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domingo, 28 abril, 2024

Historiadora conta a luta das mulheres no Espírito Santo

Mês da Mulher: Entrevista completa com a historiadora Livia Rangel

Por Rafael Goulart

Em 8 de março de 1917, ao fim da Primeira Guerra Mundial, cerca de 90 mil operárias russas foram às ruas reivindicando melhores condições de trabalho. Essa marcha deu origem à Revolução Russa e também ao Dia Internacional da Mulher. Porém, 10 anos antes, no Estados Unidos, as mulheres já se organizavam para pleitear condições melhores e pagamento igual ao dos homens. Anos mais tarde as mulheres voltariam a se organizar pelo Sufrágio Feminino, um movimento que já existia desde o século 18 porém só teve importantes conquistas em meados do século 20. O movimento lutava pelo direito de voto das mulheres que até então não tinham participação nenhuma nas escolhas políticas.

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A professora e historiadora Livia Rangel, doutora em História Social pela USP e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência da UFES, autora da dissertação Feminismo Ideal e Sadio: o discurso feminista nas vozes das mulheres intelectuais (1924-19354), destacou os marcos mais importantes das lutas das mulheres que até menos de um século atrás sequer podiam votar, eram impedidas em diversos empregos e excluídas das mais altas Casas de poder e influência.

Entrevista

ES BRASIL – Quais são os marcos da luta feminista no ES?

Lívia Rangel – Existem alguns marcos. As lutas feministas no Espírito Santo, dentro do que chamamos de feminismo organizado, entraram em cena no final da década de 1920. Esse movimento começou na imprensa até transbordar as fronteiras da escrita, chegando a uma mobilização relativamente estruturada.

Entrevista completa com a historiadora capixaba Livia Rangel
Historiadora Livia Rangel – Foto: Acervo Pessoal.

Depois de debaterem a questão do voto e de discutirem as condições de subalternidade a que estavam submetidas, um grupo de mulheres intelectualizadas aproximou-se da principal organização sufragista da época, a conhecida Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), tomando a iniciativa de abrir uma filial dessa rede de mulheres organizadas no Espírito Santo. Isso aconteceu em 1933 e a FBPF foi presidida por Sylvia Meyrelles da Silva Santos. 

No mesmo período, começou a funcionar a Cruzada Cívica do Alistamento, esta contou com a participação intensa de Maria Stella de Novaes, professora, cientista e escritora que era bastante conhecida naquele tempo. A Cruzada Cívica de Alistamento assumiu a missão de viajar pelo Estado com o objetivo de conscientizar as mulheres a tirarem seus títulos de eleitoras.

Porém, antes mesmo de haver esse empenho coletivo de mulheres trabalhando articuladamente pela concretização dos direitos políticos femininos, inclusive participando de Congressos Feministas fora do Espírito Santo, uma capixaba da região de Guaçuí chamada Emiliana Emery Viana conseguiu se tornar a primeira mulher no Estado a obter o título eleitoral, em 1929.

O que isso representa para a luta feminina?

Foi uma conquista e tanto considerando que, em 1929, o voto feminino ainda não havia sido instituído como um marco legal.

E como seguiu o movimento no Espírito Santo após organizado?

O ano de 1934 também foi marcante para o Espírito Santo porque foi nessa data que pela primeira vez uma mulher foi eleita para a Assembleia Legislativa. A primeira deputada estadual chamava-se Judith Leão Castello Ribeiro. Foi eleita em 1934, mas por conta das crises políticas e do início da ditadura do Estado Novo, não pode assumir o cargo até 1947. Judith Castello exerceu quatro mandatos legislativos e foi uma aguerrida defensora da melhoria educacional no nosso Estado.

Esse é um nome comum para os capixabas, o que mais ela fez?

É interessante notar que Judith Leão Castello Ribeiro também esteve envolvida com a fundação da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras (AFESL), em 1949. E foi a primeira mulher a ser aceita entre os imortais da Academia Espírito-Santense de Letras, já no ano de 1981. É bastante simbólico que a trajetória dessa capixaba tenha percorrido tantas mudanças importantes que vieram possibilitando as mulheres adentrarem espaços antes restritos e mesmo hostis às suas presenças.

Na história que nos conta, estamos já na década de 1980, até aí finalmente as capixabas conseguiram altas cadeiras, na Assembleia Legislativa e na Academia de Letras, mas o que mais aconteceu até as mulheres terem outros direitos básicos reconhecidos?

Ainda no campo da política, que é uma arena de disputas muito importante para a conquista e consolidação dos direitos das mulheres, nós tivemos uma capixaba ocupando pela primeira vez o cargo de deputada federal apenas em 1982, já dentro do processo gradual de reabertura política após a Ditadura Militar. Falo da Myrthes Bevilacqua, professora e mulher vinculada aos movimentos sindicais.

E depois?

É extremamente importante lembrar que, no Espírito Santo, nós tivemos também a presença de mulheres negras mobilizadas para discutir feminismo e racismo e pautar suas lutas a partir desses recortes de gênero e raça.

Na década de 1980, uma das lideranças do movimento de mulheres negras capixabas foi a Maria Verônica da Pas, médica psiquiatra, professora da UFES, ativista e militante dos direitos das mulheres e da população negra, uma figura muito participativa das reflexões que fizeram subir nas pautas as questões invisibilizadas das violências, discriminações e desigualdades que atingiam com seu peso desumanizador as pessoas negras do Espírito Santo. Aliás, foi ela uma das idealizadoras do Museu Capixaba do Negro (MUCANE), fundado em 1993, sendo sua diretora por três anos.

E hoje, em que pé está a trajetória do movimento? que conquistas foram alcançadas e quais as prioridades do momento?

Nós acabamos de passar pelo Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, uma data muito significativa que voltou a ser apropriada pelos movimentos de mulheres e feministas com o intuito mais do que explícito de ir para as ruas e de falar de onde estiver (as redes sociais também se tornaram uma ferramenta importante) sobre as nossas lutas. É um momento de reflexão e de denúncia, um momento de ressignificação das nossas dores, sejamos nós mulheres cis, lésbicas, trans, travestis, brancas, negras, indígenas. É dentro dessa pluralidade que queremos pensar o mundo e buscar justiça social e de gênero.

Para algumas pensadoras e críticas do movimento feminista estaríamos vivendo a quarta onda do movimento, uma fase mais horizontalizada da luta, onde as lideranças estão menos centradas no indivíduo e mais no coletivo, onde as pautas e reivindicações passaram a reconhecer a valorizar a nossa diversidade e a ampliar o diálogo com questões que envolvem as políticas de identidade. É um momento muito rico, de muita efervescência e isso está acontecendo a nível mundial.

Você é ativista nas lutas femininas, quais projetos você desenvolve hoje?

Tem um projeto que desenvolvi em 2021, chamado “Diálogos no tempo: histórias de mulheres capixabas”. Foi um projeto realizado com a recurso da Lei Aldir Blanc e o intuito foi aproximar as pessoas das trajetórias de mulheres históricas capixabas a partir de uma dinâmica que colocou essas mulheres frente a frente com figuras representativas da nossa atualidade, com mulheres que seguem essa linhagem de luta e resistência e que continuam a desbravar espaços e a reafirmar a importância da igualdade e da busca ferrenha por uma vida digna e segura, livre das violências impostas pela sociedade com sua estrutura patriarcal. O projeto pode ser conhecido em detalhes no perfil @palcohistoria no Instagram.

 

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