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sábado, 20 abril, 2024

Entrevista: Carlos Piazza fala sobre inovação e sustentabilidade

“Seja disruptivo, se não o fizer, alguém fará por você.”

Por Luciene Araújo

Inovação e sustentabilidade são temas que ganham cada vez mais espaço em debates de variadas esferas. Darwinista digital, fundador da CPC, empresa focada em negócios e transformação digitais e seus impactos na sociedade, Carlos Piazza desenvolve múltiplas funções.

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Entre elas, é professor de MBAs, pale

strante, escritor, mentor de startups e consultor empresarial. Em entrevista à ES Brasil, ele enfatiza que “competir no novo mundo requer a coragem e a competência para transformar tudo que se fez até então em algo obsoleto”. Confira a íntegra dessa entrevista.

Quando se fala em inovação e sustentabilidade, é comum pensar em empresas, grandes descobertas. É preciso quebrar esse paradigma quanto à amplitude desses conceitos? A disruptura é um caminho sem volta?

Quebrar paradigmas e modelos do passado está na ordem do dia. A disrupção chega com muita potência sobre a forma com que as empresas criam valor, mudam relacionamentos, a forma de se relacionar, de consumir, de trabalhar. Muda tudo no entorno das pessoas de forma profunda e decisiva. A inovação é regida por duas vertentes, o progresso humano versus tempo. Isso faz com que tenhamos que perceber sobre nós algo incomodativo, o tempo está cada vez mais curto e o progresso humano cada vez mais expressivo. Isto demanda atenção e muito cuidado ao transitar nesse novo mundo. É um caminho sem volta, não há nada que nos mostre que retrocederemos com o que assistimos hoje.

A inovação é regida por duas vertentes, o progresso humano versus tempo

O que está ao alcance de todos nós nesse sentido, que não temos nos dado conta?

O que acontece sobre as sociedades globais é um turbilhão de coisas que já estão no nosso dia a dia e que nem percebemos, talvez, em grande parte, por termos um cérebro mais reativo e linear. A velocidade exponencial à qual estamos submetidos é enorme e também ao fato de que a proclamação da quarta revolução industrial chega com coisas irreconhecíveis, como a afirmação inconteste que os meios físico, digital e, agora, o biológico passam a fazer parte de uma mesma instância. Isso nos leva a conceitos muito perturbadores da medicina digital e da biologia sintética, trazendo um mundo de inovações que poderão inclusive nos fazer viver por mais de 500 anos. O volume de coisas que estão chegando em velocidade irreconhecível sobre nós já é enorme já e já estamos vendo o que acontecerá nos próximos 20 anos. Pode dizer que não teremos mais uma nova geração, mas uma nova civilização.

Arena VOS ajuda a perceber isso?

Sem qualquer sobra de dúvida. O momento é de pensar, pensar e pensar. A transformação é enorme, inclusive no âmbito da sustentabilidade e provocar a extensão de um pensamento novo é mandatório. É uma iniciativa de muito valia e muito oportuna dado o fato de que não há futuro pronto, ele será todo construído com os processos da inteligência compartilhada. A Arena Vos ajuda nesse processo de forma contundente e muito oportuna. Poder discutir os novos drives de mudança com representantes da sociedade é muito salutar e urgente.

Como incentivar pessoas e empresas a atrelarem o conceito de inovação ao de sustentabilidade?

Os dois estão intrinsecamente ligados. O processo da sustentabilidade deve ser repensando para se construir um futuro de imensa abundância ao contrário da ideia inicial de escassez que percorreu o mundo da sustentabilidade. É dar às pessoas o protagonismo e a possibilidade de ouvirmos o que elas têm a dizer nesse processo de inteligência compartilhada e como será a forma que deveremos agir em conjunto, sobre a questão tensa de se construir valor à sociedade, quando tudo muda o tempo todo.

O que mudar em termos de políticas públicas educacionais para desenvolver um modelo de educação que gere resultados eficazes e eficientes em inovação e sustentabilidade?

A velocidade de mudança é estonteante e mortal sobre os processos que adotamos no passado recente. A quarta revolução industrial chama a atenção que não temos precedentes históricos sobre o que veremos acontecer. Tudo sai da sua zona de conforto. Pela primeira vez, vemos algo que avança com muito mais propriedade sobre questões de desenvolvimento mais lento e decantado, como o ambiente legal, que passa a ser mais reagente nos movimentos.

