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quinta-feira, 10 DE outubro DE 2024

Muito além de Paris

Muito além de Paris

Terrorismo: a pior face do abismo de valores entre o mundo islâmico e o Ocidente

Os atentados em Paris, no dia 13 de novembro, que mataram 129 pessoas e feriram mais de 350, concentraram novamente os holofotes do mundo em direção ao grupo que se autodenomina “Estado Islâmico” (EI), autor dos ataques. Pela segunda vez em menos de um ano, a capital francesa foi alvo dos extremistas, que ainda incluem em suas estratégias, sequestros de minorias religiosas e decapitações veiculadas na internet, resultando em uma onda cada vez maior de revolta e medo ao redor do mundo.

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Em fevereiro deste ano, o Boko Haram, reconhecido como o grupo mais violento do mundo e que vem promovendo permanente chacina na Nigéria desde 2001, invadiu uma aldeia em Camarões e degolou mais de 100 pessoas em suas casas e até em uma mesquita. Em abril do ano anterior, embasados em sua própria interpretação do Alcorão, sequestraram a estupraram 234 meninas. 

A repercussão midiática e contra-ofensiva destes dois fatos tiveram proporções bastante diferentes, diretamente proporcionais às forças econômicas e políticas atingidas. Mas uma coisa é clara, os grupos extremamente fundamentalistas vêm crescendo a cada dia. O EI divide espaço com Talibã, Al Qaeda, Boko Haram, Hamas e dezenas de outros grupos menores espalhados pelo mundo. “Extremamente fundamentalistas, não diferem causas religiosas das políticas. Essa separação só existe para nós. O mundo ocidental há muito tempo separou a Igreja do Estado, mas para eles é a mesma coisa, o Estado é teocrático, são religiosos no poder. Tanto que conseguem facilmente pessoas para se matarem, fanáticos religiosos que acreditam em recompensa no céu para quem impor a Lei de Alá”, explica o historiador Alexandre Héker, da Faculdade Mackenzie, de São Paulo.

Em 2014, segundo relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos (DEA), 32.700 pessoas morreram vítimas do terrorismo, quase o dobro do ano anterior. O documento diz ainda que os ataques cresceram 35%, totalizando 13.463 ocorrências, 60% delas concentradas em: Iraque, Paquistão, Afeganistão, Índia e Nigéria.

De volta a Paris e ao EI – que já havia deixado sua marca na capital francesa em janeiro deste ano, ao invadir o satírico “Charlie Hebdo” e deixar 12 mortos – não há consenso quanto ao número de combatentes do grupo, mas há quem afirme que esse número possa chegar a 50 mil pessoas. Seja por convicção religiosa, por interesse financeiro ou atraídos pelo desejo de extravasar impulsos violentos, cada vez mais homens e mulheres jovens se engajam na campanha violenta dos jihadistas.

O Dinheiro do EI 

Mas de onde vem o dinheiro para pagar os milicianos que recebem salário mensal de no mínimo US$ 500 (combatente comum) e para programas de apoio a órfãos, viúvas e feridos? O recurso necessário para custear a viagem de mais de 20 mil jovens dos mais diferentes países para serem treinados na Síria, organizando centenas de “postos de observação” ao redor de todo o mundo e comprando armas poderosas? De onde vem os recursos para essa gigantesca estrutura?

Boa parte do dinheiro necessário para manter essa organização cada vez maior tem origem no petróleo vendido às diferentes nações, muitas delas que lutam contra o terrorismo. Tanto no Iraque quanto na Síria, o EI assumiu o controle de regiões petrolíferas e, mesmo em meio aos confrontos, as unidades de produção permaneceram intactas e os terroristas continuam vendendo petróleo. De acordo com informações da revista “Foreign Affairs”, nos últimos meses de 2014, o EI chegou a produzir 44 mil barris por dia, o que tornaria fácil compreender como, segundo o jornal “Al-Araby al-Jadeed”, o grupo dispõe de um orçamento de pelo menos 2 bilhões de dólares.

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No entanto, para o professor de Relações Internacionais, Helvécio Júnior, da Universidade Vila Velha (UVV), não existe informação precisa sobre as fontes de recursos do terrorismo. “Essa talvez seja a parte mais nebulosa do terrorismo. Sabemos que há dinheiro de grupos extremistas vindo de vários locais e pode ser que detentores do petróleo sejam simpáticos às causas terroristas. O que se pode afirmar com 100% de certeza é que esses recursos vêm de políticos internos do Irã, Arábia Saudita, Kwait, Iraque e na própria Síria. Nem mesmo a Interpol, a CIA ou o Mossad (mais respeitadas agências de Inteligência do mundo) foram capazes de traçar a precisão dessa rota”, afirma.

O alcance das ações também é uma incógnita. “Os novos métodos terroristas são imprevisíveis. Ninguém esperava que terroristas usassem aeronaves civis como bombas como fizeram nos ataques de 11/09/2001. Portanto, os ataques podem chegar até onde as falhas de contraterrorismo dos países alvo permitirem. É um estado de guerra e vigilância constante”, explica o professor. 

