Ensinar seu filho a se planejar financeiramente desde cedo pode resultar em adultos mais responsáveis
Disciplina com as finanças não está na grade do ensino fundamental, mas poderia. Planejar e poupar não são conceitos comuns às rotinas e brincadeiras infantis. No entanto, os pais podem criar em seus filhos a responsabilidade de se lidar com o dinheiro.
No livro “O Menino do Dinheiro”, Reinaldo Domingos diz que boa parte dos motivos que levam um adulto a se endividar tem início ainda na infância ou na juventude, quando ele ainda não aprendeu a poupar e a resistir ao consumo exagerado. Então, começar o diálogo desde cedo é fundamental para evitar problemas relativos ao dinheiro. Mas como deve ser a postura dos pais quando falam de dinheiro com os filhos pequenos?
Para Domingos, primeiramente, os pais devem se reeducar financeiramente para poder educar os filhos. “Aconselho que procurem por palestras, cursos presenciais e até cursos online gratuitos; quanto mais se informarem sobre o tema, mais condições terão de dar um bom exemplo a eles e de educar também seus filhos a como administrar bem seu dinheiro, objetivando sempre a realização de sonhos. A partir dos três anos, a criança já começa a ter noção de que o dinheiro serve de troca, ou seja, observando os pais no dia a dia, ela percebe que precisa desse meio para ter algo que quer, como um brinquedo, por
exemplo. Então, já se pode começar a introduzir aspectos básicos sobre finanças”, falou ele.
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De acordo com o escritor, a realidade e os entendimentos também mudam
com o crescimento das crianças, assim, é preciso, antes de mais nada, que os pais estejam constantemente observando esse fato e adequando a forma com que aborda o assunto, bem como o teor das conversas. “O que ocorre no mundo atual é que, em função da correria cotidiana, muitos pais deixam um pouco de lado o acompanhamento aos filhos, o que dificulta o diálogo; assim, o grande segredo é ter constantes conversas e adaptar as conversas e os conteúdos.
Pense, os sonhos de alguém com 5 anos são muito diferentes dos de alguém
com 10 e o valores com que já podem lidar também”, explicou Domingos.
Para a psicóloga Penelope Zecchinelli Sampaio, a forma como a família lida não só com a questão do dinheiro, mas com tudo o que produz, influencia na maneira como a criança vai
lidar com o consumo na vida adulta. “Se a base familiar é das que gastam sempre que têm recursos, dificilmente o sujeito, quando adulto, conseguirá economizar. Não se compra
somente quando não se tem recursos. Quando se tem, compra-se, independentemente de necessidade. Assim, toda vontade frugal é atendida. Para que isso não ocorra, limitar o consumo dos pequenos é sempre uma boa escolha. Presentes somente em datas específicas, e não porque o filho almoçou tudo ou tirou nota boa. Incentivar o uso de cofrinhos também pode ajudar. Dar moeda ocasionalmente e sugerir que se coloque no cofrinho para que ao final de um período se possa comprar algo fornece à criança a ideia de poupar para adquirir um bem. Isso pode ser iniciado desde pequeno” frisou ela.
Segundo a psicóloga, o tema dinheiro deve ser tratado de forma séria e com responsabilidade. “Não como um fim a ser alcançado, mas sim um meio de se obter o que se deseja: bens, estudo, passeios, ou viagens, entre outros. Não se deve, por outro lado, associar dinheiro a algo sujo. Crianças que crescem ouvindo que este é o vil metal podem ter dificuldades em fazer qualquer tipo de acúmulo, seja para poupar, seja para os gastos do dia a dia”, apontou.
As crianças são as mais afetadas pelo consumismo, diz Sampaio. Não é por acaso, ela lembra, há uma crescente preocupação em relação a marketing e propaganda voltada a
esse público. “Crianças não conseguem entender direito a relação entre comprar e dinheiro. Entre ter que trabalhar para ganhar dinheiro para se ter como consumir. Desta forma, cabe sempre aos pais ensinar às crianças que dinheiro não é algo que aparece
magicamente, e que a fonte não é inesgotável. É preciso ensinar às crianças que, quando se quer tomar sorvete, não haverá dinheiro para comprar figurinhas. E que a criança precisará escolher. E acima de tudo, não ceder a todos os pedidos, pois crianças, como já mencionei, não entendem que a verba é finita. Agora, se a família já tem um quê consumista, a única coisa que se faça que vai conseguir impedir a criança de ser também é mudar toda a dinâmica familiar, e todos entrarem no pensamento de que o consumo somente deve existir quando necessário, e não quando se tem desejo ou vontade”, alertou.
Benefícios da mesada
Usada por muitos pais para introduzir seus filhos em uma situação de administração de recursos, a mesada é defendida pelos especialistas. “A mesada é uma ótima maneira de
ensinar as crianças a darem valor ao dinheiro e a começarem a aprender a administrá-lo. Com relação à melhor idade para se iniciar, é lá pelos 7 anos, quando a criança já começa efetivamente a comprar as coisas”, destacou Reinaldo Domingos. Para ele, o ideal é dar 50% do valor que a criança pede por mês e explicar que a outra metade será investida nos sonhos de curto (até três meses), médio (até seis meses) e longo prazos (até um ano), que ela mesma vai relacionar.
“Dessa forma, é possível fazer com que os filhos controlem o dinheiro, realizem sonhos e façam parte de uma geração mais educada financeiramente”, falou.
