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sexta-feira, 26 abril, 2024

Novo modelo de consumo de serviços e bens imposto pela crise

Novo modelo de consumo de serviços e bens imposto pela crise

Inflação na casa dos dois dígitos, disparada do dólar e a incerteza quanto ao futuro tem levado até as classes A e B a planejarem melhor as compras

Troca de carro adiada, viagens com destinos mais próximos ou em menos dias, mais pesquisas antes de comprar e a redução de despesas da casa são exemplos de decisões que vem sendo tomadas por muitos brasileiros diante de um cenário marcado por inflação alta, crédito escasso, e insegurança sobre o futuro.

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Nos casos mais graves, mas não raros, a crise econômica que o país enfrenta tem resultado em cursos superiores interrompidos, prestações de casa própria em atraso, cartões de créditos “estourados”. 

Recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria aponta que a crise já fez 57% da população mudar de hábito de consumo ou planejamento financeiro e outros 27% devem alterá-los ainda este ano como consequência da recessão econômica. Para se ter uma ideia do tamanho desse impacto, na crise anterior (2008/2009), o maior percentual de consumidores que precisaram ajustar seus gastos foi de 30%. 

Na avaliação do gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca, o recuo nos gastos é uma reação dos fatos diários. “A queda no consumo é uma defesa. As pessoas estão sentindo o desemprego mais perto, vendo familiares próximos perdendo emprego, produtos ficando mais caros e a dificuldade de pagar as contas aumentando”, destacou Fonseca.

Produtos mais caros, como automóveis, foram os primeiros a se tornarem alvo dos cortes de orçamento. E a mudança de perfil de consumo, mesmo que se caracterize com maior intensidade nas classes C, D e E, já traz reflexos também entre aqueles com maior poder aquisitivo, mesmo que, por enquanto, estejam adotando algumas mudanças como uma medida de precaução. “Ainda que seja por segurança, o consumidor passa a evitar novas dívidas, adia compras mais caras, muda seus hábitos de consumo”, afirma o diretor financeiro da Federação do Comércio do Espírito Santo (Fecomércio), Marcus Magalhães.

“A crise pegou frontalmente as classes C e D, principalmente a C, porque foi ela que fez o varejo crescer de maneira forte, em função de ter vindo ao comércio para colocar dentro de casa todo o seu sonho de consumo. Quando a crise chega, o endividamento cresce, o poder de compra diminui, aumenta a instabilidade de emprego e a notória falta de perspectiva com a melhora da economia, essas pessoas saem da ponta de compra e o varejo sente primeiro “baque”, porque ele girava grosseiramente em cima do consumo dessas duas classes”, explica Magalhães.

O economista reitera que apesar do aumento dos impostos e o crédito mais caro e restrito afetar principalmente a classe C, que deverá até encolher neste ano, os prejuízos são contabilizados entre as classes com maior poder aquisitivo. “A classe B também sente porque não tem aumento na renda proporcional às necessidades, então está vindo ao mercado comprar muito mais com a cabeça do que com o coração. Muitas daquelas compras de consumo têm ficado postergadas. E a classe A, que sempre teve muito dinheiro, sente a água começando a bater na canela, porque apesar de ter muito recurso, a inflação começa a chegar em todos os orçamentos familiares”, detalha.

No Espírito Santo, segundo o diretor da Fecomércio, há um agravamento de cenário. “Além da conjuntura econômica nacional, com recessão, desemprego, nós tivemos aqui no Estado este ano uma crise hídrica sem precedentes – lembrando que o agronegócio é uma grande mola propulsora da economia capixaba – e que resultou na quebra de safra de importantes produtos agrícolas que ajudam a economia girar. E, por fim, essa questão da lama de Mariana envolvendo a Samarco, empresa que opera aqui no Espírito Santo e com três mil funcionários em casa, de licença renumerada, sem saber como irão iniciar 2016. Além disso, não estamos falando de uma única empresa, mas de uma cadeia de negócios gigantesca, de inúmeros pequenos negócios que orbitam ao redor da Samarco e sofrem fortemente esse impacto”, detalhou o diretor da Fecomércio. Segundo ele, estamos terminando 2015 com “mais perguntas do que respostas”.

E a redução dos gastos com itens básicos, como alimentos, indica o tamanho do problema. Basta andar pelos supermercados para ouvir diversos depoimentos quanto à perda de poder aquisitivo e a consequente mudança de hábito de consumo, explica o superintendente da Associação Capixaba de Supermercados (Acaps), Hélio Schneider. “A insegurança leva a uma natural retração de consumo, independente da classe econômica, respeitadas as proporções. O que estamos observando é que os consumidores das classes C, D e E tem substituído as marcas de costume de sua compra por aquelas de menor valor. E mesmo entre os consumidores de maior poder aquisitivo, já se nota um cuidado maior com os gastos. Entre aqueles que compravam, por exemplo, vinhos ou uísques importados toda semana, há quem tenha reduzido essa aquisição para cada 15 dias”, conta Schneider.

