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sexta-feira, 11 DE outubro DE 2024

A lição de guardar dinheiro

Ensinar seu filho a se planejar financeiramente desde cedo pode resultar em adultos mais responsáveis

Disciplina com as finanças não está na grade do ensino fundamental, mas poderia. Planejar e poupar não são conceitos comuns às rotinas e brincadeiras infantis. No entanto, os pais podem criar em seus filhos a responsabilidade de se lidar com o dinheiro.

No livro “O Menino do Dinheiro”, Reinaldo Domingos diz que boa parte dos motivos que levam um adulto a se endividar tem início ainda na infância ou na juventude, quando ele ainda não aprendeu a poupar e a resistir ao consumo exagerado. Então, começar o diálogo desde cedo é fundamental para evitar problemas relativos ao dinheiro. Mas como deve ser a postura dos pais quando falam de dinheiro com os filhos pequenos?

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Para Domingos, primeiramente, os pais devem se reeducar financeiramente para poder educar os filhos. “Aconselho que procurem por palestras, cursos presenciais e até cursos online gratuitos; quanto mais se informarem sobre o tema, mais condições terão de dar um bom exemplo a eles e de educar também seus filhos a como administrar bem seu dinheiro, objetivando sempre a realização de sonhos. A partir dos três anos, a criança já começa a ter noção de que o dinheiro serve de troca, ou seja, observando os pais no dia a dia, ela percebe que precisa desse meio para ter algo que quer, como um brinquedo, por
exemplo. Então, já se pode começar a introduzir aspectos básicos sobre finanças”, falou ele.

De acordo com o escritor, a realidade e os entendimentos também mudam
com o crescimento das crianças, assim, é preciso, antes de mais nada, que os pais estejam constantemente observando esse fato e adequando a forma com que aborda o assunto, bem como o teor das conversas. “O que ocorre no mundo atual é que, em função da correria cotidiana, muitos pais deixam um pouco de lado o acompanhamento aos filhos, o que dificulta o diálogo; assim, o grande segredo é ter constantes conversas e adaptar as conversas e os conteúdos.

A lição de guardar dinheiro
“O grande segredo é ter constantes conversas e adaptar as conversas e os conteúdos.
Os sonhos de alguém com 5 anos são muito diferentes dos de alguém com 10”
Reinaldo Domingos, escritor

Pense, os sonhos de alguém com 5 anos são muito diferentes dos de alguém
com 10 e o valores com que já podem lidar também”, explicou Domingos.

Para a psicóloga Penelope Zecchinelli Sampaio, a forma como a família lida não só com a questão do dinheiro, mas com tudo o que produz, influencia na maneira como a criança vai
lidar com o consumo na vida adulta. “Se a base familiar é das que gastam sempre que têm recursos, dificilmente o sujeito, quando adulto, conseguirá economizar. Não se compra
somente quando não se tem recursos. Quando se tem, compra-se, independentemente de necessidade. Assim, toda vontade frugal é atendida. Para que isso não ocorra, limitar o consumo dos pequenos é sempre uma boa escolha. Presentes somente em datas específicas, e não porque o filho almoçou tudo ou tirou nota boa. Incentivar o uso de cofrinhos também pode ajudar. Dar moeda ocasionalmente e sugerir que se coloque no cofrinho para que ao final de um período se possa comprar algo fornece à criança a ideia de poupar para adquirir um bem. Isso pode ser iniciado desde pequeno” frisou ela.

Segundo a psicóloga, o tema dinheiro deve ser tratado de forma séria e com responsabilidade. “Não como um fim a ser alcançado, mas sim um meio de se obter o que se deseja: bens, estudo, passeios, ou viagens, entre outros. Não se deve, por outro lado, associar dinheiro a algo sujo. Crianças que crescem ouvindo que este é o vil metal podem ter dificuldades em fazer qualquer tipo de acúmulo, seja para poupar, seja para os gastos do dia a dia”, apontou.

As crianças são as mais afetadas pelo consumismo, diz Sampaio. Não é por acaso, ela lembra, há uma crescente preocupação em relação a marketing e propaganda voltada a
esse público. “Crianças não conseguem entender direito a relação entre comprar e dinheiro. Entre ter que trabalhar para ganhar dinheiro para se ter como consumir. Desta forma, cabe sempre aos pais ensinar às crianças que dinheiro não é algo que aparece
magicamente, e que a fonte não é inesgotável. É preciso ensinar às crianças que, quando se quer tomar sorvete, não haverá dinheiro para comprar figurinhas. E que a criança precisará escolher. E acima de tudo, não ceder a todos os pedidos, pois crianças, como já mencionei, não entendem que a verba é finita. Agora, se a família já tem um quê consumista, a única coisa que se faça que vai conseguir impedir a criança de ser também é mudar toda a dinâmica familiar, e todos entrarem no pensamento de que o consumo somente deve existir quando necessário, e não quando se tem desejo ou vontade”, alertou.

Benefícios da mesada

Usada por muitos pais para introduzir seus filhos em uma situação de administração de recursos, a mesada é defendida pelos especialistas. “A mesada é uma ótima maneira de
ensinar as crianças a darem valor ao dinheiro e a começarem a aprender a administrá-lo. Com relação à melhor idade para se iniciar, é lá pelos 7 anos, quando a criança já começa efetivamente a comprar as coisas”, destacou Reinaldo Domingos. Para ele, o ideal é dar 50% do valor que a criança pede por mês e explicar que a outra metade será investida nos sonhos de curto (até três meses), médio (até seis meses) e longo prazos (até um ano), que ela mesma vai relacionar.

