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quinta-feira, 25 abril, 2024

Alta do dólar define novos rumos à economia capixaba

Alta do dólar define novos rumos à economia capixaba

A intensa volatilidade da moeda norte-americana preocupa os diferentes setores

Em março deste ano, a moeda norte-americana rompeu, pela primeira vez nos últimos 10 anos, a barreira dos R$ 3,00; no início de setembro atingiu R$ 3,81, após o governo enviar ao Congresso Nacional proposta para o Orçamento de 2016 prevendo inédito déficit primário; e no final do mês superou a barreira dos R$ 4,00, em consequência da preocupação do mercado com votações no Congresso e com a possibilidade da elevação dos juros norte-americanos.

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Essa valorização do câmbio causa enorme impacto na economia, uma vez que afeta o preço de produtos importados; os contratos firmados em dólar; das viagens ao exterior; e pressiona a inflação. E o Espírito Santo possui 52% de sua economia voltada para o mercado internacional, o que torna diferenciado o impacto da volatilidade do dólar na economia local.

“É difícil uma empresa de sucesso que não esteja ligada a uma cadeia de fornecimento global. A alta volatilidade do câmbio não é boa para o exportador nem para o importador, pois cria muitas incertezas e dificulta o processo de tomada decisões do administrador ou gerente”, destaca o presidente do Sindicato do Comércio de Importação e Exportação do Espírito Santo (Sindiex), Marcilio Rodrigues Machado.

Alta do dólar define novos rumos à economia capixaba

O Brasil e o Espírito Santo são exportadores de commodities ou matérias-primas e algumas dessas commodities tiveram uma grande queda de preço no mercado internacional. Na avaliação do presidente do Sindiex, em determinados casos, a alta do dólar talvez não consiga compensar a baixa dos preços. “Além disso, o grande comprador de commodities é o mercado chinês, cuja economia se encontra num processo de queda no crescimento e deverá demandar um volume menor de produtos brasileiros”, detalha.

O presidente explica que alguns setores de produtos manufaturados, principalmente aqueles que vendem para o mercado dos Estados Unidos, podem se beneficiar da alta do dólar. “E isso poderá servir para compensar muitos custos, decorrentes da alta carga tributária, trabalhista, burocracia governamental e ineficiência logística”, alega.

A queda nas importações capixabas nos primeiros sete meses do ano foi de 23%, em consequência de dois fatores: os problemas de infraestrutura portuária, pois cerca de 90% do comércio internacional é realizado por meio dos portos; e a retração da atividade econômica no país.

A falta de condições ideais de infraestrutura – tais como problemas de atração de navios, ou ausência de linhas regulares para os nossos portos – continua sendo um forte obstáculo ao comércio exterior capixaba. “Essas falhas estão fazendo com que muitos empresários efetuam seus negócios através de portos em outros estados. No primeiro semestre, perdemos uma média de 15% do movimento de importação para outros portos. E do lado das importações o problema é semelhante, fica cada vez mais difícil atrair novos clientes para utilizar os serviços das tradings capixabas ou se instalar no Espírito Santo”, enfatiza Machado.

A desvalorização da moeda chinesa frente ao dólar aumenta a preocupação. “Grande comprador de commodities, como o minério de ferro, a China tem se firmado como grande parceiro comercial do Brasil. Mas o problema é que a economia chinesa está perdendo fôlego e isso deverá ter um impacto no comércio exterior brasileiro e do Espírito Santo. O saldo registrado pela balança comercial brasileira nos primeiros sete meses de cerca de US$ 4,6 bilhões em 2015 se deve mais a um recuo das importações do que no aumento das exportações. A desvalorização, até agora, de 3% do yuan não deve ser um motivo de preocupação. O grande problema atual é a recessão no mercado interno brasileiro, que é o grande inibidor de compra de produtos de outros países, independente do câmbio”, garante o presidente do Sindiex.

Além da grande instabilidade política e econômica, o comércio global deverá apresentar fraco crescimento este ano, em torno de 2,5%, bem inferior à estimativa de 3,3%, feita em abril, pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A América Latina e o Brasil estão sentindo o desaquecimento da China, e a queda do preço das commodities no mercado internacional. “Portanto, não se esperam grandes mudanças no cenário de comércio exterior. A minha grande esperança é que o Brasil ou Mercosul avance com acordos bilaterais, seja com UE ou Estados Unidos, de modo que possamos incrementar as exportações de produtos com maior valor agregado”, afirma Marcílio Machado.

O presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Marcos Guerra, destaca que, apesar dos resultados positivos da industrial no Estado se mostrar na contramão da realidade nacional, a alta excessiva do dólar é preocupante para todos os setores. A indústria de transformação, que mais emprega mão de obra, depende de muita matéria prima importada. No segmento do vestuário, por exemplo, esse percentual é de 45% de materiais e maquinários importados, e no de móveis de encomenda, os acessórios são todos importados, o que eleva muito o custo. Além disso, o Brasil possuía a vantagem da qualidade dos produtos. No entanto, a China vem avançando no sentido de melhorar esse quesito, como fizeram o Japão e a Coréia do Sul no século passado, o que aumenta o risco da perda de clientes tanto no Espírito Santo, quanto em outros Estados. “O momento é de muita cautela, atenção ás oportunidades e não arriscar. Em 2015 e 2016 vai ganhar mais, quem perder menos”, destaca Guerra.

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Rochas

No setor capixaba de rochas ornamentais, responsável atualmente por 97% das exportações de chapas do Brasil para o exterior, os blocos de mármore e granito estão cedendo espaço às chapas, materiais que custam até cinco vezes mais. Um novo modelo de negócios, segundo a superintendente do Centrorochas, Olívia Tirello, pautado na aquisição de máquinas e equipamentos, o que melhora o processo de beneficiamento nos parques industriais capixabas. Olivia destaca que o setor, depois do impacto com a crise nos Estados Unidos (principal importador), diversificou mercados compradores e ampliou o leque de materiais, conseguindo ampliar as exportações.

Olívia reitera a afirmação do presidente do Sindiex de que, apesar dos números positivos, assim como ocorre com outros setores ligados ao comércio exterior, a falta de infraestrutura logística, principalmente em relação ao modal portuário, tem levado muitas empresas a efetuar as exportações por outros portos brasileiros, aumentando os custos e o transit time (tempo) das operações; “O setor capixaba tem capacidade de melhorar ainda mais as exportações. Pena que não depende apenas do empresariado, que vem investindo em tecnologia, mão de obra qualificada e processos”, explicou. 

A valorização do dólar comercial reflete ainda na cotação nas casas de câmbio, que vendem o dólar turismo em valor sempre maior que o divulgado no câmbio comercial, o que reduziu a procura por viagens internacionais em agências da Grande Vitória. “A alta do dólar impactou nas viagens internacionais e programas de intercâmbio, sem dúvidas. Houve redução, deslocamento para novos destinos, e mudança de perfis de viagem. As moedas canadense e australiana, por exemplo, não valorizaram tanto em relação ao real quanto o dólar norte-americano, a libra e o euro, por isso esses países tem sido opções interessantes. Há ainda inúmeras promoções de passagens aéreas, muitas vezes com a metade do preço normal de outros anos. E aumentou a procurado pelos pacotes All Inclusive, que permite uma melhor programação da viagem, com a garantia de que não preciso gastar mais nada, ou muito pouco”, explica Sérvulo Clermont, diretor da DNA Turismo/STB. 

Outro ponto preocupante dessa volatilidade da moeda norte-americana é a possibilidade de muitas demissões ocorrerem em empresas cujo endividamento ou a cadeia de fornecimento tem como base o dólar, o que já se especula no mercado, por exemplo, em relação às unidades da Petrobras no Estado. Na avaliação do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), o câmbio e a queda do preço do barril afetam o potencial da empresa, mas não justificam o volume de demissões. “Boa parte do endividamento da companhia começará a ser pago somente em 2020, quando o pré-sal já estará em funcionamento. A empresa está tomando decisões em curto prazo, ignorando a geopolítica do petróleo que, diferente de outras atividades, deve se basear em decisões e impactos a médio e longo prazo”, afirmou Davidson Lomba, diretor do Sindipetro-ES e da Frente Única dos Petroleiros. “Suspender os investimentos em exploração e concentrar apenas na produção é um equívoco, pois irá minimizar os gastos agora, mas gerar prejuízos em médio e longo prazo. A Companhia está sendo oportunista em relação às crises politica nacional e internacional do petróleo.”, afirmou. Os petroleiros articulam uma greve para outubro ou novembro. 

Cenário Nacional

Em 2015, até primeira semana de setembro, o dólar havia já acumulado alta de 41,41%, o que aumentou a preocupação com o comprometimento do governo quanto ao ajuste fiscal e com a perda do selo de bom pagador do Brasil, o que ocorreu no dia 9. 

Em meio à crise política e econômica, o país teve sua nota de crédito rebaixada pela agência Standard & Poor’s (S&P), de BBB- para BB+, e entrou na categoria especulativa. A agência ainda sinalizou o risco de o país ter a nota rebaixada novamente. E, no dia seguinte (10), a moeda norte-americana operou em alta, a cotação chegou a superar os R$ 3,90, enquanto nas casas de câmbio o dólar turismo ultrapassou a barreira dos R$ 4,30. Mas, o anúncio do Banco Central (BC) de dois leilões de linha (venda de moeda norte-americana com compromisso de recompra nos meses seguintes) de compra e venda conjugado, com oferta de US$ 1,5 bilhão, ajudou a conter a disparada do dólar. 