Podemos ver isso com a questão da necessidade de se coibir fake news, o ambiente da pós-verdade, das leis de crimes digitais, etc. Claro que a sociedade deve reagir a esses pontos de forma muito rápida e definitiva, mas ainda os modelos do passado pesam demais. Podemos já observar países que declararam que, a partir de 2020, levará toda um governo a uma plataforma de blockchain, uma plataforma de governança desintermediada.

Isso traz alguns pontos muito estranhos em uma discussão mais avançada: poderiam os governos serem substituídos por plataformas digitais? Os Emirados Árabes e o Catar dizem que sim. Por um outro lado, a questão da educação traz assuntos tensos, quando nos damos conta que o sistema educacional faz tudo igual há mais de 100 anos, quando se sabe já que trabalharemos em profissões que não ainda sequer existem hoje.

Os governos têm que se mover rapidamente para as questões da inovação para se equiparar ao já existe no nosso entorno, urgentemente. O que o autor Larry Downes coloca é um fato: países muito corruptos detestarão a tecnologia profundamente. Os pilares social, econômico e político se move em escala incremental, mas a tecnologia cresce exponencialmente sobre todos eles. Então, claro que a tecnologia alterará esses ambientes inexoravelmente. Isso tem que ser considerado urgentemente nas discussões.

No mundo dos negócios, aliar esses conceitos e ações já é questão de sobrevivência no mercado? Nesse desafio, existe receita para criar um modelo “infalível” de gestão?

A Babson College, no ano de 2016, colocou em um super estudo que, em menos de 10 anos, 40% das empresas listadas na “Fortune 500” não existirão mais por falta completa de adaptabilidade. A questão da adaptabilidade é crucial e a sobrevivência está diretamente ligada ao poder de quebrar a maneira de se pensar e atribuir o tal do mindset digital, que é muito diferente da forma analógica de se pensar. Muitas empresas estão passando por mal momentos na razão delas existirem, porque a tecnologia já tirou muitas delas da zona de acomodação.

Não existe um modelo infalível, mas existem recomendações muito boas para enfrentar esse tsunami, como, por exemplo, adotar modelos que considerem as empresas exponenciais em que a mudança já é muito grande na forma de pensar e agir. Cada empresa tem uma cultura, cada uma delas tem um segmento que refletem momentos diferentes. Muitas já estão tensas sobre a escala de mudança e o conceito da quarta revolução industrial aponta que não existem mais precedentes históricos sobre o que estamos vivendo. Portanto, se lançar no futuro sem ter uma base de cases para se apoiar exige uma dose muito grande de pensamento futurista e de coragem para se fazer mudanças extremas. Cada empresa deverá em primeiro lugar aprender o mindset digital; depois deverá desenhar uma identidade digital que aspira e; em terceiro lugar, projetar a economia digital que deseja. Não dá para subverter essa ordem.

E quais são as principais dificuldades para que uma marca/empresa seja inovadora e, ao mesmo tempo, sustentável?

Há muitas dificuldades para as empresas se voltarem a uma forma de inovar em escala massiva. Os problemas internos continuam sendo o grande vilão, porque as empresas são muito hierarquizadas e tem estruturas piramidais, que lhes tiram a velocidade necessária para esse mundo. Depois vem as culturas, inabilidades de todos os tipos, como ter atenção aos pontos já críticos. Algumas alegam falta de orçamento, estratégias viciadas, gestão entrópica e ultrapassada. Muitas delas ainda não acreditam que as tecnologias emergentes existam de fato. Acham que são coisas de filme de ficção. Isso as afasta da transformação digital e ficam expostas a qualquer outra forma de corrosão de empresas novas e de startups. Com isso, a falta de percepção que a principal questão é a perenidade, sucumbem. A perda do conceito que as empresas precisam ser lucrativas para alimentarem a economia primária de suas ações. Isso é o que garante o investimento para as inovações e novas formas de se criar valor.

Se o assunto é inovação, novos negócios, o pensamento dirige-se para as startups. Como aproveitar a criatividade dessas “fábricas de grandes ideias” em grandes empresas?

As startups são empresas muito leves, com pessoas conectadas por um propósito massivo transformador muito claro. São diretas e secas, no ponto de vista de estrutura, e ainda tem a prerrogativa de errarem muito para poderem acertar em pequeno espaço de tempo. Muitas empresas atraem startups não para tirá-las do ar, como acontecia até algum tempo atrás, mas para aprender com elas. O grande problema é que muitas empresas confundem isto com a capacidade imaginativa ou de iniciativa que devem ter. Esse novo mundo não se refere à iniciativa, mas a uma super condição de terem um poder de “acabativa” muito mais pronunciada. Ou seja, não são só usinas de grandes ideias, mas são usinas de fazer acontecer grandes ideias. Todas as startups são empresas de processos.

