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sexta-feira, 19 abril, 2024

O incrível milagre do Edifício Ilha do Boi

Sei que Vitória não dá margem para a sobra de tempo que envolve o bate papo informal. Como pode uma cidade tão pequena nos ocupar tanto?

Por Claudio Rabelo

Eu moro em um prédio tipicamente capixaba. Sem maldade, evitamos, como bons capixabas, o contato humano e qualquer forma de sociabilidade além da obrigatória. São 60 apartamentos distribuídos em dez andares, de forma que o fluxo se distribui entre dois elevadores e uma escada de incêndio. Tenho o imóvel há quase 20 anos e posso dizer que conheço meia dúzia de vizinhos pelo nome. Sei que Vitória não dá margem para a sobra de tempo que envolve o bate papo informal. Como pode uma cidade tão pequena nos ocupar tanto?

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As esparsas reuniões de condomínio são os momentos inevitáveis de encontro, inicialmente constrangedores, uma vez que parecem obrigar os vizinhos para o enfrentamento de seu maior pavor: a sociabilidade. Mas sempre sobra tempo para uma calorosa discussão sobre os padrões de fachada, descarte do lixo, ou vagas de garagem. Não falo isso por maldade. Há muita cordialidade e gentileza, mas a dinâmica urbana muitas vezes impede a ampliação para a amizade profunda. Mas vamos aos fatos…

Minha filha estava brincando no pequeno e recém inaugurado parquinho no fim de uma tarde de sexta-feira. Eu estava bastante cansado até ser tomado por um insight: peguei duas latas de cerveja e desci, oferecendo uma para o outro pai, também cansado em razão da exaustiva semana, mas que também cuidava de sua criança. Começamos a conversar enquanto bebíamos, até que o marido da síndica se aproximou, também com uma lata de cerveja em mãos.

A conversa estava animada e Renato desceu com seu violão. Juntaram as mães e todos começaram a cantar “Ainda é cedo”, do Legião Urbana. Como o barulho ultrapassou o limite do bom senso, resolvemos ir para o salão de festas. Desceram outros moradores…Dilma trouxe uma fritadeira com maravilhosos quitutes: bolinhos de feijoada. Vânia desceu com amendoins e a minha esposa trouxe o vinho com algumas taças. Acho que o quórum ultrapassou as reuniões ordinárias de condomínio, contagiando quem quer que passasse pelo local. De madrugada, em uníssono, todo o condomínio cantava “Um fio de cabelo”, como se protagonizássemos um especial de Natal da Turma da Mônica.

No outro dia, corretores de imóveis começaram a nos procurar. O imóvel havia valorizado bastante, tanto em negociação de vendas como também para aluguel, pois muito além das estruturas de suas paredes ou itens de lazer, o que diferencia uma casa de um lar é justamente o prazer do convívio, a afetividade compartilhada, a segurança de uma rede de apoio e a autorrealização. Os clientes das corretoras imobiliárias passaram a desejar o que havia sido construído ali. Isso é conhecimento básico para quem conhece a tradicional teoria transdisciplinar de Maslow. O produto é coadjuvante para as necessidades, vontades e desejos humanos.

Isso me fez lembrar do meu primeiro emprego. Uma experiência traumática gerada por um chefe que era literalmente um dinossauro por inspirar insegurança, medo e desgosto aos funcionários. Pedi as contas para receber metade do salário em um lugar que me deixava mais feliz. Por outro lado, defendi no doutorado em educação em 2011, a tese de que a eficácia formativa em Faculdades e Universidades se tornaria mais potente à medida em que os laços de amizade da comunidade falassem mais alto que as metodologias formais.

Mas não interessa aqui contar a minha vida. Quero esporadicamente escrever sobre marketing, filosofia estratégica, gestão e propaganda. Por isso ilustrei o acontecimento para dizer que uma marca deve se forjar da mesma forma, com o fortalecimento de laços afetivos, encantamento por meio da melhoria da experiência dos usuários, cordialidade, envolvimento dos stakeholders nas decisões, empoderamento de colaboradores e clientes, co-criação no processo de inovação, incentivo ao marketing de causas, cultura da gentileza e uma série de outras ações intangíveis capazes de construir laços tão fortes a ponto de gerar engajamento e fidelidade.

Sabemos que o valor das marcas ultrapassa seus aspectos físicos, pois são principalmente perceptuais. Por isso, desejo do fundo do meu coração, que você gestor, cliente, acionista, colaborador, concorrente ou influenciador se deixe contagiar pelo espírito de Natal que surgiu como um átomo de hidrogênio no edifício Ilha do Boi, mas que pode se espalhar como um big bang a partir deste despretensioso texto. Um grande abraço!

Claudio Rabelo é professor da Ufes, TedX Speaker, pós-doutor em Estudos Culturais pela UFRJ e autor do Livro “Faixa preta em publicidade e propaganda”

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