Dimensões dos impactos sociais, econômicos e ambientais da tragédia de Mariana ainda são desconhecidas no Espírito Santo
05 de novembro. Tarde de quinta-feira – 62 milhões de metros cúbicos de lama são despejados na natureza com o rompimento da barragem Fundão, na divisa entre Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais, formam uma onda de lama de 2,5 metros de altura, soterram Bento Rodrigues, e atinge fortemente outras localidades rurais.
Em apenas três dias, Minas Gerais, que abriga 51% das 663 barragens brasileiras para contenção de rejeitos de mineração, já tinha 15 municípios afetados e a lama havia chegado ao Rio Doce. Hoje, a área atingida é de 2.700 hectares, segundo a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais. Há 12 mortos e 11 pessoas continuam desaparecidas.
Governador Valadares, maior município da bacia do Rio Doce, com 280 mil habitantes, viveu um caos. Garrafões de cinco litros de água, cujo preço normal é de R$8,00, chegaram a ser vendidos a R$ 35,00 e ainda assim logo se esgotaram. A população passou sede e todos os peixes naquela região morreram. As análises realizadas pelo Saae (Serviço de Água e Esgoto) de Valadares apontaram, em 10 de novembro, um índice de ferro 1.366.666% além do recomendado.
Os níveis de manganês superavam o tolerável em 118.000%, e a concentração de alumínio era 645.000% superior ao permitido para tratamento. No dia 14, o governador Fernando Pimentel apresentou um laudo da Companhia de Saneamento de Minas Gerais negando a existência de metais pesados e a captação do Rio Doce foi retomada.
Espírito Santo
No dia 16 de novembro, Baixo Guandu interrompeu a captação de água no Rio Doce, responsável pelo abastecimento da cidade, mas o Rio Guandu garantiu que a população não ficasse sem água. Três dias antes, o prefeito Neto Barros protagonizou uma cena inesperada: utilizou seis tratores para fechar a linha férrea Vitória-Minas, exigindo uma reunião com os presidentes Ricardo Vescovi, da Samarco, e Murilo Tavares, da Vale, que divide o controle da Samarco com a BHP Billiton, maior mineradora do mundo.
Nessa mesma data, em visita ao Estado, a presidente Dilma Rousseff admitiu a necessidade de analisar os pontos falhos da legislação atual para a mineração. “Vamos rever tanto ambientalmente, quanto a regulação dos rejeitos”, declarou
Já em Colatina, entre as estratégias traçadas para minimizar os problemas, seis poços foram perfurados; dezenas de carros-pipas disponibilizados; e 52 caixas d’água alocadas em pontos estratégicos. Havia ainda a possibilidade de captação de água nas lagoas do Limão e Batista. Mas as dezenas de reunião entre as esferas municipal, estadual e federal, com direito a repetidas visitas de ministros e até da presidente da República, não impediram o desespero da população diante da ameaça de ficar sem água. Os dois primeiros dias de entrega de água potável foram marcados por gritaria, saques e até pancadaria.
Regulariza a situação, cada morador retirava dois litros de água por dia, entregues com o apoio do Exército, da Defesa Civil e da Polícia Militar. Pescadores e agropecuaristas que dependiam do Rio Doce para irrigar plantações e dar ao gado não sabiam o que fazer.
A captação da água do Rio Doce foi retomada no dia 22, quando a substância Tanfloc passou a ser utilizada. “Após o resultado positivo da análise feita pelo laboratório Tommasi, retomamos a captação e o tratamento. Com apoio de especialistas e técnicos em tratamento de água, que atuaram Governador Valadares, vínhamos realizando testes, até que obtivemos um resultado de análise completamente dentro dos padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, explicou o prefeito e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Leonardo Deptulski. “Sobre hipótese alguma iremos oferecer à população uma água que não esteja de acordo com os padrões de potabilidade”, garantiu o engenheiro João Virgílio, responsável pelo laudo do Tanfloc.
