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sexta-feira, 26 abril, 2024

A arte de educar e impor limites

Pais devem usar de firmeza e ternura ao ensinar o que os filhos podem ou não fazer: dizer “não” é saudável e necessário

Por Taís Hirschmann

Quem já não se deparou com aquela cena da criança em um supermercado ou loja, aos gritos, se jogando no chão, e viu o pai ou a mãe atônitos, sem saberem o que fazer? Na hora, comentou ou pensou: “se fosse meu filho, não faria isso”.

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Aí, anos mais tarde, encontra-se com a mesma situação, só que, desta vez, no lugar daquele pai ou mãe. A história se repete há anos e vai continuar se repetindo se pais e mães não souberem impor limites a seus filhos desde cedo.

A pediatra Christiana Kelly dos Santos defende que a criança nasce como uma “folha em branco”: sem vícios, manias e sem seus limites definidos. Seu cuidador, seja o pai, a mãe, os avós, tios ou outros, é que vão definir sua história de vida, determinando seus hábitos por meio da educação. “As crianças nos testam o tempo todo, avaliando até onde podem chegar com chantagens e pirraças”, diz.

Sua recomendação aos pais cujos filhos promovem cenas de birra em local público é que ignorem o fato. “Saia de perto, mostrando que aquilo não está afetando você. Tenha certeza de que novos testes serão praticados. Tudo que se ensina em casa se repete na rua. Mesmo achando que o que você fala ‘entra por um ouvido e sai pelo outro’, sempre transmita o que é certo”, alerta.

A arte de educar e impor limites
“Os pais passam a maior parte do tempo trabalhando e não ensinam valores aos filhos, que entram na adolescência e se deixam levar pelos impulsos. Por um lado, impulsos naturais, considerando-se o aspecto instintivo. Mas, do ponto de vista humano, são inaceitáveis” – Olga Tessari, psicoterapeuta

Christiana afirma que é comum os filhos se comportarem melhor quando estão longe da presença dos pais. “Apesar de termos dúvidas, sempre fica gravado em suas memórias o que ensinamos como sendo certo ou errado. Mas, conosco, querem chamar a atenção o tempo todo, principalmente nos casos em que os pais ficam no trabalho o dia todo”, explica.

Já a psicóloga Lucia Regina de Castro Barros destaca que algumas atitudes dos pais são imprescindíveis para construir uma boa relação com seus filhos e tornar mais fácil a imposição de limites. “Carinho, paciência, perseverança e coerência. É preciso manter uma comunicação clara e constante com os filhos. As crianças aprendem pela ‘técnica do espelho’: tendem a repetir os comportamentos das pessoas que amam, admiram e acreditam”, explica Lucia.

Distanciamento é prejudicial

A necessidade cada vez maior de se ausentarem por longos períodos, exigência do mundo do trabalho, faz com que muitos pais percam o contato afetivo com os filhos, o que os leva a ignorar atitudes importantes e esclarecedoras do dia a dia de seus rebentos. É importante resgatar essas relações de amor e estabelecer comunicação constante com os filhos.

“O amor dos pais deve ser concreto. Eles devem ser capazes de demonstrá-lo de forma efetiva, factual, sair do abstrato. Pais afetuosos têm filhos mais confiantes em si mesmos e estes conseguem lidar melhor com os conflitos. Eles também constroem relações espontâneas e sadias”, analisa a psicóloga.

Mas muitos adultos se perguntam: como impor limites sem prejudicar a delicada relação entre pais e filhos? Lucia Barros esclarece que os pais não podem autorizar ou proibir conforme os seus desejos pessoais ou estados de espírito momentâneos.

As regras devem ser claras, objetivas e ser seguidas à risca. Eles devem ainda demonstrar que os adultos também têm limites a respeitar, justificando o motivo do limite e lembrando que as razões têm a ver com segurança e/ou respeito a princípios.

O que importa é deixar sempre claro que a punição, quando aplicada, é pelo ato, e não pela pessoa. Aos pais cumpre repetir um “não” quantas vezes for necessário, usar a autoridade sem humilhar e nem impor castigos físicos, que geralmente só surtem efeito momentâneo. Enfim, usar da afetividade e assertividade para impor limites. As palavras de ordem são: firmeza com ternura.

A psicoterapeuta Olga Tessari alerta para o fato de que a falta de limites para os filhos pode formar um adulto sem noção de respeito ao próximo. E não é raro ver, pelo noticiário, casos de adolescentes e jovens sem controle, vandalizando em ambientes públicos, geralmente em escolas – que, na teoria, deveriam ser espaços exemplares para se pôr em prática a civilidade, a cortesia, enfim, os princípios adquiridos em casa.

No caso de conflitos e falta de respeito ao próximo, Olga explica que a incapacidade de o adolescente ou jovem aceitar o outro e tentar assimilar pontos de vista diferentes está diretamente ligada à falta de limites. “São crianças mimadas, que acreditam que devem obter tudo o que desejam. E que sua visão é a única possível, e aí, quem está fora tem de ‘se virar’ para corresponder às expectativas, porque, no fim das contas, o mimado tem que conseguir o que quer, e tem que conseguir sempre”, diz.