Novo modelo de consumo de serviços e bens imposto pela crise

Segundo o superintendente da Acaps, o segmento espera uma leve reação em dezembro, mês em que tradicionalmente as vendas aumentam em consequência das festas de fim de ano, mas “nada que deixe o empresário em uma posição de tranquilidade”. E, na avaliação de Hélio, essa situação perdura no próximo ano e a reação só deverá ocorrer mesmo em 2017.

Coordenador do Observatório das Metrópoles, instituição que analisa, dentre outras coisas, as mudanças da estrutura socioeconômica brasileira, o economista Luiz César Ribeiro explica como se dá esse impacto mesmo entre os brasileiros com maior poder aquisitivo. “As classes altas, ainda que não tenham perdido renda, sofrem o impacto da relação cambial, com o dólar muito mais caro que o real. E o consumo de bens de luxo, principalmente importados, tende a cair. No caso dos supermercados, por exemplo, os vinhos Argentinos e Chilenos, que antes chegavam ao Brasil com preços bastante competitivos, hoje estão muito mais caros”, detalha.

Quanto aos índices de desemprego, Ribeiro enfatiza ainda que não são uma ameaça exclusiva das classes C, D e E: “As empresas têm realizado grandes cortes que passam pela folha salarial sem poupar gerentes e diretores. E gestores do alto escalão de grandes companhias que ganham salários mensais acima de R$ 50 mil, quando demitidos, muito provavelmente neste momento não deverão se reposicionar no mercado com a mesma renda mensal”.

O economista ressalta que a retomada do crescimento no país depende efetivamente de uma solução política, uma vez que “sem ela, não haverá cenário favorável à estruturação de um projeto de desenvolvimento nacional”. No entanto, defende que a solução mais eficaz contra esse cenário que se observa no Brasil atualmente está na modificação do modelo de desenvolvimento. “O pior dos mundos é manter a reprimarização da economia brasileira, esse modelo que aposta em uma via não promissora de produtos com pouco valor agregado e, portanto pouco gerador de empregos com alta qualificação. Um quadro pautado em commodities nos deixa muito dependentes de uma dinâmica econômica internacional que não podemos controlar”, enfatiza.

Uma mudança, segundo Ribeiro, perfeitamente viável. “Temos população, temos território e temos riquezas para criar um ciclo de desenvolvimento próprio, baseado no conhecimento, em produtos com maior valor agregado”, garante o doutor em economia .

Compras de Natal

Pesquisa recente realizada em todas as capitais do Brasil, pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), aponta aumento no número de brasileiros que pretendem presentear alguém neste Natal, mas redução na média de valor, em relação ao ano passado. Segundo a pesquisa, aproximadamente 137 milhões de brasileiros irão comprar presentes, o que representa 93% da população; enquanto no ano passado este percentual foi de 87%.

Mas o agravamento da crise, com pressão inflacionária e escalada dos índices de desemprego tem levado muitos consumidores a projetam os gastos com antecedência, e a redução real declarada destes consumidores será de 22,00%.

De acordo com os entrevistados das classes A e B, que declaram o quanto iriam gastar, o valor médio por presente deverá ser de R$ 106,94, enquanto em 2014 era de R$ 125,22. Já os consumidores da classe C, D e E devem gastar R$ 97,85 em média por presente, mas a quantidade de presentes deve diminuir bastante e a preferência será por itens de primeira necessidade.

Os filhos aparecem em primeiro lugar na relação dos mais presenteados, citados por 46,7%, seguidos pelos cônjuges (42,6%) e mães (35%). Entre os “escolhidos” que irão receber um presente, 67,2% ganharão roupa e 37% calçados. Apenas 31,7% das crianças ganharam brinquedos. Ainda entre os presentes, haverá perfumes e cosméticos (27,7%), acessórios (19,8%), livros (18,8%), celulares (13,9%) e videogames (9%).

O estudo constata ainda que cada consumidor deverá comprar entre quatro e cinco presentes, em média, neste fim de ano – praticamente a mesma quantidade observada no Natal de 2014. E a maior parte dos consumidores (42,3%), pretende pagar em dinheiro, principalmente entre os entrevistados da classe C, D e E (47,1%), para fugir dos juros elevados e do crédito mais restrito.

O pagamento com cartão de crédito parcelado, com uma média de cinco prestações, será utilizado por 27,7% dos entrevistados; com cartão de crédito a vista, 13,6%; e com cartão de débito, apenas 12,1%.

Na avaliação da economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, mesmo diante de um cenário adverso para o comércio varejista, os dados demonstram a forte influência que o natal exerce no estímulo ao consumo. Em contrapartida, indicam que os entrevistados estão receosos com as despesas de Natal. “Esse receio é consequência direta do aumento do desemprego, da alta da inflação e da atividade econômica mais fraca. O consumidor quer presentear e não vai deixar de fazê-lo, mas sabe que o momento é de cautela e que por isso, os gastos devem ser mais bem pensados”, explica a economista.

Ainda segundo a pesquisa, os maiores “inimigos do Natal” são a inflação e a crise econômica. Sete em cada dez (74,3%) consumidores relataram ao SPC Brasil a percepção de que os presentes de Natal estão mais caros neste ano na comparação com igual período do ano passado. Dados que comprovam que os efeitos da crise vêm sendo sentidos pelo bolso do brasileiro com significativa intensidade.

 

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