Ações da Samarco
Desde o rompimento da barragem, segundo a empresa, cerca de 600 profissionais, entre colaboradores da mineradora e de empresas terceirizadas, estão envolvidos em diferentes frentes de trabalho nos municípios mineiros e distritos impactados.
Os 1265 desalojados foram levados para hotéis e pousadas da região e estão sendo acomodados em casas alugadas pela empresa. Os que preferiram permanecer em suas residências recebem água, cestas básicas, itens de higiene pessoal, material de limpeza e ração animal. Os animais passaram por atendimento veterinário e são alimentados. Vários deles já foram identificados pelos donos, mas permanecem abrigados nos locais disponibilizados pela empresa.
As pontes de acesso às cidades estão sendo reconstruídas. A previsão é de que a primeira a ser liberada para tráfego é a que liga os distritos de Águas Claras e Paracatu (MG) e a estimativa é de instalar duas pontes a cada 10 dias, tendo tudo concluído até o início de 2016.
Para realizar o planejamento das ações, a Samarco contratou uma empresa internacional especializada em emergências ambientais, com atuação em eventos como o Furacão Katrina, ocorrido em Nova Orleans (EUA). A operacionalização dessas ações é realizada por empresa especializada em proteção ambiental em mar e rios do Brasil.
O presidente Ricardo Vescovi afirmou que as vítimas serão assistidas até que toda a situação seja normalizada e que a mineradora continuará agindo em parceria com os órgãos ambientais para recuperação das áreas atingidas. Ele também reconheceu que o sistema de alerta da empresa não funcionou na hora da catástrofe e que, para garantir melhores condições de segurança, foram instalados dois botões de alerta, na sala de monitoramento de barragens da empresa, para aviso imediato às comunidades e funcionários em caso de acidente com alguma das outras duas barragens do complexo de Mariana, Germano e Santarém, que passam por obras emergenciais.
Impactos Econômicos
Além das perdas humanas, de todo um legado histórico e social, e dos gravíssimos impactos ambientais, o rompimento da barragem e a consequente paralisação das operações de extração e beneficiamento de minério de ferro, em Germano (MG); e dos processos de pelotização e embarque, em Ubu (ES), trazem impactos econômicos de grandes proporções, para famílias, municípios, estados e o PIB nacional.
Os demonstrativos contábeis dão conta de que a Samarco produz cerca de R$ 4 bilhões em riquezas por ano, expresso pelo Valor Adicionado Líquido (que é a diferença entre o faturamento anual dos insumos e depreciação). “Com isso, constatamos que o impacto direto da paralisação dos negócios da companhia é de 0,7% sobre o montante do PIB dos Estados de MG e ES em 2016. Mas, o impacto final só saberemos depois que tivermos uma noção mais precisa das questões ambientais, da retração que pode ocorrer em outras atividades econômicas (como turismo e pesca, por exemplo), além dos efeitos indiretos decorrentes da retração da cadeia de fornecedores”, explica o presidente do Conselho Regional de Economia, Eduardo Reis Araujo.
A empresa possui três mil empregados diretos e 3.500 contratados. Em 2014, ocupou a 10ª posição no ranking das maiores exportadoras do Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “Estamos falando de desdobramentos que irão repercutir negativamente na produtividade da empresa, na execução de contratos com fornecedores, nas relações trabalhistas com seus funcionários, nas atividades econômicas (setores primário e terciário, principalmente) das áreas mais afetadas pelo desastre, nas finanças públicas de municípios capixabas e mineiros. Além disso, existem os impactos socioambientais diretos, ocasionados pelas ondas de lama que avançam nas sub-bacias, bacia hidrográfica e foz do Rio Doce”, avalia o geógrafo mestre em arquitetura e urbanismo, professor Pablo Lira.
