Um ano após o rompimento da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), de propriedade da mineradora Samarco, milhões de metros cúbicos (m³) da lama continuam espalhados por toda a extensão do Rio Doce, a água permanece imprópria para consumo, a pesca, proibida, e as indenizações seguem na fila de espera, sem nenhuma multa paga até agora.
No dia 5 de novembro do ano passado, o Brasil parou para acompanhar as notícias daquele que seria o maior desastre ambiental com barragens do mundo nos últimos 100 anos, com volume de rejeitos despejados na natureza superior a 40 milhões de m³.
Os institutos Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação SOS Mata Atlântica, que integram a lista de responsáveis por monitorar os diversos impactos desse vazamento, são unânimes em afirmar que muitas ações vêm sendo desenvolvidas desde o dia do acidente, tanto pela Samarco, quanto por órgãos do governo, mas admitem que os resultados ainda estão aquém dos necessários ao meio ambiente, e o período de chuvas pode piorar a situação.
Na avaliação do superintendente do Ibama em Minas Gerais, Marcelo Belisário Campos, não há nada a se comemorar. “Muita coisa tem sido feita, mas as ações deveriam ter a mesma escala do desastre”, destaca. Ele explica que há atraso nas obras da barragem de Candongas, da Hidrelétrica Risoleta Neves. “Já foram dragados mais de 500 mil m³ e essa retirada de rejeitos diminui os riscos de instabilidade. Mas estamos ainda na fase emergencial – na qual o volume de sedimentos a ser dragado é de 1,3 milhão de m³ -, que esperávamos ter sido concluída em dezembro de 2016. Contudo, a previsão agora é para até julho do ano que vem. A barragem hoje está estável, mas representa uma preocupação o período chuvoso, diante da possibilidade de acúmulo de sedimentos novamente”, alerta o superintendente.
Em julho deste ano, o ICMBio, que coordena atividades de monitoramento de três unidades de conservação (UCs), aplicou três multas, no valor total de R$ 143 milhões, à Samarco, por impactos causados nas áreas protegidas.
O instituto reitera que a principal medida a ser feita é a contenção total dos rejeitos. “O prejuízo registrado até hoje pode se ampliar e se intensificar, caso novas ondas de rejeitos sejam lançadas das barragens da empresa no Rio Gualaxo, afluente do Rio Doce, ou remobilizadas das margens e, principalmente, se o grande volume retido na barragem de Candongas vier a ser liberado para o rio. E, considerando as previsões de grande intensidade de chuvas na região da bacia do Rio Doce, como apresentadas pelas agências especializadas, esse risco torna-se ainda maior, bem como a relevância das medidas de contenção citadas”, pondera João Carlos Thomé (Joca), coordenador do Centro Tamar.
Na foz do Rio Doce, a pesca está proibida desde o dia 21 de novembro de 2015, quando a lama atingiu o local, por recomendação da ICMBio. Em setembro deste ano, o Ibama havia apreendido 18barcos, 17 estavam em fase de identificação; 17 autuações foram feitas. “Depois de um ano, continua do mesmo jeito. Cada vez piora. Não tem ninguém pescando, não tem laudo nenhum falando sobre nisso. Acabou. A população tem na consciência que o peixe está contaminado, você não consegue vender”, reclama Cláudio Márcio, presidente da Colônia de Pescadores Z12, em Baixo Guandu. Segundo o Comitê da Bacia do Rio Doce (CBH-Doce), existe chance de recuperação em longo prazo. Apesar de a calha do rio ter sido atingida pela lama, seus afluentes podem ser fundamentais para que a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que tem 83.400 km² de extensão, viva.
Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, avalia que a celeridade das ações não tem sido satisfatória ao meio ambiente e também enfatiza a importância de se retirar a lama acumulada. “Para se iniciar o plano de recuperação ambiental que envolve a restauração florestal e a descontaminação do solo de toda a área que garante o abastecimento da bacia, é necessário que não haja mais lançamento e ou deslocamento de rejeitos em toda a região do Alto Rio Doce. E nesse período de muita chuva, a probabilidade de isso ocorrer é real”, explica.
O Ministério Público Federal (MPF) faz severas críticas à forma como a Samarco, a Vale e a BHP conduzem o caso. Segundo Jorge Munhoz, procurador da República no Espírito Santo, nem as questões emergenciais foram resolvidas. “Até hoje, as empresas e o poder público não deram resposta para questões emergenciais. A situação é realmente muito insatisfatória”, afirma Munhoz.
A chuva chegou com tudo
A população de Colatina, um dos municípios capixabas cortados pelo Rio Doce, que já vinha sofrendo com a seca e passou o ano de 2016 fortemente afetada pela chegada da lama, agora precisa enfrentar os prejuízos com as fortes chuvas.
Entre os dias 20 e 24 de novembro (data de fechamento desta edição), as chuvas que atingiram a “Princesinha do Norte”, acompanhadas de vendavais e granizo, deixaram alguns bairros completamente tomados pela água barrenta.
Além de árvores derrubadas, a Defesa Civil registrou muro quebrado, telhado de escola arrancado pelo vento e Corpo de Bombeiros impedido de sair para atuar em um dos dias, pois as ruas ao redor ficaram completamente alagadas. O córrego São Silvano transbordou, e algumas vias pareciam pequenos rios em meio à cidade, com correnteza barrenta.
O supermercado Oba foi tomado pelo lamaçal e amargou um prejuízo estimado em R$ 1 milhão.
Na manhã do dia 24, em apenas quatro horas, choveu 61 mm. O engenheiro florestal do Incaper Cesar Carvalho explicou que, apesar de o período ser de chuva, o fator preocupante está na quantidade de água em um pequeno intervalo de tempo. “O esperado para novembro era de 250 ml, mas tranquilamente vamos passar de 300 ml. A chuva está só começando e o que nos preocupa é que o solo está impermeabilizado e na área urbana temos uma ocupação desordenada”, comentou.