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quarta-feira, 24 abril, 2024

Política de dois lados

A polarização política faz a sociedade perder a capacidade de negociação para lutar pelas melhorias que o país precisa

Por Josué de Oliveira

Não se sabe ao certo quando a polarização tomou conta da sociedade brasileira, mas o que é possível afirmar é que diante desse cenário o país tem pouco a ganhar. Muito pelo contrário. Esse clima de disputa, motivada pela violência e a intolerância, principalmente nas redes sociais, traz prejuízos para a população, ainda mais neste período de pandemia.

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A coordenadora da ONG Despolarize, Maisa Diniz, ressalta a importância do significado real da polarização, que não é discordar ou ter opiniões divergentes sobre determinado pensamento. “Eu posso votar em candidato X ou Y, mas posso ter a capacidade de conversar sem agredir ou ameaçar. Isso não é polarização. Isso é democracia e saber conviver com quem pensa diferente”, afirmou.

O que caracteriza a polarização, segundo Maisa, é a violência e a intolerância ao diferente. “A gente pode discordar sem ser inimigo, sem atacar um ao outro e garantir o compromisso com as regras do jogo que é a democracia”.

Esse clima que divide a sociedade brasileira pode ter se iniciado nas eleições de 2014, quando Dilma Rousseff e Aécio Neves disputavam a presidência da República. “É muito difícil criar esse marco. Mas entendo que nessa eleição já se iniciava uma disputa acirrada e com intolerância. E, a partir daí, isso só veio crescendo”, lembrou Maísa.

Embora não se possa afirmar categoricamente que a polarização começou nessa época, o que se observa é que de lá para cá o país vem perdendo oportunidades, já que reduziu a capacidade do diálogo e das propostas. As soluções para problemas coletivos e históricos do Brasil, como saúde, educação, emprego e segurança, só para citar alguns, acabaram ficando em segundo plano.

“Isso empobrece o diálogo. Hoje só se conversa com quem concorda com o nosso pensamento. Temos menos qualidade e menos pluralidades nos argumentos”, salientou Maisa. E prosseguiu: “A gente perde também uma das coisas mais importantes, que é a capacidade de trabalhar juntos os nossos problemas. Precisamos nos comunicar, mas perdemos a capacidade de se entender com quem discorda da gente. Se não sentarmos para resolver isso, perdemos como um todo, perdemos a nossa coesão”.

Política de dois lados
“Hoje só se conversa com quem concorda com o nosso pensamento. Temos menos qualidade e menos pluralidades nos argumentos” – Maisa Diniz, coordenadora da ONG Despolarize

E as consequências disso já podem ser sentidas, principalmente no retrocesso e na estagnação de negociação. “Nesse contexto é tudo ou nada, não negocio mais. Tudo vira hostilidade, intolerância e passa-se a tratar a violência de forma mais aceitável. Com isso,
as instituições democráticas ficam cada vez mais frágeis”.

Com isso, ganham forças ainda as fake news e as informações distorcidas que constroem um ambiente cada vez mais hostil. “Vemos mais ataques, conflitos… essa sensação de ameaça, medo e angústia faz com que nossas sensações fiquem mais aguçadas”, explicou. Existe uma saída para essa polarização desenfreada vivida atualmente? Segundo Maisa é importante não perder a esperança.

Deslegitimar a violência política e diminuir a distância de entendimento entre as pessoas que discordam de opiniões é o caminho para resgatar o diálogo. Para a ativista, é necessário construir uma sociedade mais resiliente e apta a lidar com a pluralidade. Caso contrário, a sociedade vai caminhar para um estágio de ditadura e medo. “E isso não produz nada de frutífero”, sentenciou.

Política de dois ladosPara essa retomada, o conselho da coordenadora é bem simples. Cada um fazer sua parte, voltar a conversar dentro de casa, resgatar as relações com as quais convivemos.
“Muitas relações foram abaladas por causa da polarização. É necessário resgatar a ideia de que essas relações importam. E a saída é o diálogo, aprendendo a conversar e a ouvir opiniões divergentes”.

Menos sugestões de políticas públicas para a sociedade

Além de perder a capacidade de diálogo, a polarização política traz sérios prejuízos no cenário de políticas públicas para a sociedade. Para o professor de Sociologia Política da Universidade de Vila Velha (UVV), Frank Andrew Davies, esse prejuízo vem na medida em que ela agrava divergências e dificulta as possibilidades de escuta e aprendizagem necessárias ao desenho das políticas em curso.

“A situação política de forte antagonismo reduz as capacidades inventivas de formular ações governamentais, visto que um grupo com certa opinião política passa a controlar os processos de decisão enquanto outro polo se coloca em oposição direta a esse grupo, reduzindo as condições de colaboração necessárias para o encontro de boas soluções para as políticas públicas”, ressaltou.

Segundo o especialista, a polarização política é um arranjo possível nas democracias, portanto não se trata de uma “jabuticaba”, tampouco tem origem na contemporaneidade. “Como exemplo, o período de Guerra Fria pode ser compreendido como um momento de polarização política a nível mundial, dividindo países em blocos de ordem capitalista ou socialista”, explicou.

Política de dois lados
“A situação política de forte antagonismo reduz as capacidades inventivas de formular ações governamentais” Frank Andrew Davies, professor de Sociologia Política da UVV

Atualmente, a disputa política se dá entre outros grupos e ideias. Para Andrew, é fato que nos últimos anos a política internacional está outra vez marcada por essa tendência à polarização, contudo sob outro enquadramento. “A partir da ascensão de grupos de extrema direita em diferentes eleições ao redor do mundo, compreendemos que essa polarização política articula outros temas e valores”, afirmou o professor. Questões da ordem privada têm sido pautadas no debate público como fatores de uma pauta “conservadora nos costumes”, ao mesmo tempo em que se defende uma pauta econômica de tipo liberal. São novos arranjos de polarização que trazem problemas reincidentes de limite ao debate e diálogo de ideias”, pontuou.

Mudar essa realidade, ao que tudo indica, não é tarefa das mais fáceis. Até porque se trata de uma mudança que precisa envolver toda a sociedade. “Os próprios dirigentes políticos em exercício tem papel na condução dessa polarização, visto que eles tem poderes para superar esses obstáculos e indicar saídas de conciliação, mas em realidade esse caminho de mudança envolve a toda a sociedade na busca por superação desses impasses”.

E concluiu: “uma proposta que emerge como caminho, a meu ver, se envolve à educação e à pesquisa científica como ferramentas de alcance por melhores soluções políticas. Diante dos antagonismos de opinião e visão de mundo, o olhar investigativo sensível aos contextos ainda é um recurso fundamental para superação das nossas diferenças de perspectiva”.

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