Para Penelope Sampaio, usar a mesada é uma boa forma de se abordar valores com as crianças, mas é sempre importante lembrar que criança aprende brincando. “Desta forma, quando se leva a questão da mesada a sério demais, o ensino pode não ter o resultado esperado. A criança pode desde perder o interesse a passar a ter medo de gastar o dinheiro, principalmente se o responsável pela mesada for alguém muito rígido em seu controle. Crianças que começam a ganhar mesada tendem a gastar o dinheiro todo no primeiro dia. Assim, se o pai ou a mãe, em vez de mostrar as consequências, simplesmente brigarem com a criança, estarão fazendo um caminho que poderá levar
essa criança a ter problemas em gastar dinheiro, mesmo quando necessário”, explicou a psicóloga.
O administrador de empresas Hugo Machado dos Santos é um dos pais que usam e recomendam a mesada. “O principal benefício é ver seu filho desenvolver o hábito
de poupar. Geralmente, no início ele quer sair comprando tudo, mas se bem instruído, pode perceber que ao economizar mesada, consegue adquirir algo de maior valor”, afirmou ele, que é pai de Igor Ferreira dos Santos, de 10 anos.
O administrador associa a mesada a regras de merecimento, para que ela seja entendida
como uma recompensa. “Além disso, consolido a mesada com ensinamentos
sobre como o dinheiro pode ser usado para adquirir objetos que ele deseja. Se percebo que ele está conseguindo cumprir suas metas e está poupando bem, eu o premio ajudando com parte do recurso para comprar algo que deseja”, frisou.
Para Santos, o caráter é formado justamente nessa fase da vida, e também é nela é que se adquirem os hábitos e costumes. “Acredito que para aprender a se controlar financeiramente, apenas o exemplo dos pais já serve com um excelente pontapé para adquirir-se o autocontrole. Sempre me lembro de meu pai como uma pessoa austera e controlada em minha infância e adolescência. Eu o via assim e me espelhava nele, queria ser como ele. Tenho certeza que a postura dele me influenciou decisivamente”, lembrou.
A auxiliar administrativa Samyra Nascimento ainda não usa mesada com o filho, Thales Alexandre Chaves, de 7 anos, mas já faz planos sobre para ensinar sobre dinheiro. “Pretendo, em no máximo dois anos, começar a dar uma pequena quantia para que ele se
acostume e aprenda a gastar, economizar e poupar. Hoje uso o cofrinho para ensiná-lo a usar o dinheiro; ele já aprendeu a guardar e buscar quando precisa. Acredito que a educação financeira deve começar cedo, na infância”, falou ela.
Já o professor de geografia Luiz Henrique de Souza Gomes, pai de Luana e Elysia Gomes, afirma que as crianças de hoje são mais maduras que as de gerações anteriores quando o assunto é dinheiro. “Acho que elas compreendem bem mais do que eu compreendia na idade delas. Por vezes, percebo a preocupação delas em relação a gastar ou não, os limites de preço para os presentes. Por exemplo, no Natal é um presente mais caro, nas outras datas um presente barato, e no aniversário, um presente médio. Dou valores dependendo
do meu rendimento”, disse.
Para ele, a conversa deve começar assim que a criança começa a perceber que as pessoas são recompensadas com dinheiro pelo trabalho. “Mostro o quanto é difícil ganhar dinheiro. Quando andamos na rua, comento sobre os vários tipos de empregos que podemos ver, falo sobre como é o trabalho de ambulantes e como é um gasto na casa, quando posso faço compras com elas. Em relação à postura dos pais, penso que deve ser sem pressão,
mostrar que o dinheiro é mais uma das fontes para a felicidade e não a única”, enfatizou o professor.
Nunca é tarde para o diálogo
A tendência é que uma criança educada apropriadamente sobre o dinheiro se transforme em um adulto responsável com as finanças. Mas e quando esses cuidados não foram tomados na infância, e o filho já chegou à adolescência, cercado de influências de consumo por parte da mídia ou amigos? Para o escritor Reinaldo Domingos, nunca é tarde para se falar com os filhos. “Nada está perdido! Claro que o melhor é iniciar a educação financeira já na infância, mas, se isso não foi possível, o importante agora é, da mesma forma, tentar mostrá-lo os hábitos corretos com relação ao uso do dinheiro. Além disso, centenas de escolas espalhadas pelo país já possuem programas de educação financeira. Procure saber se a instituição em que seu filho estuda oferece essa disciplina, caso não, indique algum de seu conhecimento ou busque um colégio que tenha”, destacou.
Domingos lembra o resultado da pesquisa feita pelo diário americano Journal of Public Economics, que mostra que os filhos que possuem o exemplo em casa poupam ainda mais do que os amigos que têm contato com o assunto apenas no ambiente escolar. A psicóloga Penélope Sampaio ressalta o valor do exemplo adulto. “Ao final de tudo, a forma como os próprios pais lidam com o dinheiro, acima de qualquer lição que queiram passar, é que vai ditar a forma como seus filhos verão os valores monetários”. Dessa forma, ela aponta, pais consumistas, ainda que insistam para que seus filhos poupem, dificilmente terão seu intento atendido. O modelo continua sempre sendo melhor do que o discurso.
A matéria acima é uma republicação do revista SAMP, de janeiro de 20214. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.