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quarta-feira, 24 abril, 2024

Blow-up

O contexto em que atualmente vivemos me leva a pensar nas vezes em que a arte e a cultura tentaram mostrar à Humanidade a realidade de suas injustiças e descaminhos

Seja no cinema, na literatura ou música, é possível encontrar, com a facilidade que o mundo digital permite, alguns exemplos marcantes. O trade-off dessa facilidade e rapidez é perder aquela inestimável sensação de se dirigir a uma biblioteca e, na frente de tantas obras e naquele silencio instigador, navegar por páginas e páginas, por gravuras e fotografias reveladoras desse caminhar da Humanidade.

Na busca pelo hedonismo, pela felicidade coletiva de um grupo social, por exemplo, me veio à lembrança um filme do genial Michelangelo Antonioni: Blow-Up. Filme que no Brasil recebeu o título “Blow-up, Depois daquele beijo”. Uma obra elogiada até por Bergman, seu rival, comenta o estilo de vida londrino dos anos 1960, principalmente.  Lançado em 1966, com proibição de sua apresentação nos EUA, em razão de sua “liberalidade”, foi um sucesso imenso. O termo blow-up, em fotografia, significa ampliar. E é exatamente esse seu leit motiv. Ao revelar uma foto de um parque londrino, um fotógrafo percebe algo intrigante e resolve ampliá-la até ter uma visão melhor desse detalhe. O que ele descobre é um ato que se contrapõe à essa visão da felicidade no convívio humano. Hoje, o que vemos acontecer nos Estados Unidos, que corajosamente, diferentemente de muitos outros países, enfrenta abertamente seus erros e omissões, é uma blow-up de uma fotografia social que parecia bela e normal, mas, cuja ampliação, vai revelando detalhes indesejáveis. E que devem ser corrigidos. Pena que não são muitos os países que reconhecem seus erros, lutam por suas correções e enfrentam suas realidades sociais injustas.

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Como fez o norte-americano Bob Dylan, ao escancarar para o mundo o caso Rubin Carter, na belíssima música Hurricane. Carter estava preso e havia escrito um livro sobre o movimento em favor dos direitos civis afro-americanos nos EUA. A prisão de Carter se deu em 1966, acusado de homicídio, ficou preso por 19 anos injustamente, diz a canção de Dylan, lançada em 1975. Apesar de passar ileso por detectores de mentiras e das testemunhas que não o reconhecerem como autor, um júri o condenou à prisão perpétua. Detalhe, nesse corpo de jurados, todos eram brancos. Depois de ler sua biografia, publicada em 1974, Dylan o visitou na prisão, se convenceu de sua inocência, fez a música e promoveu inúmeros shows beneficentes que deram transparência ao seu caso jurídico. Com o apoio de muitas outras pessoas esse movimento fez o caso ser revisto e um juiz federal, em 1985, reconheceu que houve má fé nos julgamentos anteriores. Carter viveu em liberdade, no Canadá, até 2014.

Na literatura, muitos abordam a injustiça social. Algumas a ela associam o flagelo econômico. Como a obra prima As Vinhas da Ira do norte-americano John Steinbeck. Um pungente relato da condição de vida das pessoas que tiveram que abandonar suas terras pelo avanço implacável das novas máquinas agrícolas, pelas tempestades de pó que dizimavam suas casas e colheitas – as quais lhe garantiam a tomada de empréstimos nos bancos – e pelos efeitos econômicos da Grande depressão. Uma obra da magnitude de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Em suas anotações preliminares à escrita do livro, Steinbeck escreveu em um caderno: “Eu quero por um letreiro de vergonha nos bastardos gananciosos que são responsáveis por esta grande depressão e pelos seus efeitos” e também, “Fiz o mais que pude para esfarrapar os nervos do leitor”.

Antônio Marcus Carvalho Machado é economista (Ufes) e mestre em Administração (UFMG)

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