Os prejuízos da crise hídrica nos setores produtivos
*Por Luciene Araújo
Pela segunda vez neste ano, o Espírito Santo enfrenta o desafio de minimizar os impactos de uma crise hídrica. Agora, a estiagem, que já atinge quase a metade dos 78 municípios capixabas, poderá ficar ainda mais severa que nos meses de janeiro e fevereiro, quando se registrou a pior seca dos últimos 40 anos.
Os índices inferiores de precipitação e o baixo nível de chuvas preocupam todo o Estado, e os prejuízos já são contabilizados, principalmente nas regiões norte e central. Segundo a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), 15 cidades estão em situação extremamente crítica: Alto Rio Novo, Barra de São Francisco, Conceição da Barra, Ecoporanga, Itaguaçu, Itarana, Mantenópolis, Pancas, Pinheiros, Santa Teresa, São Gabriel da Palha, São Mateus, São Roque do Canaã, Serra e Vila Pavão.
Uma realidade que pode se agravar ainda mais com as altas temperaturas do verão e com a chegada dos turistas ao nosso Estado, o que aumenta ainda mais a demanda por água. Será que estaremos preparados para lidar com todas essas consequências?
IMPACTOS ECONÔMICOS
Agricultura – O campo é o primeiro a ser impactado, com prejuízos a todos os setores da agropecuária e com percentuais maiores que os observados na seca anterior, quando o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) registrou perdas de 20% a 32% nas lavouras de café; de 23% a 28% na produção de leite; e de 20% a 30% na fruticultura.
E produtos comercializados diariamente são os mais atingidos. “Para os produtores de hortaliças, podemos estimar perdas de 50% para mais; e de leite, entre 30% e 40%, já caracterizando a situação como dramática. Esses são apenas dados médios, porque ainda existem casos em que a perda é total”, explica Júlio Rocha, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Espírito Santo (Faes).
Nos locais em que há restrição total para irrigação e que a atividade econômica depende dessa água, o abastecimento vem sendo feito por carros-pipa. Já na pecuária, para as perdas não serem ainda mais acentuadas, o gado tem sido vendido a preços bem menores a proprietários de rebanhos que possuem condição de pasto natural.
Segundo Rocha, no caso das hortaliças, os municípios de Domingos Martins, Marechal Floriano e Venda Nova são exemplos de locais em que a lavoura já está bastante castigada. Já em relação ao leite, pode-se citar os produtores de Cachoeiro de Itapemirim, Presidente Kennedy, Nova Venécia e Mimoso do Sul. Colatina também decretou situação de emergência na zona rural.
Além da baixíssima vazão do Rio Doce, o córrego São João Pequeno está completamente seco e mais de 400 propriedades da região estão sendo prejudicadas. Carro-chefe da economia agrícola do Estado, o café também foi fortemente impactado. “Na produção de conilon, temos uma perda de 50%, e de arábica, em torno de 30%. Municípios como Vila Valério, Rio Bananal e Jaguaré são os que se encontram em situação mais grave”, afirmou Julio Rocha.
Este ano, em consequência da última seca, a safra foi de aproximadamente 4 milhões de sacas a menos que em 2014, o que significa um prejuízo para o setor na ordem de R$ 1,2 bilhão, segundo dados do Centro do Comércio de Café de Vitória. E essa baixa produção vai atingir diretamente no volume de exportações dos grãos. “Perdas para os produtores, menos dinheiro circulando no mercado, menos vendas (retração no mercado), tudo isso gera perda pro nosso Estado. Com a oferta em queda, a perspectiva é que os volumes de embarque daqui pra frente sejam menores”, afirma Jorge Luiz Nicchio, presidente da entidade.
De acordo com Nicchio, se não chover o necessário, a safra de 2016 será prejudicada “Não temos como estimar a quebra de safra do ano que vem, visto que ainda temos um agravante que é a restrição da irrigação, utilizada em 80% das lavouras, como medida do Governo Estadual para minimizar o problema dos baixos níveis dos principais córregos e rios. E a produção menor trará ociosidade nos armazéns, com possíveis demissões no setor exportador”, ressalta.
Júlio Rocha alerta que essa queda na oferta irá refletir no bolso do consumidor. “A Grande Vitória já está com ameaça de abastecimento, o que vai fazer com que os preços nos supermercados disparem”, declara o presidente do Faes.
Indústria – Não é apenas a agricultura que sofre com a seca: o setor industrial também vem sendo afetado. “Há queda de produção em toda a indústria, mas nas atividades econômicas altamente dependentes da água como a agroindústria, os frigoríficos e a indústria química – principalmente a de produção de álcool e açúcar –, a situação é mais grave. E os prejuízos são cumulativos, há uma somatória dos problemas atuais com os efeitos da crise anterior”, explica o presidente do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Wilmar Barros Barbosa.