“Dessa forma, é possível fazer com que os filhos controlem o dinheiro, realizem sonhos e façam parte de uma geração mais educada financeiramente”, falou.

Para Penelope Sampaio, usar a mesada é uma boa forma de se abordar valores com as crianças, mas é sempre importante lembrar que criança aprende brincando. “Desta forma, quando se leva a questão da mesada a sério demais, o ensino pode não ter o resultado esperado. A criança pode desde perder o interesse a passar a ter medo de gastar o dinheiro, principalmente se o responsável pela mesada for alguém muito rígido em seu controle. Crianças que começam a ganhar mesada tendem a gastar o dinheiro todo no primeiro dia. Assim, se o pai ou a mãe, em vez de mostrar as consequências, simplesmente brigarem com a criança, estarão fazendo um caminho que poderá levar
essa criança a ter problemas em gastar dinheiro, mesmo quando necessário”, explicou a psicóloga.

O administrador de empresas Hugo Machado dos Santos é um dos pais que usam e recomendam a mesada. “O principal benefício é ver seu filho desenvolver o hábito
de poupar. Geralmente, no início ele quer sair comprando tudo, mas se bem instruído, pode perceber que ao economizar mesada, consegue adquirir algo de maior valor”, afirmou ele, que é pai de Igor Ferreira dos Santos, de 10 anos.

A lição de guardar dinheiro
“Se bem instruído, ele pode perceber que ao economizar sua mesada, consegue adquirir algo de maior valor” – Hugo Machado dos Santos, pai de Igor

O administrador associa a mesada a regras de merecimento, para que ela seja entendida
como uma recompensa. “Além disso, consolido a mesada com ensinamentos
sobre como o dinheiro pode ser usado para adquirir objetos que ele deseja. Se percebo que ele está conseguindo cumprir suas metas e está poupando bem, eu o premio ajudando com parte do recurso para comprar algo que deseja”, frisou.

Para Santos, o caráter é formado justamente nessa fase da vida, e também é nela é que se adquirem os hábitos e costumes. “Acredito que para aprender a se controlar financeiramente, apenas o exemplo dos pais já serve com um excelente pontapé para adquirir-se o autocontrole. Sempre me lembro de meu pai como uma pessoa austera e controlada em minha infância e adolescência. Eu o via assim e me espelhava nele, queria ser como ele. Tenho certeza que a postura dele me influenciou decisivamente”, lembrou.

A auxiliar administrativa Samyra Nascimento ainda não usa mesada com o filho, Thales Alexandre Chaves, de 7 anos, mas já faz planos sobre para ensinar sobre dinheiro. “Pretendo, em no máximo dois anos, começar a dar uma pequena quantia para que ele se
acostume e aprenda a gastar, economizar e poupar. Hoje uso o cofrinho para ensiná-lo a usar o dinheiro; ele já aprendeu a guardar e buscar quando precisa. Acredito que a educação financeira deve começar cedo, na infância”, falou ela.

Já o professor de geografia Luiz Henrique de Souza Gomes, pai de Luana e Elysia Gomes, afirma que as crianças de hoje são mais maduras que as de gerações anteriores quando o assunto é dinheiro. “Acho que elas compreendem bem mais do que eu compreendia na idade delas. Por vezes, percebo a preocupação delas em relação a gastar ou não, os limites de preço para os presentes. Por exemplo, no Natal é um presente mais caro, nas outras datas um presente barato, e no aniversário, um presente médio. Dou valores dependendo
do meu rendimento”, disse.

Para ele, a conversa deve começar assim que a criança começa a perceber que as pessoas são recompensadas com dinheiro pelo trabalho. “Mostro o quanto é difícil ganhar dinheiro. Quando andamos na rua, comento sobre os vários tipos de empregos que podemos ver, falo sobre como é o trabalho de ambulantes e como é um gasto na casa, quando posso faço compras com elas. Em relação à postura dos pais, penso que deve ser sem pressão,
mostrar que o dinheiro é mais uma das fontes para a felicidade e não a única”, enfatizou o professor.

Nunca é tarde para o diálogo

A tendência é que uma criança educada apropriadamente sobre o dinheiro se transforme em um adulto responsável com as finanças. Mas e quando esses cuidados não foram tomados na infância, e o filho já chegou à adolescência, cercado de influências de consumo por parte da mídia ou amigos? Para o escritor Reinaldo Domingos, nunca é tarde para se falar com os filhos. “Nada está perdido! Claro que o melhor é iniciar a educação financeira já na infância, mas, se isso não foi possível, o importante agora é, da mesma forma, tentar mostrá-lo os hábitos corretos com relação ao uso do dinheiro. Além disso, centenas de escolas espalhadas pelo país já possuem programas de educação financeira. Procure saber se a instituição em que seu filho estuda oferece essa disciplina, caso não, indique algum de seu conhecimento ou busque um colégio que tenha”, destacou.

Domingos lembra o resultado da pesquisa feita pelo diário americano Journal of Public Economics, que mostra que os filhos que possuem o exemplo em casa poupam ainda mais do que os amigos que têm contato com o assunto apenas no ambiente escolar. A psicóloga Penélope Sampaio ressalta o valor do exemplo adulto. “Ao final de tudo, a forma como os próprios pais lidam com o dinheiro, acima de qualquer lição que queiram passar, é que vai ditar a forma como seus filhos verão os valores monetários”. Dessa forma, ela aponta, pais consumistas, ainda que insistam para que seus filhos poupem, dificilmente terão seu intento atendido. O modelo continua sempre sendo melhor do que o discurso.

A matéria acima é uma republicação do revista SAMP, de janeiro de 20214. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita. 

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