A desorganização política teve um peso muito grande para que o rebaixamento da nota ocorresse e, nesse momento, é difícil avaliar o percentual que poderá se atingir de alta, enfatiza Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management. “Hoje não temos mais muito parâmetro. Além do cenário macroeconômico muito ruim, há a realidade internacional, que não demonstra indícios de alívio, considerando a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, o que levará a uma fuga de dólares e, consequentemente, a uma maior pressão para o valor da cotação”, explica. 

Para ele há dois fatos preocupantes: a tendência de que a alta do dólar se mantenha; e a possibilidade de que as outras duas agências de avaliação de risco – Moody’s e Fitch – sigam a avaliação da S&P, o que levaria a uma “revoada de dólares para fora do país”, uma vez que, os fundos soberanos (compra de títulos entre países) não podem fazer parte de um cenário com duas avaliações negativas. 

O Brasil é a 8ª da economia do mundo e responde somente por 1,5% da economia mundial, ressalta Vieira. “Nós nos obrigamos a um contexto recente de formar parcerias com base em questões ideológicas e não comerciais. Isso levou a uma infeliz limitação quanto à abertura de mercado. Hoje temos a China como grande aliado, mas não sabemos até aonde ela poderá se voltar ao seu mercado interno, o que seria desastroso ao Brasil. No período pós-real, quando vivenciamos um choque de ofertas, muito desse impacto foi reduzido com a queda de tarifa de importação”, disse. “A única coisa que podemos afirmar sem equívoco é que não haverá crescimento algum da economia esse ano e nem em 2016”, finalizou. 

O presidente do Banco de Desenvolvimento do Estado (Bandes), Luiz Paulo Vellozo Lucas, reitera a crítica de Vieira quanto à limitação com o mercado externo. “O Brasil tem uma taxa de abertura de 20%, é muito pequena. Esse percentual na China é de 42% e nos EUA de 50%. E a taxa de abertura de um país determina o fluxo de desenvolvimento”, defende Vellozo. 

Luiz Marcatti, sócio-diretor da Mesa Corporate, destaca que o momento atual de disparada do dólar se aproxima do ocorrido em 1999, quando o mercado estava testando o modelo da política monetária. “A diferença é que, naquela ocasião, o governo teve força para agir, mudar o modelo para o tripé juros/inflação/superávit fiscal, liberando o dólar para flutuar, até que se reposicionasse. Hoje o momento político é de perda de credibilidade, que o deixa de mãos atadas por um lado, e o desalinhamento entre os principais agentes do governo, que não passam segurança ao mercado”, destaca. 

Quanto à morosidade de medidas fundamentais para conter a volatilidade da moeda, o economista ressalta que o Banco Central não é um órgão com grau de independência do governo, daí a impossibilidade de agir quando e como quer. “Depende da autorização do Ministro da Fazenda e este da Presidente da República, que se mostra titubeante nas decisões e rápida ao mudar de opinião”, disse. 

Segundo ele, a avaliação da agência de rating S&P tende a ser seguida pelas outras agências. “A partir de agora veremos muito dinheiro ir embora, devido à obrigatoriedade que alguns investidores têm em somente investir em papéis com investiment grade”. Para ele, o que se pode esperar diante dessa perda no grau de investimento é o “mesmo que qualquer indivíduo ou empresa, que necessita de crédito tem, ao ter informações ruins em seu cadastro: crédito reduzido e caro”. 

Quanto às expectativas, Marcatti reitera a avaliação dos demais economistas. “Pela situação instalada, pela insegurança e paralisia do governo executivo, este ano dificilmente apresentará algo de positivo, assim como o início do próximo ano”, avaliou. 

O mercado defende que o dólar só voltará a cair, quando houver uma direção mais clara dos rumos do ajuste fiscal para equilibrar as contas do governo, que enfrenta muita dificuldade em aprovar medidas no Congresso. Além disso, o fortalecimento da economia dos EUA e a crise política e financeira da Europa são problemas externos que vêm pressionando o câmbio e desvalorizando o real, reafirma o economista Paulo Henrique Corrêa, da Valor Investimentos. “Os americanos pretendem subir a taxa de juros, o que deverá afastar os investidores do Brasil, uma vez que essa elevação pode fazer o dinheiro render mais por lá do que aqui”, afirma Corrêa. O economista explica que já havia necessidade de ajuste de câmbio e que o problema mesmo está na volatilidade acelerada. 

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