Mas a dificuldade maior de vencer a crise é mesmo sentida pelos micro e pequenos empreendedores. “Buscamos auxiliar de todas as formas possíveis, mas aqueles que dispõem de pouco ou nenhum capital que possa ser empregado na aquisição de novas tecnologias e processos inovadores sofrem mais, e a situação se agrava diante do atual cenário de recessão que se arrasta por todo o ano de 2015”, destaca Barros.
Comércio – Na avaliação do presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Espírito Santo (Fecomércio-ES), José Lino Sepulcri, a seca chega num momento conturbado e traz sérios impactos ao setor produtivo, que já enfrenta uma das piores crises econômicas do país. Os sindicatos regionais da Fecomércio-ES têm atuado em conjunto com as prefeituras, por meio de ações de conscientização quanto ao uso racional da água nos comércios. “É o tipo de iniciativa que atenua tanto a crise hídrica como a econômica. Primeiro porque economiza a água, um recurso tão importante, mas que tem se tornado escasso em virtude da falta de chuvas e de planejamento por parte do poder público; depois porque diminui o valor da conta, que tem chegado bem mais salgada do que vínhamos sendo habituados a pagar”, enfatiza.
Destino turístico mais conhecido do Estado, Guarapari triplica sua população durante o verão, e a previsão é de 60% de chance de faltar água, principalmente no réveillon e no carnaval. Enquanto na baixa temporada a demanda de consumo média é de 400 litros por segundo, na alta, esse patamar passa para 700 litros por segundo, o que obriga o município a captar água também no Rio Benevente (Anchieta), além dos rios Jaboti e Conceição, que normalmente abastecem o município.
“No verão passado não foi possível captar esse volume de água e, muito provavelmente, esse problema vai se repetir neste verão. Já estamos com a adutora do Rio Benevente ligada por conta da estiagem. Os rios Jaboti e Conceição deveriam estar com a captação de 500 litros por segundo, mas estão conseguindo apenas 340”, explica a secretária de Meio Ambiente de Guarapari, Jéssica Martins.
Para evitar o desperdício, foi aprovado um decreto estipulando restrições ao uso de água potável para lavagem de calçada, carros e fachadas de prédio, que já resultou em 53 notificações e sete multas em 2015. O secretário estadual de Turismo, José Sales Filho, enfatiza que, apesar das ações acordadas entre as prefeituras e o Governo para minimizar os efeitos da crise, é fundamental que haja consciência dos proprietários de imóveis quanto ao turismo informal.
“A superlotação das casas durante o verão é um problema grave, que desestrutura o planejamento das cidades. Um imóvel estruturado para atender cinco pessoas não pode receber 30 turistas ou mais. É claro que vai faltar água”, argumenta.
A estiagem também está causando a seca da represa do Rio Piraquê-Açu, que abastece Aracruz e, segundo o Serviço Autônomo de Água e Esgoto do município, se não houver racionamento, será preciso em um curto período utilizar o rodízio no abastecimento de água nos bairros.
Cenário Local
Meteorologista da Incaper, Bruce Pontes reforça que o cenário atual vem se estruturando desde o verão de 2014 e que, apesar de alguns momentos com chuva, isso não foi suficiente para resolver a situação. “Entre os meses de janeiro e março de 2014, tivemos apenas metade do valor esperado de chuva para o período.
Não sentimos tanto os efeitos, porque teve aquela chuvarada em dezembro de 2013. Já na primavera, que é período mais chuvoso do ano, enquanto a média esperada para o período varia entre 400 e 700 milímetros, tivemos entre 100 e 200 milímetros, Chegou o verão de 2015, e mais uma vez não choveu o suficiente, tivemos de 150 a 200 milímetros, o que significa 25% a 50% aquém do esperado. Estamos no começo do problema ainda. Tem que chover nas nascentes”, enfatizou
Apesar da tendência de chuva ainda para novembro, Bruce destaca que não se pode descartar a possibilidade de não haver precipitação em quantidade suficiente para solucionar o problema ou mesmo da chance de a chuva não chegar. “Por enquanto só podemos dizer é que a chuva deveria voltar no final de outubro e em novembro, mas não seria prudente – analisando as ocorrências – ser categórico em previsão. Há muita incoerência em previsões para os próximos três meses”, enfatizou.
Ações de combate à crise
A iminente possibilidade de a situação se agravar tem movimentado não apenas as autoridades estaduais e municipais, mas também organizações não governamentais e a sociedade de forma geral, que, aliás, tem dado excelente exemplo de engajamento na causa: de janeiro a agosto deste ano, a população capixaba economizou 9 bilhões de litros de água, segundo a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan).