A arte de educar e impor limites
“Em caso de pirraça, saia de perto, mostrando que aquilo não está afetando você. Tenha certeza que novos testes serão praticados. Tudo que se ensina em casa se repete na rua. Mesmo achando que o que você fala ‘entra por um ouvido e sai pelo outro’, sempre transmita o que é certo” Christiana Kelly dos Santos, pediatra

Olga afirma que os pais são os principais responsáveis pela falta de respeito dos jovens para com os outros. “Eles dão pouca atenção aos filhos e tentam compensar fazendo todas as suas vontades. Os filhos ficam mal acostumados e resultam nessa geração que temos aí hoje. Os pais passam a maior parte do tempo trabalhando e não ensinam valores aos filhos, que entram na adolescência e se deixam levar pelos impulsos. Por um lado, impulsos naturais, considerando-se o aspecto instintivo. Mas, do ponto de vista humano, são inaceitáveis, já que temos regras e valores que não estão sendo bem colocados hoje”, alerta.

Tempo de qualidade

Então, como administrar melhor o pouco tempo com os filhos? Para a psicóloga Lucia Barros, não há outra saída a não ser aumentar a qualidade do tempo disponível. “Colocar-se como criança, brincar junto com ela. O adulto deve permitir-se ser criança novamente.

Se você tiver apenas 30 minutos com seu filho, esses minutos devem ser disponibilizados para fazer coisas juntos, brincar, ler, assistir aos desenhos deles, enfim, colocar-se como criança. Não tente trazê-lo para o mundo do adulto. Lembre-se: seu filho nunca foi adulto, mas você já foi criança.

No caso do adolescente, procure fazer os programas dele. Valorize cada momento juntos”, recomenda. Além dos aspectos psicológicos, a mudança positiva de atitude dos pais pode tornar o filho mais saudável, fazendo com que adoeça menos. Lucia Barros diz que a criança sente mais segurança num ambiente de pais presentes, participativos e afetivos, o que por sua vez se reflete positivamente no desenvolvimento saudável, tanto no aspecto físico quanto emocional.

“Existe um aspecto importante que os pais devem levar em consideração. Trate seu filho como criança enquanto ele ainda é uma criança. É fundamental, especialmente para os pais, saber que a criança vai crescer e se tornar um adulto. E quando isso acontecer, é importante que os pais tratem o adulto como adulto, e não como criança. Do contrário, só estarão contribuindo para que os filhos criem dependência emocional das pessoas que os cercam, podendo tornar-se adultos com dificuldades de tomar decisões ou estabelecer relações saudáveis”, alerta.

A arte de educar e impor limites
“Carinho, paciência, perseverança e coerência. É preciso manter uma comunicação clara e constante com os filhos. As crianças aprendem pela ‘técnica do espelho’: tendem a repetir os comportamentos das pessoas que amam, admiram e acreditam” – Lucia Regina de Castro Barros, psicóloga

A criança deve ser incentivada a ser autônoma e independente de acordo com a sua faixa etária, estimulando sempre seus reais potenciais.

Uma observação feita pela psicóloga Lucia Barros, com base nos atendimentos realizados em seu consultório, é que os pais têm se eximido de assumir a responsabilidade de educar seus filhos. “Eles têm enorme dificuldade de impor limites e fazê-los lidar com as consequências dos atos. As crianças, por sua vez, sagazes como são, percebem e se aproveitam dessa fragilidade para impor seus desejos, exigindo serem satisfeitas imediatamente, não raro se revelando pequenas tiranas de seus pais que, por seu turno, não sabem ou têm dificuldades para sair da teia que eles próprios criaram”, conclui.

“Em caso de pirraça, saia de perto, mostrando que aquilo não está afetando você. Tenha certeza que novos testes serão praticados. Tudo que se ensina em casa se repete na rua. Mesmo achando que o que você fala ‘entra por um ouvido e sai pelo outro’, sempre transmita o que é certo” Christiana Kelly dos Santos, pediatra

“Carinho, paciência, perseverança e coerência. É preciso manter uma comunicação clara e constante com os filhos. As crianças aprendem pela ‘técnica do espelho’: tendem a repetir os comportamentos das pessoas que amam, admiram e acreditam” Lucia Regina de Castro Barros, psicóloga

“Os pais passam a maior parte do tempo trabalhando e não ensinam valores aos filhos, que entram na adolescência e se deixam levar pelos impulsos. Por um lado,
impulsos naturais, considerando-se o aspecto instintivo. Mas, do ponto de vista humano, são inaceitáveis” – Olga Tessari, psicoterapeuta.

Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – julho/2012, produzida pela jornalista Taís Hirschmann e atualizada em 2021 (Priscilla Cerqueira). Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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