Uma característica das startups de tecnologia é ter ambientes coloridos, divertidos, com horários e regras flexíveis. O quanto isso é importante para a inovação? E para a sustentabilidade?

Em um mundo V.U.C.A, ou seja, volátil, incerto, complexo e ambíguo que conhecemos hoje, precisamos aportar a diversidade legítima, que nada tem a ver com a forma com que as empresas tratam do assunto. Nos negócios, o que contam é justamente o contrário da ideia de justiça social. O mundo é descentralizado e, ao mesmo tempo, promove uma intensa independência das pessoas que são muito protagonistas hoje. Elas representam plataformas descentralizadas.

Para as empresas poderem aproximar a nova forma de criar valor sobre o que fazem é justamente considerar que existe hoje uma forma diferente de se relacionar. Conceitos de viver, trabalhar e aprender consistem em uma mesma instância, já considerados indivisíveis. Nesse universo, não é importante a bermuda em si, o uso do Croc, das tatuagens, dos piercings, das expressões LGBT ou questões de raça ou gênero, mas, sim, do que essas pessoas pensam. Em um mundo muito angular, muito complexo, a inteligência compartilhada deve subir em escala de importância.

Esses ambientes são antagônicos ao conceito de hierarquias das empresas. Não observam a linearidade do pensar, mas a forma livre de conectar experiências e pensamentos diferentes em prol de novas ideias.

Hoje justamente a tecnologia nos coloca em uma situação difícil perante um novo conceito: o multistakeholder. Ou seja, os públicos de interesse são super conectados, super demandantes e completamente independentes. Eles avaliam sistematicamente as empresas em sua capacidade de fazer promessas e cumpri-las. O que esses públicos trazem para as empresas? Crises constantes. Quando a lógica muda, os ambientes de trabalho mudam junto para uma visão mais orgânica e humana.

Quais empresas podem ser consideradas referências em sustentabilidade e inovação no Brasil?

No Brasil, posso apontar algumas muito interessantes:a Porto Seguro, o Bradesco, com o Habitat do Inovabra, o Banco Itaú, a Vale, a Embraer, a Telefônica/Vivo, a Volvol. No segmento do agronegócio e das cooperativas, como, por exemplo, a Cooperativa Vale em Palotina, no Paraná.

Na gestão da sustentabilidade é preciso considerar externalidades. O que torna, para as empresas, fundamental a estratégia de relacionamento com comunidade de entorno. Qual o papel da inovação nesse contexto?

O conceito das externalidades não se alterou e continua sendo um grande termômetro, o problema é que o impacto se ampliou barbaramente, em outros anéis de influência. Hoje uma empresa ou uma plataforma de marca poderá ser julgada por quem nunca será cliente direto, colocando a plataforma de propósito sob judice o tempo inteiro e de forma completamente on-line.

As comunidades do entorno dos negócios, tem condição prioritária nas questões de relacionamento, porque serão impactas muitas vezes fisicamente e conceitualmente nessas novas visões. O modelo se volta à inteligência compartilhada, à forma de se fazer tudo junto, do entendimento por parte das empresas, não só das questões ambientais envolvidas, mas de atração do propósito que devem ter.

Hoje não há como afastar essas comunidades, porque alguns itens tensos ficam descobertos, inclusive com fatores inesperados com a chegada da inovação em muitos pontos, um deles é a desintermediação tecnológica. Muitas empresas passaram por processos de automação e isso tira empregos de muitas localidades. Uma preocupação das empresas é como considerar as economias primárias quando a tecnologia poderá afetar este ambiente de maneira decisiva.

Todo o futuro será construído em conjunto com as comunidades, que também tem seu poder de protagonismo dada já a alta densidade digital com que se colocam perante à sociedade.

Qual a responsabilidade das empresas na construção de uma sociedade melhor?