Mesmo reafirmando o cenário de insegurança e de perspectivas que “não são das melhores”, o presidente da Agerh, Paulo Paim, defende que a definição das normas do uso de água, de acordo com a capacidade e a demanda em cada uma das 12 bacias hidrográficas do Estado, por meio dos comitês que elaboram os Acordos de Cooperação Comunitária, é um “revolucionário” processo de gestão. “Se avançarmos nesse sentido, as consequências negativas ambientais e econômicas serão minimizadas de forma significativa. Mas, se houver necessidade de impor medidas radicais, o impacto é violento, pois a lei determina a priorização ao abastecimento humano. Estamos apostando numa resposta positiva da sociedade”, disse.
Barragens – No último dia 23 de outubro, o Governo anunciou a construção de 32 barragens para o armazenamento de água no interior do Estado, com capacidade total para armazenar 19,5 milhões de litros, o que irá garantir o abastecimento de uma população de 360 mil pessoas por um ano. As obras, que representam um investimento de R$ 20 milhões, são as barragens de: Pinheiros (beneficia também o município de Boa Esperança), Alto de Santa Júlia (São Roque do Canaã), Floresta (Pancas), Graça Aranha (Colatina), Liberdade (Marilândia) e Cupido (Sooretama). Além dessas seis estruturas de uso múltiplo que atenderão a várias comunidades, o Governo anuncia a implantação de outras 26 de utilização coletiva localizadas em assentamentos de trabalhadores rurais capixabas no norte do Estado.
O Planejamento Estratégico 2015-2018 para as áreas de meio ambiente e agricultura prevê um total de 60 barragens, o que representa um investimento de R$ 60 milhões, e a ampliação da cobertura vegetal em 80 mil hectares. “Os procedimentos para obtenção do licenciamento estão mais simples e as barragens menores, aquelas com área de até 1 hectare e volume de até 10 mil metros cúbicos, estão dispensadas dessa autorização.
Uma isenção que beneficia a maioria dos produtores, já que mais de 80% das barragens construídas no Espírito Santo estão nessa faixa, bastando apenas o cadastro no Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf)”, informa o secretário estadual de Agricultura, Octaciano Costa Neto. Júlio Rocha, da Faes, avalia que é fundamental que as barragens anunciadas sejam todas entregues. “Tem de haver investimento em reserva e captação de água para que, quando a crise se repetir, a gente não tenha uma situação tão rigorosa como a de hoje.
Por isso solicitamos aos bancos que migrem esse recurso para os produtores interessados em fazer pequenas barragens – como vimos em Pinheiros, com recursos particulares –, caixas secas e outras medidas, já prevenindo que essa situação de falta de chuva se repita”.
Acordo – O Governo e Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo (Amunes) também firmaram um Acordo de Cooperação Técnica para atuar no combate à seca. Estimular a adoção de políticas de preservação hídrica, reflorestamento e práticas sustentáveis na agricultura, na indústria e no consumo humano são as principais medidas tratadas. Os municípios também irão adotar novas leis para o emprego consciente e racional da água na limpeza de calçadas e em áreas comuns de prédios, para reúso pelos cidadãos e também para punir os excessos com multas, evitando assim o desperdício.
Rio Reis Magos – Prevista para 2020 no Plano Diretor de Água, a obra da nova estação de captação e tratamento de água na Serra deve ficar pronta no segundo semestre de 2016. O Sistema Reis Magos, orçado em R$ 60 milhões provenientes de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), beneficiará uma população de 150 mil pessoas da região de Serra- Sede e entorno, com uma produção inicial de 500 litros de água por segundo, e deixará o Sistema Santa Maria menos sobrecarregado.
O solo e a água
“Se não tratarmos o solo, a água pode se tornar escassa nos próximos anos”, alerta o engenheiro agrônomo, professor universitário, pesquisador e membro do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) João Luiz Lani. O especialista analisa que a forma de agir do Estado não contempla ações que vão diretamente para natureza. “Nós falamos do meio ambiente em palestras e programas, mas isso não se efetiva de fato”, enfatiza. Lani destaca ainda a importância de se buscar embasamento técnico para as ações. “As pessoas são bem-intencionadas e plantar árvores também ajuda, mas o importante é que não se deixe de lado a parte técnica. Não é fazendo um programa ou outro que essa situação se resolve por completo. Temos que fazer uma releitura do meio ambiente, para tentar resolver de uma forma mais ampla todos esses problemas”, explica.
Ele observa que o Espírito Santo não tem problema na qualidade da água e sim na quantidade. “É preciso lembrar o ditado chinês: quem governa a montanha governa o rio. A sociedade olha para o Rio Doce e vê que ele está seco, mas onde é a fonte do Rio Doce? Na montanha. Tratando do começo, para que a água da montanha
chegue até os municípios que absorvem menos, já ajudaria bastante, pois eles ficariam abastecidos. Temos que adotar práticas que segurem a água no solo. Desse as nossas estradas, construções de casas, tudo. Devemos pensar em um novo paradigma”, finaliza. Até o fechamento desta edição, estavam previstas chuvas no Estado, que segundo o Incaper, não seriam suficientes para resolver o problema da estiagem.