O complexo portuário do ES

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Dois fatores conferem vantagem ao ES: a localização privilegiada e o tamanho do complexo portuário - Foto: Bibico Dantas

Dois importantes fatores em relação ao ES que conferem vantagem no cenário nacional: a localização privilegiada e o tamanho do complexo portuário

Por Luciene Araújo
O setor portuário é responsável por realizar mais de 80% do comércio internacional brasileiro. Logo, assume uma importância indiscutível no crescimento econômico do país.
No entanto, a realidade estrutural de nossos portos e de toda a cadeia logística ainda impossibilita uma série de oportunidades reais.

O Brasil possui 175 instalações portuárias de carga – portos, terminais marítimos e instalações aquaviárias, sendo 99 deles localizados na costa litorânea e 76 terminais no interior – Região Norte (52), Região Sul (18) e Região Centro-Oeste (6). Em 2022, o setor portuário brasileiro movimentou 1,2 bilhão de toneladas, registrando a segunda maior movimentação de carga da história, mesmo assim, um desempenho de 0,4% abaixo do registrado em 2021, segundo relatório da Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

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Para se ter uma ideia do quanto o setor tem operado aquém da demanda, basta saber que o Brasil tem uma capacidade de produzir (entre todas as commodities) 1 bilhão de toneladas por ano, “mas nossos portos só conseguem exportar 600 milhões de toneladas.
A diferença, vai para o lixo”, aponta o consultor de portos e operação portuária, José Ernesto Conti, que atua junto à maioria das siderúrgicas brasileiras.

Consultor em infraestrutura e energia da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Luis Claudio Montenegro, destaca que a necessidade de desenvolvimento vai muito além das estruturas portuárias. “O Brasil tem problemas crônicos de falta de investimentos em infraestrutura como um todo. E isso se dá pela falta de planejamento. Diversos projetos acabam se perdendo, não há clareza”, afirma Montenegro.

Ainda segundo o consultor, o cenário no Espírito Santo é um caso muito interessante de se analisar. “Há uns sete anos já disse que o Espírito Santo carregava o potencial de ter o maior complexo portuário do Brasil, mas que se o Estado não acreditasse nesse potencial, ninguém mais acreditaria. Então precisa ir além de ficar discutindo se vai ou não vai, porque enquanto não sai do debate, não vence a falta de unidade nesse propósito, os concorrentes avançam”, enfatiza.

Ele relembra que o Estado registrou uma evolução muito grande na atividade portuária, após a construção do Porto de Tubarão (1966), seguida das construções do terminal de Ubu (1977), da Samarco; e da Portocel (1978). “Esse foi um movimento muito agressivo do Espírito Santo, em termos de desenvolvimento no setor. Acontece que, com o tempo, esses projetos passaram a ficar estrangulados pela ferrovia, que não correspondeu ao avanço registrado pelos portos à época”.

Mesmo diante das inúmeras melhorias – físicas, tecnológicas e de processos logísticos – necessárias para resolver os atuais gargalos, não se pode negar que o complexo portuário do Espírito Santo é um gigante, com a capacidade e a responsabilidade de fazer a diferença na economia não apenas do Estado, mas do país.

Espírito Santo

Há dois importantes fatores em relação ao Espírito Santo que conferem vantagem no cenário nacional: a localização privilegiada e o tamanho do complexo portuário. O Estado abriga hoje seis portos em operação, distribuídos em 417 km de litoral, responsáveis por 25% das mercadorias importadas e exportadas pelo Brasil. E ainda conta com dois terminais de barcaças e terminais de combustíveis. Algumas dessas estruturas, dentro dos segmento em que atuam, são destaques em nível mundial, como os terminais de Portocel e Tubarão.

Pelos portos capixabas, é exportado o maior volume brasileiro de produtos siderúrgicos, minério de ferro e celulose. E esses portos ainda recebem cargas diversas conteinerizadas e veículos, movimentação essa que abastece outros estados do país.