Há um ponto tenso aqui, uma vez que as empresas estão pressionadas por realidades de mercado há muito tempo. Agora, com a chegada das tecnologias emergentes e da transformação digital, elas foram forçadas a entender que trabalham para a sociedade e não para seus acionistas. Com isso, há de se ter uma visão clara de propósito em que a visão financeira do próximo trimestre está sendo projetada para a próxima geração, e quando a própria responsabilidade social se transforma em oportunidade social. Também, quando antes eram orientadas para mercados, hoje devem ser orientadas por princípios, da mesma maneira que as empresas olhavam a liderança transacional e, hoje, devem olhar a liderança transformacional.

Isso vai requerer um modelo diferente de trabalho e de percepção, uma vez que não se pode ter empregados na visão tradicional, mas, sim, missionários, que olhem e reflitam a mesma frequência de propósito das empresas que representam.

O que os consumidores podem esperar de líderes de negócios ao longo dos próximos anos em termos de sustentabilidade e inovação? E o que o mundo pode esperar dos consumidores ?

Os consumidores deverão esperar um ambiente ao mesmo tempo curioso e confuso no padrão de entendimento. Os líderes de negócios estão se dando conta que com a presença das tecnologias emergentes, o lado humano cresce muito rápido. Talvez seja o grande paradoxo para as corporações. Quando as máquinas tomarem o lugar do que as pessoas fazem repetitivamente, as pessoas terão tempo suficiente para simplesmente viverem. Haverá um salto muito expressivo na forma de se criar produtos e serviços, ao mesmo tempo que aparecerão, até 2038, carros voadores, cidades autônomas, autogeridas, com sensores e internet de todas as coisas trazendo informações dos pontos mais distantes. Os líderes que estarão envolvidos nisso se voltarão a um mundo de abundância de tudo, ao contrário da ideia de escassez de tudo nesse mundo.

Os novos consumidores serão naturalmente mais conscientes de um lado e muito mais tecnológicos do outro. Não se pode esquecer que a própria economia já se modificou nesse âmbito com a chegada da tecnologia à sociedade. A autora Lala Deheinzelin coloca que já é realidade: a economia do compartilhamento está já ativa com modelos de uberização, do próprio Airbnb, a visão do capitalismo consciente sobre mundo em escala abrindo as portas para a utilização de ativos arrendados e na visão da sustentabilidade. Chega-se à conclusão que o mundo já tem, na economia compartilhada, uma visão de escassez ambiental e de recursos financeiros e que a capacidade instalada no planeta está muito além da própria utilização. O que se deve fazer, dar ocupação para esta capacidade instalada. Não se tem mais pressões culturais para que se tenha um apartamento próprio. A visão compartilhada dos automóveis é um fato através do Uber. O compartilhamento de tudo, de malas a casacos, casas, carros, equipamentos inclusive escritórios ou locais de convivência já estão postos. Isso traz uma nova plataforma que muda a forma como as empresas devem agir também.

Qual conselho deixaria aos líderes que estão começando agora?

A sociedade como um todo deve esperar grandes alterações na forma de se liderar negócios. Há uma mudança radical em curso nesse terreno. A autora Guta Orofino que é a criadora de uma startup chamada Beefind prevê que os líderes do futuro terão um balanço muito bom entre o lado profissional e pessoal. Eles serão muito desenvolvidos em técnicas de gestão de conflitos, estarão voltados a serem pessoas que encorajam iniciativas em um mundo díspar, complexo e ambíguo, que se adaptam muito rápido às novas regras, que atraiam rapidamente tecnologias emergentes e que sejam despojados na medida em que precisarão deixar a vaidade do lado de fora dos novos ecossistemas de trabalho.

Sobre estes profissionais não caberá mais a ideia de que tenham que saber de tudo. Muito menos serão intermediários entre o trabalho das equipes e os níveis superiores de gestão. Tudo estará mais equalizado nesse sentido. Os líderes serão muito mais tutores de jornada e coach de novas plataformas do que chefes.

Olhando os dados da Paysa, sobre o tempo de trabalho das pessoas nas empresas de tecnologia, que não passa de 2 anos de permanência, devemos pensar também que o novo líder não ficará uma vida nas empresas. Muito menos terá uma hierarquia para subir ou aspirar…o que muda é a condição, não o título. Eles deixarão de serem diretores ou superintendentes para serem o que os americanos chamam disruptors in chief, ou seja, pessoas que possam contribuir para a nova forma de se criar valor, ao mesmo tempo que torna tudo a sua volta em um ambiente humano como nunca se viu.

Esta matéria é uma republicação exibida na Revista Comunhão – setembro/2018, produzida pela jornalista Luciene Araújo e atualizada em 2021. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi originalmente escrita.

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