Como tudo começou

Qual a origem histórica por trás do problema no Oriente Médio? Até a Primeira Grande Mundial, o Estado Turco-Otomano organizava, ainda que de maneira despótica, as relações entre as populações árabes da região, explica o professor Alexandre Héker, uma hegemonia que se quebrou ao perder a guerra. “Surgiram diversos países como Síria, Turquia, Líbano, entre outros, e por influência das potências ocidentais – França, Inglaterra e Alemanha – que queriam posição de domínio naquela região, pois o petróleo passou a ser elemento fundamental ao desenvolvimento industrial.”, detalha Héker.

A Franca e a Inglaterra passaram a financiar tribos árabes. E como fruto dessa estratégia, ocorreu a chamada “Revolta Árabe” (1916-1918), entendida com muito mais facilidade no clássico filme “Lawrence da Arábia“. A partir daí o Oriente Médio se torna o lugar da disputa dos impérios e, após a Segunda Guerra Mundial, entram os Estados Unidos, que passam a dominar o Irã, de Reza Pahlavi. “A criação do estado de Israel é um complicador espetacular nesse processo”, enfatiza o historiador.

O abismo de valores e hábitos entre o mundo islâmico e o Ocidente parece superar a hostilidade vista durante a Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Mas esse ódio à civilização judaico-cristã, seus valores e sua história, não surgiu agora, avalia o professor Helvécio Júnior. “Desde que o Islã surgiu, no século VII, o profeta Maomé e seus seguidores tinham a crença que era preciso expandir o território e negar os valores do ocidente. O conceito de Dar Al Harb, significa casa da guerra, ou seja, os territórios que estão fora do controle do Islã sobre os quais se justificam a jihad. Uma guerra religiosa contra os infiéis”, explica.

O Brasil e o terrorismo 

Na avaliação da coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina de Minas Gerais, Rita do Val, a postura adotada pelo Brasil em suas relações internacionais assegura que o país não esteja na mira para ações extremistas. “O governo não apoia a derrubada do governo de Assad, mas recebe quem busca refúgio. Essa posição de respeito à soberania, à diversidade religiosa e cultural, fazem do Brasil um país pacifista e é essa conduta, que nos garante uma maior segurança. Sempre que possível, o país integra frentes de mediação dos conflitos internacionais, adota uma postura imparcial ao tentar a reconstrução do diálogo das nações envolvidas, como foi o caso Palestina e Israel. “, esclarece.

Olimpíadas

Em relação às Olimpíadas, ela destaca que essa condição pacifista do país não deve significar ausência de cuidados redobrados. “Vale lembrar que uma ação terrorista, num evento como este, não seria simples de organizar. Mas, em um momento em que receberemos tantos estrangeiros, os cuidados precisam ser redobrados”, enfatiza.

O esquema de segurança dos Jogos Olímpicos vai empregar um efetivo bastante superior ao adotado na Copa do Mundo, quando atuaram 20 mil profissionais das forças de segurança, incluindo integrantes das Forças Armadas e da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, garante o secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça (Sesge/MJ), Andrei Rodrigues.

Os atentados de Paris não alteram o planejamento. “A questão do terrorismo já fazia parte dele, por ser uma variável constante neste tipo de competição, que tem histórico de casos de atentados”, afirma o presidente em exercício da Autoridade Pública Olímpica (APO), Marcelo Pedroso. Entre as muitas medidas de segurança está o videomonitoramento com uso imaginador aéreo (equipamento de alta tecnologia, com capacidade de gravação e de transmissão de vídeo em tempo real, que pode ser instalado em helicópteros), para acompanhar as rotas das equipes.

Imigração

Nos últimos quatro anos, a guerra civil e a ascensão do EI, de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, tornou o Brasil o principal destino de fugitivos sírios na América Latina. Dos 8.400 refugiados de mais de 80 nacionalidades diferentes que residem aqui, os sírios totalizam 2.077 pessoas eu fugiram da guerra civil.

Segundo o Itamaraty, entre setembro de 2013 e agosto de 2015, os consulados brasileiros no exterior concederam 7.801 vistos aos sírios, expedidos com base numa resolução do Conare, publicada em setembro de 2013, simplificando os procedimentos para a entrada no país.

Se por um lado há radicalismo nas afirmações de que permitir a entrada de imigrantes nos países ocidentais é deixar que passem a comandar a política e a economia de uma nova Europa muçulmana; por outro, os radicais jihadistas justificam no Alcorão os atos terroristas, inclusive a morte de outros mulçumanos que, na visão extremista, não seguem as determinações de Alá. Nesse dilema, muçulmanos contrários à violência vêm sendo vítimas de preconceito em diferentes situações.

Mas, quanto ao medo cada vez maior das nações receberem imigrantes, o professor Helvécio Júnior avalia que se justifica a partir da própria declaração do EI. “O fluxo migratório está majoritariamente fixado em questões econômica e humanitária. Mas, o próprio Estado Islâmico admitiu ter infiltrado mais de 4.000 “soldados” entre esses grupos – dois terroristas envolvidos nos ataques em Paris tinham carimbo de refugiado. Isso justifica uma política mais rígida, regras mais criteriosas, voltadas à Segurança Nacional, visto que os ataques são recorrentes”, detalha.

 

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