Segundo ele, ainda é cedo para precisar os impactos socioambientais e econômicos, devido à magnitude e complexidade do desastre. “Contudo, o momento reforça a importância de empresa, governos federal, estatuais e municipais, iniciativa privada e sociedade somarem esforços no sentido de solucionar/mitigar danos que prejudicam as condições básicas de sobrevivência das vítimas da tragédia, reconstruir o que foi perdido e ampliar o potencial de resiliência para lançar as bases de planos de emergência e intervenções estratégicas mais eficientes e eficazes”, destaca
A paralisação das atividades da Samarco em Ubu já repercute na gestão pública. O prefeito de Anchieta, Marcos Assad, destaca que a mineradora é responsável por 60% do total do ISS arrecadado pelo município. “Sem minério, Anchieta vai perder R$ 1,7 milhões por mês. A média mensal de arrecadação de ISS provenientes das atividades da Samarco é de R$ 2,6 milhões. A estimativa mais otimista, depois da paralização das atividades da mineradora, é de que essa arrecadação caia para R$ 900 mil mensais. E isso se torna ainda mais grave em um ano em que repasses federais e estaduais caíram de forma significativa”, explica Assad.
No último dia 24 de novembro, já havia 114 demissões agendadas no Estados, aguardando apenas homologação. Isso levou a uma convocação do Ministério Público do Trabalho. “O MP quis saber o porquê dessas demissões, se a Samarco colocou à disposição das empresas com contratos transitórios a opção de dar férias remuneradas a esses funcionários, custeada pela mineradora”, explicou o presidente do Sindimetal, Renato Pereira de Souza.
Uma segunda audiência, marcada para 2 de dezembro, segundo o representante da categoria, busca fechar acordos de garantia de estabilidade após o vencimento das férias coletivas, no dia 04 de janeiro de 2016, que permaneçam mesmo após o retorno das atividades, ainda sem previsão.
Outro aspecto é que os investimentos na construção do terceiro mineroduto fizeram a dívida da Samarco saltar dos R$ 3,369 bilhões (2010) para os atuais R$ 11,648 bilhões. Mas os bons resultados – receita bruta de R$ 7,5 bilhões, em 2014, o que representa um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões – permitiram manter equilibrado o nível de alavancagem previsto nos contratos com os bancos.
Uma situação que já mudou com o acidente e faz com que o marcado não descarte a possibilidade da empresa ter de negociar socorro financeiro com suas acionistas, que também já registram quedas nas ações. De acordo com a Vale, o acidente tem impacto negativo na produção em Fábrica Nova/Timbopeba (MG) da ordem de 3 milhões de toneladas neste ano e de 9 milhões de toneladas em 2016.
Na avaliação do presidente do Sindifer, Manoel Pimenta, a responsabilidade da empresa em solucionar os problemas causados é fato, mas a sociedade não pode perder o foco da importância do retorno das atividades. “A Samarco tem o compromisso de recuperar os danos ambientais, ressarcir todos os prejuízos causados mesmo. E tenho certeza que ela fará. Mas é preciso entender que essa empresa parada representa prejuízo para toda a sociedade. São milhares de profissionais que trabalham na empresa ou prestando serviço para ela, e há enorme importância para a economia dos municípios,capixaba, de Minas e para o PIB nacional. A gente tem de ter essa empresa funcionando”, afirmou Pimenta.
O presidente defendeu ainda a postura da empresa. “A Samarco é referência em responsabilidade social, fiscal, trabalhista e ambiental. Nos últimos dez anos, esteve no ranking das melhores empresas em todas essas áreas, e seus gestores receberam diversos prêmios, inclusive internacionais. Como dirigente sindical posso afirmar que não há nada que desabone a Samarco. Esperamos que as atividades retornem o mais breve possível”, finalizou
Impactos Ambientais
De dimensões ainda maiores são os impactos ambientais. E as incertezas são tantas nesse cenário, que nem mesmo a Justiça conseguia se entender. Enquanto uma ordem federal obrigou a Samarco a “barrar” a lama antes que ela atingisse o mar; uma determinação estadual exigiu a ampliação da saída para o mar, pois ”a diluição do material seria muito mais rápida em função do volume de água”.