Além de significativos investimentos previstos para ampliação da capacidade das estruturas já existentes, três novos portos – Imetame (Aracruz); Porto Central (Presidente Kennedy); e Petrocity (São Mateus) – estão sendo desenvolvidos, já autorizados ou em fase de licenciamento (*). Ninguém discorda que o complexo portuário espírito-santense é um gigante, mas há muito a ser feito para que esse gigante produza o desenvolvimento esperado e merecido pelo estado.

Cenário Nacional

O complexo portuário do ES
“Há uns sete anos já disse que o Espírito Santo carregava o potencial de ter o maior complexo portuário do Brasil” – Luis Claudio Montenegro, consultor em infraestrutura e energia da Findes – Foto: Alexandre Mendonça

A importância do setor portuário está relacionada a inúmeros fatores, entre eles, o aumento na movimentação de cargas no país, o fortalecimento do setor de logística, a geração de empregos, a intermodalidade e ao fato de ser indispensável ao comércio internacional.

No entanto, apesar do reconhecimento sobre essa importância do modal portuário para a economia nacional, a infraestrutura dos portos no Brasil – salvo algumas instalações – está muito abaixo do ideal, como alguns dos portos existentes na Ásia e Europa, para alcançar maior eficiência na atividade no país, torná-lo mais competitivo e abrir um enorme leque de novas oportunidades.

Na avaliação de Conti, há muitos avanços necessários, mas destacam-se três desafios. “A falta de portos; o excesso de regulamentação portuária e estrangulamento comercial; e o fato de todos os nossos portos serem arcaicos em todos os sentidos, desde a administração até a operação”, afirma o consultor, que detalha cada um dos tópicos.

Falta de Portos

Para melhor entender o cenário nacional, Conti retorna ao período entre 1980 e 1990, quando estava na China e assistiu aquele país dar início ao seu processo de industrialização, aproveitando o boom da Ásia (Japão e Coreia), e decidir que seria um país exportador. “Em apenas quatro anos vi nascer no sul da China, onde eu trabalhava, 110 portos. Ficou assustado com a quantidade?

Isso foi apenas no sul da China! Hoje a China possui mais de 400 portos, tendo, pelo menos quatro entre os 10 maiores do mundo. Entende agora por que a China é o maior exportador do mundo, apesar de ter uma área apenas 16% maior que o Brasil, sendo que praticamente 40% desse território é montanha ou deserto?”, exemplifica.

Enquanto isso, no Brasil, metade das 175 instalações portuárias está na mão do Estado. E boa parte localizada no interior, poderia ser utilizada para escoar a produção, mas são inoperantes. “Além disso, 25% (os maiores portos) estão na mão de empresas privadas que exportam apenas seus produtos, não importando sua ociosidade, como é o caso do Porto de Tubarão no ES, onde a Vale, utilizando tarifas absurdas e uma ferrovia com ativos obsoletos, impede que seja utilizado por pequenas mineradoras e/ou produtores de grãos brasileiros para escoar sua produção.”, explica Conti.

Excesso de regulamentação

O emaranhado de leis e regulamentações do Brasil não se compara a nenhum outro país do mundo, aponta Conti, que atuou durante sete anos em portos da Ásia. “Desde quando D. João, em 1808, decretou a ‘abertura dos portos’, o sistema governamental brasileiro tem lutado com unhas e dentes, para fechar, impedir, bloquear, embargar qualquer possibilidade de utilização portuária. É um verdadeiro cartel. Conheço empresas que antes lutadoras ferrenhas pela liberdade portuária, e quando conseguiram uma beirada de mar, e construíram seu ‘portinho’, tornam-se da noite para o dia, defensora obstinada pela limitação de portos no Brasil”, aponta Conti.

O excesso de burocracia custa muito caro ao país. Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), estima um gasto adicional de R$ 2,9 bilhões a R$ 4,3 bilhões anuais com a demora na liberação de cargas e custos administrativos. As causas da lentidão nas operações portuárias são o tempo gasto com documentação, a redundância de processos e a sobreposição de competências dos órgãos anuentes.

