para reduzir o comércio mundial em mais de 60% e agravar a crise econômica.
Este é o paradoxo central do protecionismo: embora politicamente atraente pela promessa de proteger empregos domésticos, ele acaba prejudicando a economia como um todo ao elevar preços para consumidores, aumentar custos para empresas que dependem de insumos importados e reduzir a eficiência produtiva que vem da especialização internacional.


Para o Espírito Santo, esta guerra comercial apresenta uma dualidade que merece análise cuidadosa. Por um lado, o estado é um exportador expressivo de produtos como aço, café e celulose – em 2024, as exportações de celulose somaram aproximadamente US$ 532 milhões, enquanto 8,4 milhões de sacas de café foram escoadas pelos portos capixabas.
Neste cenário, as empresas locais poderiam teoricamente ocupar espaços deixados pelos americanos no mercado chinês, especialmente considerando que a China acaba de impor tarifas sobre produtos agrícolas dos EUA, incluindo setores onde o Brasil já é fornecedor prioritário.
A história recente do primeiro mandato de Trump (2017-2020) parece reforçar esta expectativa otimista. Naquele período, o Brasil aumentou sua participação no comércio global, saltando de 20% para quase 30% do PIB em exportações e importações, justamente quando o comércio mundial recuava. Contudo, este novo cenário apresenta diferenças fundamentais em relação ao anterior, com implicações diretas para a economia capixaba.
Diferentemente da primeira guerra comercial, quando o Brasil ficou relativamente ileso das tarifas americanas, agora existe um risco real de o país entrar no radar tarifário de Trump. O próprio republicano já ameaçou taxar os países do BRICS, grupo do qual o Brasil faz parte. Isso evidencia um dos aspectos mais perniciosos das guerras comerciais: sua tendência a escalar e afetar países que inicialmente pareciam estar à margem do conflito.
O aspecto mais preocupante para o Espírito Santo reside no potencial inflacionário desta nova guerra comercial. Especialistas já apontam este como “um risco inflacionário que se concretizou”. Para a economia capixaba, isso significa uma equação complexa: se por um lado os produtores locais podem se beneficiar do aumento da demanda chinesa por produtos brasileiros, por outro, esse mesmo fenômeno tende a pressionar os preços domésticos. Quando aumentamos as exportações de alimentos enquanto a oferta doméstica permanece relativamente constante, o resultado inevitável é a pressão inflacionária sobre preços internos.
Outro elemento subestimado no debate é o espaço limitado para expansão das exportações brasileiras em alguns setores. O Brasil já é responsável por cerca de 70% da soja comprada pelos chineses, deixando pouca margem para crescimento adicional. No caso do petróleo, outro produto relevante para a economia capixaba, a China tem como principais fornecedores os países do Oriente Médio, África e Rússia. Esta saturação de mercado sugere que os ganhos potenciais para setores importantes da economia espírito-santense podem ser mais modestos do que o otimismo inicial sugeriria.
A análise das perspectivas para o Espírito Santo deve considerar ainda um cenário mais amplo: a possibilidade de Trump e Xi Jinping fecharem um novo acordo comercial, como o de 2020. Naquela ocasião, a China comprometeu-se a aumentar as compras de produtos americanos, o que representou um retrocesso para o Brasil como fornecedor. Para o Espírito Santo, cuja economia desenvolveu sofisticada infraestrutura portuária voltada para o comércio internacional, essa volatilidade nas relações comerciais globais representa um desafio estrutural para o planejamento de longo prazo.
Além disso, as guerras comerciais tendem a minar a própria lógica econômica da especialização e comércio internacional, que desde os estudos pioneiros de David Ricardo no século XIX demonstram como o comércio pode beneficiar todas as partes envolvidas ao permitir que cada nação se especialize naquilo que faz relativamente melhor. Quando países adotam medidas protecionistas, reduz-se a eficiência global da produção, elevam-se preços e diminui-se o bem-estar geral – uma conclusão apoiada por praticamente todo o corpo teórico da economia moderna.
O Espírito Santo, portanto, enfrenta não apenas os efeitos imediatos desta guerra comercial, mas um dilema estrutural sobre seu modelo de inserção na economia global. Se a guerra tarifária beneficia temporariamente certos setores exportadores, também traz riscos inflacionários e incertezas para uma economia regional profundamente integrada às cadeias globais. A verdadeira proteção para a economia capixaba não virá de ganhos comerciais transitórios, mas da construção de uma economia mais resiliente, diversificada e menos dependente das oscilações geopolíticas.
A história nos ensina que o protecionismo comercial é como um medicamento de efeitos colaterais mais graves que a doença que pretende tratar – pode parecer uma solução simples e atraente para problemas econômicos complexos, mas invariavelmente acaba agravando a situação que prometia resolver.
Para o Espírito Santo, navegar com prudência neste cenário turbulento significa reconhecer tanto as oportunidades quanto os riscos desta nova guerra comercial, preparando-se não apenas para os efeitos de curto prazo, mas para as transformações estruturais que ela pode desencadear na economia global.
Eduardo Araújo é Economista, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford; Consultor do Tesouro Estadual na Sefaz- ES