Bancos de areia próximos à foz foram removidos e instalaram 9.000 metros de barreiras offshore e sea fence (utilizadas em vazamentos de petróleo), na tentativa de isolar a fauna e a flora nas margens do rio e em algumas ilhas no estuário. Mas elas só conseguiram segurar o material em suspensão na superfície.
Na vila de Regência Augusta, em Linhares, tradicional ponto de desova das tartarugas marinhas, equipes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) removeram centenas de ninhos e de filhotes de tartarugas marinhas para áreas que não deverão ser atingidas diretamente pela lama. Os institutos também estão realizando a captura de matrizes e a proteção dos tributários (rios de menor porte) para viabilizar o repovoamento do rio Doce.
Frequentada por turistas durante todo o ano, especialmente sufistas do Brasil e do exterior, que vem em busca da ondulação “perfeita”, a Vila já está com mais de 70% das reservas de pousadas canceladas. Até o fechamento desta edição, a mancha já se espalhava por mais de 40 quilômetros no mar.
Embora as especulações cresçam a cada dia, especialistas afirmam que dificilmente o volume de sedimentos terá força para chegar a Abrolhos e à Grande Vitória. “O mais provável, devido à salinidade do mar, é que esse material se sedimente e seja depositado no fundo do mar, numa região mais próxima à foz”, explica o PhD. em Geografia e professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo, Gilberto Barroso.
No entanto, essa influência de lama no mar poderá ainda ocorrer por várias vezes, pois boa parte dos rejeitos de minério ainda está retida no Rio do Carmo e no Alto Rio Doce. “No percurso até a foz, os represamentos das usinas hidrelétricas funcionaram com armadilhas para retenção do material, retardando o fluxo. O que chegou à foz até agora é, provavelmente, uma pequena parte. Durante os eventos de chuvas, novos ‘pulsos’ de sedimentos em suspensão serão transportados. Tudo depende da intensidade de chuvas e do local onde esta precipitação vai incidir”, detalha Barroso.
Segundo ele, nesse momento, a melhor alternativa para a natureza depende da junção de condições naturais e do trabalho humano. “O melhor cenário se desenha com a remoção, por meio de atividade de engenharia, da maior quantidade possível de rejeitos cumulados no Alto do Rio Doce, e com a incidência de chuva concentrada no Baixo Rio Doce e com volume significativo”, afirma.
O governador Paulo Hartung falou sobre o desafio de recuperar as condições ambientais. “O prejuízo é monumental. Em boa parte do Rio Doce essa lama, por eliminar o oxigênio, destruiu a fauna e a flora. E tem aspectos que nem poderão ser mensurados. Mas experiências mundiais mostram que é possível sim recuperar, há exemplos na Alemanha, na Coreia, no Japão e até mesmo aqui no Brasil. O que precisamos fazer é pegar esses exemplos e traçar um planejamento e isto está sendo feito com os melhores especialistas em diferentes áreas”, enfatizou o governador, após sobrevoa da região, no dia 23 de novembro, acompanhado da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que garantiu a permanência da equipe de reforço do Ibama por mais 90 dias no Espírito Santo.
Quanto às ações jurídicas para recompensar os impactos ambientais, sociais e econômicos, o governador acrescentou que o modelo que está sendo levado em consideração é o que foi adotado por Estados, cidades e o governo americano, que unificaram procedimentos jurídicos, contra a British Oil, por causa do derramamento de petróleo no Golfo do México, em 2010.
Especialistas garantem que a natureza possui força suficiente para se recuperar, mas não esperam que essa recuperação dure menos de 20 anos no continente e um tempo ainda maior no oceano. Fato é que ainda existem muito mais perguntas que respostas. E certamente levará um bom tempo para que os impactos sociais, culturais, econômicos e, principalmente, ambientais possam ter suas reais dimensões calculadas.
“O esperado é que a sociedade e o governo tenham uma atitude firme em relação a prevenir riscos ambientais, de atividades potencialmente causadoras de desastres. Infelizmente tivemos outras experiências no Brasil e não aprendemos a lição”, é a reflexão deixada pelo professor Gilberto Barroso.