Além disso, o estudo mostra ainda que os constantes atrasos nas obras de infraestrutura portuária deixam de gerar mais de R$ 6,3 bilhões de caixas aos investidores. E isso faz com que a redução potencial dos custos financeiros com a burocracia nas operações portuárias equivale, em média, a 10% dos custos totais do modal aquaviário no Brasil.
A CNI defende que medidas, como a profissionalização e a modernização da gestão dos portos, sejam adotadas com celeridade para que o produto brasileiro ganhe competitividade frente ao de outros países. “A burocracia desvia esforços para finalidades improdutivas, aumentando os custos de produção e reduzindo a competitividade do país como um todo”, destaca o estudo da CNI.

Em números é mais fácil mensurar o tamanho do problema.

“Em cada 10 termos requisitados, os sindicatos só conseguem atender 7 e o único penalizado é o exportador que perde 30% da sua capacidade de exportar, além do aumento de custo por não conseguir carregar seu navio. A ‘prancha’ (quantidade de carga por dia carregada em um porto) chega a ridículos 1.500 toneladas no porto público do Rio. Nos demais portos não passam de 3.000 a 4.000 tons/dia. Qualquer porto da Ásia ou mesmo Europa consegue fazer isso por hora.”, enumera o consultor José Ernesto Conti.

Necessidade de melhorias

O complexo portuário do ES
A burocracia nas operações portuárias equivale a cerca de 10% dos custos totais modal aquaviário no Brasil – Foto: Arquivo Next

Em relação às estruturas e à tecnologia empregada, o consultor emprega a palavra obsoletas ao comparar o cenário nacional com os portos mais avançados do mundo.

“Basta pesquisar para ver como os portos ao redor do mundo embarcam ou descarregam qualquer carga e comparar como é feito no Brasil. É lastimável. São equipamentos velhos, ultrapassados, sucateados. Raros são os portos que buscam uma modernização, uma melhoria, um avanço. A impressão que temos é que atingiram uma meta em 1980 e o grande objetivo até hoje é manter essa meta!”, aponta Conti.

Porém, Conti também enfatiza que mesmo com essa realidade, os portos ainda estão muito bem dentro do contexto logístico do país. “É verdade que boa parte dos portos vivem em uma corda bamba, pois dependem da logística de transporte que por sua vez está em situação muito pior do que os portos, deixando-os reféns de uma malha viária e ferroviária a beira do caos, principalmente no interior do país, onde estão as maiores cargas de minério e grãos. Estima-se que só o transporte rodoviário seja responsável por 13% das perdas da safra. Considerando uma safra de 300 milhões de toneladas, no transporte rodoviário jogamos fora 39 milhões de toneladas, o equivalente a alimentar um país como a Venezuela mais a Colômbia, ou até os 33 milhões de famintos no Brasil, durante um ano”, destaca o consultor.

Como modificar essa situação? Os portos brasileiros precisam se tornar meta de Governo, encarando os gargalos de logísticas e promovendo uma revolução nesta área.
“Quando fizermos isso, semelhante ao que aconteceu na China, poderemos durante as próximas duas décadas, crescer a uma taxa mínima de 5 a 7% ao ano e com isso dobrar nosso PIB a cada 10 anos, alcançando facilmente a 3ª ou 4ª posição mundial”, garante Ernesto Conti.

Para 2023, o Ministério dos Transportes terá R$ 18,8 bilhões para investimentos: são R$ 12,2 bilhões vindos da EC do Bolsa Família e outros R$ 6,6 bilhões previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Ainda estão disponíveis R$ 1,7 bilhão de restos a pagar. Neste ano, o Ministério dos Transportes terá um volume de recursos na proporção do que o país teve nos últimos quatro anos. E isso, conforme declarou o ministro dos Transportes Renan Filho em coletiva, significa que é possível avançar bastante em logística.

O novo secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Fabrizio Pierdomenico, que assumiu a pasta em março deste ano, afirmou em sua posse que o setor portuário nacional tem dimensão robusta, movimentando mais de 30% do PIB do Brasil. E que a missão do governo é acelerar o ritmo de modernização e acentuar os investimentos nos portos do País, além de aprimorar a governança e eficiência das Companhias Docas.